quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Pirando antes de apurar

Quando acordo e cai só um filete de água, tenho medo de sair às ruas: penso que viveremos aquelas ficções fatalistas em que as pessoas estarão se estapeando por qualquer gota. Sei que estou até privilegiada: a última ocasião em que aconteceu foi entre um fim de noite e começo de manhã. Tenho trocado com conhecidos que precisavam levantar às três da madruga em tempos de seca urbana, pois o fornecimento só ia até seis da manhã. Por razões que fogem ao meu racional, esta manhã estou pirada sem a dita cuja. A pia começou dar cria, já há lactobacilos vivos sem contribuição de nenhum casei Shirota. É preciso conviver com a própria merda: o ser humano é isso aí também, lembra do filme o Cheiro do Ralo? Quem pariu aquilo no vaso? Talvez não seja tão cheirosinha quanto faz crer minha memória afetiva do banco de elogios. Haja fósforo. Agradeço aos céus pelo namorado ou a amiga diarista terem enchido o filtro (vivo esquecendo) e tomo o que resta quase em conta gota, me pelando de pavor de terminar antes do fornecimento voltar. Há dias em que trabalho esquecendo de me hidratar. Basta que só caiam duas gotas da torneira para desejá-la desesperadamente, minuto a minuto. Acabo de tomar café da manhã e já tenho fome: bem disse um terapeuta ayhurvédico (ou seria da medicina tradicional chinesa? Começo a ter delírios de memória) é como se tivesse dois estômagos. Faço logo um chá três em um: pro estômago, pro nervoso e com um fiapo de anis, pra adoçar muito ligeiramente, pois prefiro sem açúcar mesmo. Como é que não fazemos manifestações dia sim, outro também contra a má administração da Sabesp? Lembro que há pouco tempo fizeram um treino de ocupação militar da empresa, talvez também tenhamos que aprender com dissidente do exército a brigar até a morte pela última garrafinha. Sou daquelas que chega ao trabalho invadindo a diretora pela água atrás da pilastra, protestando que não se nega água a nenhum ser vivo e nem se solicita participação no rateio de arte educador que passa o chapéu, mas às vezes ele só recebe parabéns. Hoje é desses dias de virar piadinha na repartição. Será que a Sabesp é mais privada que pública? Como é que não fomos sequestrar algum secretário e só devolvemos após o reabastecimento normal na periferia? A quem recorrer para pagar menos, já que as torneiras às vezes fazem greve? Uma coisa é se entupir em três trabalhos, voltar exausta e desmaiar esquecendo do banho. A outra é acordar aguada por um chuveiro e ele avisar "tem, mas acabou". E essas tigelinhas de água da gata? Aguentam quanto tempo mantendo dengue à uma distância segura sem limpar e encher novamente? Talvez eu precise de mais chá... Ah sim, o namorido solicitou conferir junto ao condomínio o que ocorre, pois não bota fé em nossas "teorias da conspiração"... Procuro a administração: apenas lavam as caixas d´água e devem retomar o abastecimento em breve. E eu aqui desperdiçando meu talento dramático!