terça-feira, 29 de novembro de 2016

Maremoto doméstico

Antes era sempre uma chuva
agora tem um lastro
Para quem voou tanto
um pouso é sempre uma descoberta
Nós fomos lapidando
essa linguagem nova, intraduzível
Por essa modelagem única
um ninho tão nosso!
Nossos passos na areia
começaram meio desconexos
Agora tatuamos este caminho
em cada palmo de nós
Nós não nos sabíamos
companheiros - fomos tateando
Descobrimos os espaços de encaixe
as rotas de combustão
e os portos de chegada aguardada!
Os dedos traçaram rotas
mapas recém desenhados
As pernas inventam um laço
e depois afrouxam
Nossas palmas reconfiguram
encontros já aguardados
Ainda assim, descobertos
suspirados e chorados
Um universo a escrever
mas gemidos escapam pelas linhas
Alguma bússola norteou
esta cruzada de ideias e sonhos
E um mapa do tesouro
foi criado neste incerto ajuste
Esse improvável acerto
aguardado e até desacreditado
Como era eu sem nós?

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Retiro de mim

É oficial: envelheci. Claro, os médicos vêm com metáforas, pegue mais leve e reduza o ritmo, mas não é praticamente a mesma coisa? Ouvi que não podia continuar fazendo tudo isso e automaticamente minha síndrome de Peter Pan sagitariana me cobrou "mas sempre aguentei". Foram dias de choque: a hiperatividade também era doente, mas mais aceita por amigos, chefes, parceiros, então me apeguei nela por um loooongo e tenebroso inverno. Um chute no ego: sim, também havia um que havia amado o papel de bobo da corte de tal forma que a única coisa que lembrava para lá da animadora de plateia era a deprê. E a memória que ficou dum extremo ao outro alertava: não se mova, do lado de lá doi inacreditavelmente. Aqui, entre as muitas e muitas atividades não era possível ouvir qualquer dor interna. Quando a exaustão era demais, um sono na marra aliviava e muito. As pessoas dizem que é só voltar à minha essência. E usar auto conhecimento. Fiz uma coleção de retiros, meditações e vivências, mas o caminho rumo a me conhecer não tem qualquer sinalização. E depois da ansiedade absurda, logo no começo do feriado, caiu uma exaustão: o sofá nunca me pareceu tão delicioso. Chove, o tempo resolveu chorar por mim. É um luto da partida da boba da corte. Vejo amigos e família, mas não quero falar com ninguém. No máximo chorar sem saber a razão. E ter que explicar que sim, mesmo com bom emprego, namorado, família que não me desabonem, doi. Não é paupável, nem localizável. Temporada de virar ostra. Escrever. Comer um pouco, quando o corpo grita por abastecimento. Compreendido, não ser mais hiperativa para não adoecer. Como ser outra coisa que não deprê? Não me joguei dum extremo ao outro por não ter ido ao Playcenter na infância: minha mente opera em modo mal configurado. E não fui exatamente eu que programei. Ela só deu gritos depois de stress corporativos e grandes preocupações familiares com saúde. Mas dizem que são só gatilhos, Já não era lá muito convencional querer ler, escrever e desenhar a infância toda, sem parar para comer, tomar banho... E produzir dúzias de poemas inspirada pelo lado "dark side of the moon" de Fernando Pessoa e Carlos Drummond na adolescência? Indícios estranhos de algo fora do prumo. Certo, nada de hiperatividade: me monitoro e quando quero enviar projeto de parceria para trabalho em pleno feriado, topo "dar uma voltinha" pra evitar fazer hora extra na licença médica. Não sei porque cargas d'água estou com vergonha de voltar num dos lugares que comeu meu tão necessário sono nos últimos meses e jogar a toalha. Sempre fui boa nisso na área anterior, afinal éramos trocadas feito modess. Já nessa não: me envolvo, tenho dó de partir. Sinto ainda mal estar de cortar a palhacinha com a qual me entrosava razoavelmente e talvez voltar... À essência no meu canto de anos e anos atrás? Tudo bem então agradar os outros e me machucar, inclusive fisica e emocionalmente? Não, não sei fazer nada disso, então cama, cobertor, água e a gata são ótimos companheiros temporários para esta licença médica. Ao fim dela algum texto, amigo, médico ou eu mesma terei tudo isso mais claro. Quem sabe?

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

14 Dias Para Descobrir o Que Minhas Licenças Têm a Me Dizer

",,,essas velhas dores que acreditava que não voltariam..."
Nesta quinta minha hiperatividade "velha companheira de guerra" deu pau. No banho, já estava começando a ficar nervosa: ou cozinhava pra levar comida à reunião pedagógica semanal, ou atualizava as aulas que daria à noite ou planejava as aulas do dia seguinte. Para distrair esta ansiedade, fui lavar os cabelos com no poo: depois que aboli os derivados de petróleo, voltei a desembaraçá-los no chuveiro.
"Momento mini flash back": no começo da semana já tinha cantado a bola ao meu chefe mais recente: vinha acordando com peito apertado, chorando a caminho do trabalho e levantando com taquicardia. Entre ficar felizinha por ganhar como meu marido e esperar dar pau, preferi ficar pobre com saúde, optaria por um trabalho só... Ouvi que o feriado estava chegando e...
O nervoso ameaçou retornar e a manhã só estava começando: como discutir saúde 4 horas com jovens se as dicas pedidas aos colegas especialistas não chegavam? Em dias de mal estar, a imaginação some sem deixar pistas. Como improvisar uma manhã tendo estudado outras áreas no dia seguinte? "Coloquei o nervoso na árvore" e fui lavar minha calcinha. Nada como um trabalhozinho braçal para tirar a voz da ansiedade.
Esta semana tinha voltado ao médico, contado que estava chegando tarde, desligando e dormindo uma hora, despencando da cama seis horas, o mal estar todo, o retorno à cárdio sem que nada desabonasse patologicamente meu coração, só pra ganhar atestado e fazer exercício, mas também pra entender de onde vinham este disparo e dores no peito... Ouvi que estava estressada e me "remedicaram" com a dose antiga. Assim que ele receitou e deu outra caixa nova, puxei pela memória:
- Não foi com este que tive uns efeitos colaterais piores que barato de bebida?
Ele investigou meu histórico de 219191 médicos dos quais "fugi em desabalada carreira", quando me trataram só como uma doença ou um órgão e constatou que não, nada ali apontava indícios contra o novo "toureador" de stress.
Retomei a maratona típica do dia sem aula: fiz feira lá na loja do MST (não existe quase nada próximo numa cidade em que o tamanho é "uma falta de educação" como São Paulo, num momento em que mais que nunca os produtores familiares rurais precisam de apoio - a escola deles no interior foi invadida e atiraram sem mandato de busca há pouco tempo), fui atrás dum remédio natural contra TPM (todas as demais dores driblo com mato, chá... Sou semi natureba), passei na cárdio que até sugeriu um semi retorno ao jornalismo (é, definitivamente 37 horas de aula, reuniões e 8 de planejamento na semana não estavam caindo bem), voltei para casa depois de umas quatro horas de trânsito... Como é que aguentamos São Paulo mesmo?! Horas de prosa com o marido, sequestrozinho básico de tempo de sono, manhã seguinte de reunião, tarde ótima de oficina com bolsistas iniciantes, toda a chuva do mundo para chegar à escola: o guarda chuva quebrou e abraçou minha cabeça, tentava checar se o caminho que tinha que andar era aquele mesmo, mas a ventania virava o tecidinho plastificado e o que o sustentava quase do avesso... Tinha medo de parar em algum lugar e esperar pois o aguaceiro não dava sinais de que diminuiria e lá na minha quebrada, toró desse nível leva carro, árvore... Não seria muito difícil dele também me levar. Sem contar que os comércios locais fecharam. Cismei que São Pedro estava inconsolável com a eleição de Trump nos Estados Unidos. Todos os palavrões que já ouvi na vida chegaram ao colégio comigo... Da secretaria, ganhei uma blusa emprestada para aplacar o frio: não era possível me secar em jeans e botinha fazendo cheque, cheque, molhada até chorar. Até meu pâncreas estava cheio de água. Ninguém com roupa de academia para emprestar. Porém com a blusa emprestada saí animadinha que a humanidade ainda se ajuda assim, sem perspectivas de tomar algo em troca. Maior novela mexicana para os estudantes assentarem, montar o projetor e dar a aula de Brecht... "O analfabeto político"... A cada vez que ouço trechos dele, me emociono de novo e de novo... Enquanto não volto a encenar, é assim que me toco de novo.
Lá estava eu no dia seguinte limpando a areia da gata, após um banho meditativo e aquele mal estar sem tempo para tudo que sou demandada. A "escolha de Sofia" apontou o planejamento das aulas que não domino. O laptop deu pau. Comecei chorar como criança. Falei com amiga, tia, a vizinha veio em casa. Verifiquei se o pessoal da escola queria que fosse no meio da programação da tarde e noite inteiras, me mandaram ao médico, a vice diretora ainda disse que me amava, aí que desaguei, nunca ouvi nada nem vagamente humano em momento de crise antes, no jornalismo ou nas assessorias de imprensa. Ainda é me afeta o tratamento mais humano da educação pública.
Aborreci um tio com carona para o pronto socorro e uma amiga para passar vexame comigo lá: já estava com a parte de trás e de baixo da cabeça doendo quando vomitei. Um plantonista me passou ao outro, porém a segunda foi tão categórica quanto meu médico me escrevendo: "é definitivo: você não pode continuar com este ritmo: diminua ou não podemos fazer nada". Não é possível que melhore dormindo 3 horas a menos. Se descansar só no final de semana, fico mal pois o cansaço é cumulativo. Descubro em pleno inferno astral que é oficial: envelheci. Fui 220 voltz a vida toda, mas meu corpo já não dá conta de todas minhas ideias. Eu e a amiga fazemos terapia informal no corredor de espera. Meus pais não deixam de lado a possibilidade de bancar "a carona do Jarbas" para voltar, não sem antes fazer um "pit stop" nos meus tios, afinal quem se aposenta faz umas andanças meio estopa: enroscando em tudo que é lugar antes de chegar. Me indigno com um ensaio de xenofobia entre os meus, causo um "mal estarzinho" básico, mas me divirto com as memórias de 219211 anos atrás e as histórias dos netos deles. Como não amá-los apesar de todas suas contradições?
Ao voltar para casa meu namorado alertou:
- As mil vontades na cabeça seguem como uma pilha: sem melhorá-las você continuará sofrendo!
Me sinto como meus alunos sem a menor ideia do que fazer. No dia da crise pensei vagamente em meditar, lavar louça, não consegui nada, só me render à exaustão. Quando muitas pilhas das 210390 coisas que sempre quero fazer me deixam em polvorosa, não sei como tranquilizá-las. Ai cáspita, talvez tenha que voltar à terapia...
Revejo um amigão de colégio na manhã seguinte e entre debates e encantamentos com a paixão bandida da educação, retomando um ensinamento budista de que desejos maldosos ainda que não concretizados deixam aquela energia de mal estar que nos prejudica, lembro do namorado na véspera:
- É assim que minhas 930932 vontades de estudar, me exercitar, meditar, ler, escrever, viajar derrubam meu corpo, mesmo que não tenha mais gás para realizar todas como antigamente me maltratam. Ele está certo: é quase uma doença auto imune...
A prima irmã escreve para fazer algum trabalho manual que desloque a mente da dor mental para a atenção que qualquer coisa braçal demanda. Encontro um ateliê educativo gratuito e aposto nele como fonte terapêutica da semana em que meu corpo me estancou gritando, porém ainda não sei como silenciar minimamente a mente quando sai do eixo e pipoca, hiperativa. Que ela não pode seguir empilhando sonhos e inspirações não concretizados, já começo entender como sabotadora do tratamento. O único passo atrás que dei em uma década de tratamento foi não emendar seis coisas e reduzir drasticamente o sono a uma horinha. Eu ou a idade fizemos isso?
E inspirada no escritor Gustavo Tanaka que ouvimos nas palestras e vivências do programa de coach, empreendedorismo e auto conhecimento terminado há um mês, retomo a escrita por dias... Como quem espera dela uma luz de cura.