domingo, 17 de dezembro de 2017

Retiros de TO e suas reminiscências

Este ano fui conhecer uma Bahia que ainda não tinha noção: a periférica Itinga, além de estudar e praticar teatro do oprimido (TO) nela. Levei meses pra escrever sobre, um pouco devido aos processos artístico-pedagógicos demorarem a decantar em nós. E outro tanto devido ao "bode" de se perceber semi nova pra dormir em alojamento estudantil. É, a aventureira "chovem" sagitariana com síndrome de Peter Pan tem resistido a partir do meu universo, mas uma hora aconteceria: não tem muita escapatória.
Foi um feriado intenso, como não podia deixar de ser fazendo e ao mesmo tempo estudando teatro do oprimido, conhecendo chilenos, argentinos e uruguaios usando TO contra exploração das mulheres, poluição e apropriação duma baía tradicional, pequena pela indústria de gás, entre outros tantos modos de se por em cena politicamente.
Também mexeu muito com minha porção ancestral pouco estudada oficialmente ver os jovens bahianos usando TO para resgatar a memória africana, aplicar jogos no CASE, onde jovens cumprem medidas sócio educativas, ouvir estas jovens com suas poesias "tapa na cara", levar livro do educador delas como uma amostra dos saraus periféricos baianos, visitar quilombo, ver a dança das Bijuzeiras de Areia Branca, ouvir os quilombolas tocarem, descobrir o doce mugunzá e acompanhar por dias um espaço teatral periférico resistente abrindo espaço para cultura popular e tradição oral.
A própria troca entre os participantes me fez descobrir uma espécie de teatro educativo (será que estou traduzindo direito?), poesia no ônibus, outros modos de explorar TO contra violência doméstica e como trocar os protestos pelo TO no confronto com policiais...
É de uma riqueza absurda por a Rede Sem Fronteiras de Teatro do Oprimido pra trocar vivências! Comer juntos, se conhecer mais na fila do banho frio, rir na caminhada pro quilombo Quingoma de Dentro, saber mais da realidade machista e racista pelas parceiras de práticas na van entre o alojamento e o CASE... Enfim, uma nova Bahia, arte educadores e atores foram se descortinando devagarzinho.
Foi ainda incrível saber mais de Moçambique, trocar cartas com o ator de lá na vivência de teatro jornal (e mesmo conhecer outra forma de realizar esta ramificação de TO), aprender música moçambicana e meses depois aplicar a técnica adaptada com meus alunos do EJA, o Ensino de Jovens e Adultos.
As pessoas que conhecemos são tão talentosas, generosas, didáticas e lúdicas que eu e uma colega da grande São Paulo chegamos a improvisar uma cena contra opressão das mães com os colegas da Argentina sem se entender totalmente através das falas, até porque no palco não dava para dar texto devagar para as pessoas entenderem.
Nas rodas de troca, jogos e partilha exercitamos a paciência, escuta e controle da ansiedade, já que nem sempre os hermanos acompanhavam o que dizíamos (e nem nós entendíamos totalmente quando embalavam em debates, memórias, vídeos...).
Os únicos senão é que tive mais cansaço que o previsto e volta e meia, entre uma vivência de butô, exibição de vídeos e jogos me rendia à bendita cama inflável emprestada pelo amigo do meu namorado.
Quase toda noite tive barato de dormir meia boca, acordar com a cantoria juvenil da madrugada e pelas manhãs também não me conformava com o pessoal do Chile a todo vapor para jogar e improvisar logo cedo, enquanto ainda tentava despertar. Depois soube que os hermanos já estavam há meses mochilando na estrada, então claro que tinham um ânimo que eu, na batida de dois trabalhos, uma na educação informal, outro na formal e nesta fase SEMI (semi nova, semi magra e semi bem sucedida) não dava conta mesmo.
Fomos improvisando entre uma demora de café, overdose de programação (como fazer a escolha de Sofia entre tantas vivências incríveis com pessoas de experiências tão múltiplas?) e sono atrasado. Mas o pessoal de teatro é bom nisso não? No finzinho acabei ganhando uma noite na pousada de amigas do interior de São Paulo, com as quais estudei TO específico para a mulherada no Laboratório Madalenas um mês depois, no feriado de outubro, em Campinas. Um dia para lá de especial, em que entendi no meu corpo que as mulheres antes de nós tinham um destino mulher, não conseguiam fugir muito dele e também de onde vem esta eterna insatisfação de que nunca está bom - provavelmente da avó materna, que perdi aos 3 ou 4 anos, não queria casar, mas acabou assumindo as sobrinhas quando a irmã morreu e vivendo com meu avô, com quem convivi mais. Marcante! A expectativa é replicar fechando outras oficinas fora de Sampa com amiga do curso de doula.
Além disso tudo também matei saudade do formador em TO que tinha começado estudar o que? Há uns três anos atrás numa das ocupações do centro histórico paulistano. Porém na época estava exaurida de trabalhar dez horas como professora de biblioteca num colégio de freiras, mais 4 horas diárias de trânsito... Fomos encerrar este processo imersivo em TO ano passado, em Santo André mesmo, onde meu diploma foi pro brejo na troca de
gestão. Graças às contações, projetos e frelas anuais de jornalismo fui caçar meu certificado lá em terras bahianas e mergulhar na experiência em TO na periferia de Salvador. Achei que as periferias são todas iguais. Itinga me lembrava o Heliópolis. Espero "contaminar" outros estudantes com TO: por hora devido à limitação de tempo, recurso, frequência, entre outras, tenho improvisado com eles cenas imaginando e teatralizando opressões que vivem nos ônibus, hospital em que encaram tantos desrespeitos aos seus direitos. Esperamos evoluir no próximo ano com mais aulas e atuação pela 1a vez em centro público - colégio já pensado para o público da EJA. Enquanto atuamos nas EMEIFs, a Educação de Jovens e Adultos ainda é "ocupação" nos colégios - volta e meia sentimos como se fizessem o favor de nos acolher ou oferecer material, mas somos todos alunos da rede de educação municipal nesta região do ABC. Mas simbora que a batalha continua!

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Coração Multiétnico

Sempre brinco que minha mente é budista (são os livros e retiros em que mais me encontro e me ajudam com a ansiedade), o coração "macumbeiro" (porque comecei pesquisar dança e música afro em terreiro para um personagem que o diretor queria parecido com pomba gira e até hoje encho os olhos d'água com apresentações e cantos "para subir"), mas minhas práticas cristãs (com uma angústia reincidente, nada como uma reza tradicional aprendida na infância). Talvez por isso tivesse tanta vontade de conhecer São Luiz do Paraitinga (desejo tão antigo que vi a cidade se inundar e reconstruir pela TV, mas fui visitar bem depois). A maior parte da minha família não é tão multiétnica quanto eu. Cristãos de carteirinha, alguns já inclusive se rebatizaram em igrejas evangélicas, mas devo às tias uma curiosidade de infância das memórias divertidas e teatrais que partilharam comigo sobre as procissões, as risadas entre as romarias e como quase queimavam as companheiras de reza na rua em trânsito com as grandes velas que carregavam, entre um cochicho e uma gargalhada com os primos. Sim, no interior eles não tinham amigos: só a primaiada que ao passar férias um no outro, já dobrava a quantidade de crianças em casa, fazendo minha avó jurar: "vou fugir pro mato"! Por isso, pela paixão por patrimônio histórico colorido e paixão sertaneja pela cultura cabocla, em junho (é, estou devendo este post há meses), fui com meu companheiro na Festa do Divino de São Luiz do Paraitinga. Fizemos um bate e volta meio hardcore: partimos de São Paulo pra Taubaté e de lá noutra condução rumo às romarias cênicas. Perdi as fotos entre uma troca dum celularzinho retrô e o atual... Mas as memórias do encanto com aquela devoção lembrando cortejos cênicos ainda estão vivas! Tivemos dica gratuita duma colega operadora de turismo e como fomos e voltamos no mesmo dia, pudemos esticar as pernas no Cantinho dos Chalés, duma parceira dela, também sem custo. Foi tudo meio fora da curva, como costumam ser minhas viagens fora da caixa. A hospitalidade e generosidade são bem caipiras - no melhor sentido!
Mesmo assim conferi ao vivo e a cores - quantas cores! - a brincadeira do pau de sebo, as ricas, animadas e históricas congadas de várias regiões, as tradicionais fanfarras, encontro das bandeiras, bonecões artesanais cruzando a cidade (pequena, é verdade), os emocionantes estandartes e dança de fitas que só tinha ouvido os tios interioranos contarem nos reencontros familiares ou mestres de Congo ensinar informalmente no Sesc Santo Amaro. Meu companheiro, que não é sincrético como eu, gostou da viagem super sônica - devemos ter passado mais tempo em trânsito que em São Luiz - os problemas são que somos um país pouco marqueteiro com suas riquezas caboclas e de transporte público complicado fora dos grandes centros. Nas idas e vindas por Taubaté, me senti meio "criança feliz" vendo as homenagens ao Monteiro Lobato em forma de estátua para Emília (foi meu apelido na adolescência). Sempre concordei com a famosa personagem: "eu sou a independência ou morte"! Relendo o folheto que fez a propaganda das atrações deste ano, sinto vontade de voltar e não só encher os olhos com a fé colorida e teatral dos habitantes e visitantes interioranos, mas experimentar vivências e palestras como fiz na Chapada Gaúcha, durante o XV Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas. Sinto que entre uma incursão e a outra sertão adentro ensaio uma fuga estrategicamente sonhada pro interior, que é de onde minha alma nunca saiu.
P.S: A trilha deste post variou entre Renato Teixeira e Ivan Lins, com bandeira do Divino

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Doula de alunos melhores

Dar aulas é como parir a professora dos nossos sonhos de tempos em tempos - em intervalos que não podemos prever. Isso se nos abrirmos à colaboração dos estudantes, se permitirmos que cursos, as histórias ou vivências realmente nos afetem. A ponto de abrir mão da aula planejada milimetricamente pros alunos também criarem. Pagar pra vê-los nos provar que a arte pode estimular o acesso criativo ao inconsciente coletivo. É permitir que oficinas de iniciação artística dadas para crianças me atravessem e "reiventem" minhas aulas no ensino formal para jovens e adultos.
Para ser ligeiramente didática, tive uma uma diretora teatral que sentíamos como "parteira de cena" quando travávamos em improvisos coletivos. Me miro muito nela: minha meta é ser parteira de estudantes melhores. Sejam arteiros ou profissionais lógicos. E tenho visto estudante do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) se apropriar do material meio de lado na escola formal em Santo André, se pintar, usar figurino e sair fazendo malabares depois duma narração dramatizada minha. E daí que ele não emprestou os livros que recomendei? O melhor que tinha para se resignificar naquela noite nos limites de sempre da educação pública foi um artista de rua no corredor do colégio. E foi tocante fazer parte daquilo de alguma maneira.
Com as crianças no Programa de Iniciação Artística (Piá) de São Paulo já entramos num ritmo "tudo ao mesmo tempo aqui e agora": levo ideias, o parceiro de música também, mas os participantes... Eles nos ensinam jogos, abraçam os que propomos, usam meus acessórios de cena em improviso, se montam para divulgar o programa conosco nas salas de aula, cantam música autoral do parceiro de trabalho, criam esquete conosco, pedem bis das canções, querem ver os instrumentos, o livro, se entrosam com os "participantes turistas" dos encontros, nos incluem no que criam, modelam, desenham, embarcam
em paisagem sonora...
Não tem como isso não reverberar quando chego ao ensino formal: não por acaso descobri uma brinquedoteca escondida onde dou aulas no EJA há meses. Esta pode ser uma grandeza e tanto ensinando: levar, mas abrir mão para que eles também proponham, sugiram, se coloquem, dividam experiências ou se questionem:
- Professora não ter amigo gay é preconceito?
Não tenho todas as respostas para o que se perguntam e me questionam, mas sinto estar num rumo certo deixando com a pulga atrás da orelha. Fazer debate render em turmas mistas de 16 a 60 anos certamente tem temperozinho dos encontros com as crianças e pré adolescentes no Piá. E quando nos abrimos ao abastecimento das relações, da troca, do encontro, da descoberta... Mesmo com mais de 50 horas entre trânsito, aulas, planejamentos, oficinas, reuniões... É uma canseira boa! Somos nutridas. Vamos pro "próximo round escolar" com a corda toda.
Nestas horas experiencio que dar aulas é uma arte. Da entrega, pré disposição, co criação... Um privilégio fazer o que gostamos em tempos sombrios para arte educação. Tem frio na barriga antes de encontrar os estudantes também. Não é porque não temos todo o tempo de criação dos artistas que não parimos obras até inesperadas - porque o planejado tinha uma rota traçada, a criação em grupo faz uma releitura da aula e nos surpreendemos positivamente. Já fico até querendo repensar meu TCC. Arte educação é migrar de trem bala a barco sem vela a espaçonave futurista dos Jetsons em processo. Só que tudo tem uma razão de ser. Parir novos seres humanos. Ser doula de estudantes melhores. E simbora que como não podia deixar de ser, o tempo urge. Muitas vezes não nos veem como artistas, mas estas obras custam sangue, suor e lágrimas e nem todo mestre está disposto a se reinventar. Mas sigamos nós mesmos com nossa resistência, trabalho de bastidores e formiguinha...

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Era só um curso...

Era só uma formação. Em doula. Mas estudar o que amamos nunca é "só uma capacitação". É olhar para o que nos move, nos conhecer melhor e... No caso do feminino, reconhecer antigas feridas negligenciadas, encontrar irmãs nesta jornada de resistência que é ser mulher desviando do machismo nosso de cada dia ou às vezes peitando o patriarcado - e rezando, claro que esta nunca é uma atitude segura.
Era só uma capacitação. Para além das aulas técnicas dos trimestres gestacionais, das fases do trabalho de parto, da placenta, das indicações reais de cesárea, do panorama no Sistema Único de Saúde, recomendações contratuais, plano de parto, puerpério... Estamos há quase duas semanas "internadas entre mulheres", nossas "mais novas amigas de infância da semana passada", oito horas por dia, o que se configurou informalmente num círculo improvisado de mulheres, que simbolicamente foram se ouvir e ser escutadas no Espaço D'Elas, no Butantã, em São Paulo.
Era só um curso. Mas lá compreendi que minha busca por um trabalho significativo, que em minhas temporadas de cursos de massagem, yoga, reiki, acupuntura não era por um percurso tradicional em saúde, mas pela humanização dela. Sempre desconfiei que se precisamos humanizar o que é feito por seres humanos, sinal de que a humanidade deu ruim, parafraseando minha professora de "contação" de histórias Ana Luiza Lacombe, que costuma dizer que se precisamos estudar narração de histórias, que é feita tão naturalmente em comunidades tradicionais, algo na sociedade pode ter desandado.
Não era só uma formação. Ouvir, aprender, ler e ser atravessada pelos relatos de partos, abortos, abusos, estupros, descasos, violências obstétricas, dificuldades com amamentação, criação de filhos e julgamentos. Vivenciar com eles o aprendizado pela história de vida do outro. E olha que conto histórias há décadas... Se tocar com tantas vivências. Se enxergar nelas. Nas entrelinhas.
Não era só uma capacitação. Ler, discutir, avaliar, debater, por em cheque, parir empatia em grupo e questionar conceitos, dúvidas e dinâmicas sobre humanização, filhos, disforia, dificuldades do universo trans, história de como o "capetalismo" se apropriou do corpo da mulher, sagrado feminino crítico, luto, avaliação do quanto os grupos de mães às vezes impõem partos que a maioria não tem como arcar... Só comprovou minha percepção da falta que faz humanidades nas formações de saúde.
Não era só um curso. Já vinha sendo tocante acabar de conhecer amigas com metade da minha idade, vivenciar alteridade com a troca de dores, praticamente plugar cabo USB emocional uma na outra e chorarmos juntas no nosso encontro de estreia. Imagine 80 horas caindo de amores pela luta de uma, conscientização da outra, batalha doutra companheira, indignação duma parceira de estudo, inocência de uma das comadres, militância ativa da que senta ao meu lado hoje, conexão da mais ressabiada, superação da que me desconcerta ontem, doçura da que admiro entre uma prosa e outra, abraço da mais nova velha irmã de jornada ou dor da que lembra tanto meus velhos mal estar de guerra? Foram narrativas curativas douladas, com o perdão da rima fora de lugar na prosa. Nós potencializamos sororidade. Provamos a falácia de nossa pseudo competitividade de gênero. Atravessamos um processo de cura em apoio, contradição e reflexão estratégica coletivos. É tão potente, inesperado, intensivo que dá uma dor no coração porque acaba em dois dias. Como se sustenta uma rede de apoio?
Deu bug na minha percepção da relação que tenho com o tempo de produção do que vendo. Não achei respostas, lógico: é uma travessia se encontrar na minha terceira reinvenção profissional. Percebi que estava me fixando à doença ou ao trabalho momentâneo e que isso boicota minhas viradas profissional e me reinventar para além do que trato. Uma semana depois do exercício empático de perguntar como estava o outro, ouvir e repetir o escutado sem julgar ou aconselhar, vi que podia usar a dinâmica de comunicação não violenta pra além da doulagem, mas com aqueles que amo e sofro quando não estão bem, proponho opções de melhora, mas não dou contar de ouvir os sobes e baixos porque tocam em feridas do que já enfrentei. Ainda questiono como passarei horas acordada apoiando um parto com meu sono chinfrim, mas desta vez, ao contrário de quando concorri numa formação em empreendedorismo que me roubaria o sono por dias, quero ao menos experimentar primeiro e avaliar depois. Vem, doulagem!

terça-feira, 13 de junho de 2017

Dez anos

O que são dez anos
na balança amorosa?
Não muita coisa
matematicamente falando
Pego o fim da ditadura
e você o auge da música
e visual de qualidade duvidosa
bem quando nascemos
Teus amigos ainda
se divertem em porres
Os meus já administram filhos
Parte dos seus camaradas
estuda mudar de área
pela primeira e temerosa vez
Os meus já mudaram
alguns querem trocar de novo
outros cansaram de alternar problemas
Você se encanta com uma nova pós
eu já me perdi na minha coleção de cursos
Você ama seriado japonês
eu piro nas vlogueiras feministas
Você medita sem grandes dramas
Eu fujo e volto mentalmente
incontáveis vezes
em sessões de 15 minutozinhos
Você estressa com as malas
Eu já sonho com pé na estrada
no meio duma viagem
Você é paizão da gata
Eu quero ser mãe
um dia sim, zilhares de vezes nem pensar
Você tira tecnologia de letra
eu xingo quando dá pau
e saio de perto
Tua família é tranquila
A minha, falastrona
e louca mansa de carteirinha
Como natureba
você, longe disso
Você pesquisa dress code
eu visto o que encontro
pela bagunça dos empréstimos
pros eventos quadrados
Não temos a ver
mas um mundo díspare
se encaixou entre as diferenças
como continentes apartados
que se encontraram depois
duma jornada exaustiva
Mudo os planos
você se reinventa
e seguimos olhando juntos
pra mesma direção

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Território das Resistências

Nesta quarta quis tomar banho pela primeira vez depois de tirar a vesícula. No hospital me lavei correndo, com medo de cair, acelerada também pelo frio, sono e receio do chão depois que derrubar a bandeja de jantar. Tive tanta dor nas costas da maca no pós operatório que comi de lado na cama da enfermaria, tentando administrar as dores de gases no ombro, mas minhas manobras desajeitadas de sobe e desce do colchão fizeram a tigela de sopa se espatifar em mil pedaços. Sobraram estas lembranças em flash porque o máximo que sentia era vontade de deitar com tanto remédio, sono e dorzinha de barriga impossibilitada de tossir, suspirar, rir ou soluçar. Os professores de pilates têm razão: a barriga é a casa da força.
Pouco antes de entrar na faca na segunda escrevi sobre olhar o corpo como cartografia das nossas superações: são sete correções de glaucoma congênito, mas uma apendicite suporada e hérnia que a cicatriz desta última deixou (descobri isso explicando as operações pro anestesista ou pra médica assistente). É bonito pensar em nós mesmas como resiliência em processo, que vai que fortalecendo conforme os baques vêm. Bom, foi meu modo cabeçudo de dar perdido no medo e na fome do jejum que se esticou pelas burocracias que não achavam minha autorização médica: de medrosa que sou adiei a cirurgia duas vezes. Isso pode ter emperrado mais um pouco me internarem e operarem segunda, quando já tinha perdido quase todo o cagaço.
Hoje depois da burocracia de atestado pra lá, guia pra cá, voltei louca por um banho e esta história começada segunda pelas redes sociais tinha ficado em mim. Tomei susto com o roxo na barriga tanto quanto me assustei ajudando minha mãe no banho quando ela operou o seio - e também tinha um roxo. Estas marcas e as cicatrizes que ficam - em nós branquelas, não são a maioria que permanecem - carregam histórias de passar por cima de dores, enjoo, aflições, riscos... E sobreviver para contar as histórias - estas que nós, as narradoras amamos.
Mas era uma barriga inchada porque como me explicou a médica, parece que por fora não mexeu muito, mas por dentro são cortes e mais costuras. A gente não sabe se ensaboa correndo ou vai devagar. Estou tateando um novo corpo e ele ainda não me pertence. Entrei em conflito com ele depois de engordar após a apendicite, de outros tratamentos me sanfonarem e não emagrecer tanto quanto achava que devia. Devia segundo quem cara pálida? A gente milita tanto em sala de aula, nos movimentos feministas, mas parece que conosco sozinhas é que o bicho pega. Era como se só engolisse a aceitação da barriga engordar em quem teve filho - as outras jamais! Mas são duas operações abdominais, fora os tratamentos de sono engorda-emagrece. É uma história sobrevivência para celebrar.
Mais tarde, falando com minha prima irmã nervosa com sistema online de nota do microempreendedor individual dando pau (porque já tenho que sair da leseira da anestesia a todo vapor) ela me lembrou do básico: operou, tá viva. Hoje é o dia da gratidão. A $ é um coadjuvante neste contexto. São dez vezes em que entrei na faca, uma só pelo vídeo. Mas sigo semi inteira, semi magra, mas inteiramente pega de surpresa por este olhar.
A médica assistente, mais presente que o principal que só desceu do panteão dos deuses pra tirar as pedras e a vesícula, disse que ele preferia tirar os curativos no consultório. Olhando e mexendo meio desajeitadamente não entendo se tem esparadrapo manchado ou a pele indica que passou uma cirurgia por vídeo ali. Passo sabão e bucha pulando os trechos que prometem fortes emoções demais. Segue um território nebuloso de aceitação, vulnerabilidade e redescoberta.
Lembrei da oficina de fotografia e gênero que uma amiga dá. Não se fotografa a barriga inchada operada, a não ser que seja pra simpósio de saúde, TCC ou artigo médico. Quem acolhe a mulher que adoece, opera, engorda, emagrece, mas não muito, segundo a régua estética que ninguém consegue seguir? Acho que em primeiro lugar ela mesma: que soma de sobrevivência a celebrar eu me tornei! De novo no meio deste destino um contratempo de saúde me atropelou (porque a sensação é bem esta voltando de anestesia geral), mas eu ainda estou aqui! E sigo resistindo. Mas principalmente aprendendo a lidar com um corpo que não dá a luz, mas ainda assim engorda, emagrece e me tira do lugar de conforto. Deve ser um treinozinho pra empreitadas com menor espaço de contemplação e descoberta. Seguiremos teimando. E aprendendo a lidar. Que corpo e sobrevivência também é aprendizagem.

domingo, 16 de abril de 2017

Feminino Abjeto em Trânsito

Depois do ensaio minha parceira cismou que era perigoso ir com a amiga dela ao ponto de ônibus e chamou um Uber. Calculamos antes de nos despedirmos: não davam nem 10 minutos e nem 10 reais até a estação de trem mais próxima. Mas já tinha sido assaltada por travesti na região e concordamos que era a melhor saída pro trabalho ter acabado tarde, minha bateria, como sempre ter terminado muito antes da hora extra artística de fim de semana e ter esquecido o carregador em casa. Nos despedimos sempre naquela batida "me avisa quando chegar". Outra companheira da antiga profissão sempre remete ao coração meio angustiado que anota a placa do táxi antes de dar tchau à amiga e só se aquieta com a confirmação de chegada da companheira. Porque pras mulheres é assim amigos hômis: trocar um risco por outro. Ou você nunca leu/ ouviu sobre abusos e inclusive estupros por taxistas e companheiros de crime destes profissionais meio assustadores? Não são nem dez minutos, mantrávamos eu no Uber e minha amiga na casa dela. Pra depois meu infindável troca troca de três conduções nas baldeações. Mas a primeira vez que o carro passou pela estação, estava na pista do meio da Marginal, a que não tinha como parar e eu correr atravessando a pista ao lado que me permitiria embarcar.
- O Waze está indicando errado o caminho. - ele justificou.
Certo. E porque raios você o segue novamente? Quis dizer, mas como as personagens do livro Uma, Duas, da Eliane Brum, as palavras travaram em mim. O aplicativo recalculava a rota, mas era como se a volta no quarteirão desse vários perdidos na minha pressa e vários pontos a favor da malandragem do motorista.
Onde estão os outros passageiros do Uber Pool solicitado pela minha amiga? Também tentei perguntar, mas a interrogação entalou no meu céu da boca.
Juro que entrei semi simpática, com aquela conversinha inicial aparentemente sem riscos, como quem quer sinalizar "acredite que não tenho medo e nem sou presa fácil, Estou em missão de paz".
Mas foram os retornos sem fim nos levar a avenidas sem saída, viadutos contra mão e de novo à pista do meio da Marginal - que mais uma vez não me permitia entrar na estação Berrini - e toda minha falastronice derreteu tapete abaixo, as conversinhas pra boi dormir fugiram pelo vidro entre aberto do banco de trás.
Ele é de outro estado, não tem ideia de como irmos onde preciso ou vai me levar pra outra quebrada que não a solicitada no aplicativo? Comi todas as unhas dos dedos na tentativa de dar outro andamento ao meu nervoso que não fosse a gastrite, nem a insônia de logo menos.
Se ele me levar pruma bocada, como pedirei socorro depois se estou sem bateria?
E eu que sempre passei mal só de apurar manchete policial pra jornal impresso em plantão no jornalismo só desejava que não virasse personagem de nenhuma baixaria de Datena. Minha família não merece nos reconhecer entre em nenhuma desova de corpos e muito menos ouvir "mas estava na rua àquela hora"?
Me sentia como minha mãe costuma reclamar, que na hora do nervoso não conseguia rezar.
Já até tinha trabalhado no Brooklin, mas é uma região reconhecível de dia, com todo o movimento do expediente comercial, só que à noite e no fim de semana aquele bairro não parecia só difícil de lembrar os caminhos já trilhados a pé, mas também assustadora. 2123941943 prédios e espaços comerciais e nenhuma alma na rua.
O motorista rodou taaaanto que uma hora perguntei, vendo umas poucas pessoas na rua:
- Veja se eles indicam onde está a estação porque o Waze definitivamente não está ajudando.
Torcendo pra que não fosse o caso dele emputecer ou piorar meu medo de todas barbaridades que lembramos nestas longas horas aflitivas.
Ele perguntou, mas ouvia de novo o Waze e rodava. Não me lembrava de várias ruas propostas pelo aplicativo e já fiz mais de um trabalho na "vila cloaca" daquele buraco do Brooklin.
"Essa porta está travada como as de criança? Como saber? Pulo? Quais as chances de me quebrar? E e de escapar"? Cogitava sem ideia se era uma possibilidade ou o medo já tinha evoluído pra pânico e de repente eu cismava que podia improvisar um episódio de série de suspense. Ou terror.
Tenho pouco tempo pra trocar e trocar e trocar de estação, caramba! Minha mente gritava, mas meu cagaço de que fosse mesmo a noite de esperar pelo pior só me permitia roer as unhas. Porque ser mulher tem isso meninos: conferir tanto as estatísticas de violência contra a gente e criar sem querer uma bomba relógio interna que "de vez em sempre" apita: "já é minha vez  de passar por isso? Mas não fiz análise o suficiente".
Oi Liga da Justiça Divina. Sei que sou uma cria rebelde e capaz de xingar inclusive no meio de uma oração como nesta manhã. Mas me livra de mais essa por favor, pode ser via Oxum, Chico Xavier, Buda, Sarasvati, Deus, quem tiver desocupado, estou aceitando. Só faltei terminar com valeu, falou. Aquilo não era uma reza. Algum deles atenderia? Temia que acontecesse o que meus amigos dizem que rola meus pedidos pra todos os santos possíves, ninguém podia me atender, porque um esperava que o outro me desse cobertura e podia terminar o dia no vácuo de novo.
Olhava os pontos de ônibus, quase pedia pra ficar neles mesmo, porque a corrida não tinha fim, mas não tinha passageiro esperando. Até que ponto isso era mais arriscado?
- Não, não começa a sair do prumo de novo. - não aguentei - É pra lá, pela Marginal. O aplicativo já errou e já errou de novo.
Sei lá o que se passou pela cabeça dele, mas entrou numa contramão e eu desci:
- Você não pode virar aqui.
Entrei no trem de perna bamba. Sem bateria, nem carregador para avisar família e amigos, fui chegar em casa uma hora pra lá do previsto e já estavam todos criando as piores teorias e se mobilizando pra pensarem juntos em como me encontrar porque o aplicativo já indicava algo de errado. Passeio pelo trem e pelos metrôs ainda fora do chão com a sensação de "salva pelo gongo". Voltei a ler o livro da história mal digerida entre mãe e filha comentada acima só no ônibus que foi me incomodando até o outro lado da cidade, em casa, onde cheguei com gente muito querida em polvorosa atrás de mim. Fui chorar meu nervoso só no dia seguinte, porque temos costume de por nosso mal estar na árvore pra consolar quem amamos.
Não é odioso ser mulher logo de cara. Mas a sociedade, o sistema e o patriarcado tornam nossa vivência assustadora e isso nos exaure emocionalmente. Tudo o que queria é "me esconder na cama que é porto seguro e acolhedor". E recarregar as baterias para as próximas guerras.

domingo, 5 de março de 2017

Só Vim Escrever

Fiz um daqueles testes definitivamente bobinhos da Internet (eles nos rementem às nossas revistas adolescentes vexatórias: "qual é a profissão dos seus sonhos"?). Não conhecia a personagem de cinema que sou de acordo com o teste. Tentei consultar uma amiga cinéfila, mas foi o link errado na pergunta. Um trecho dele, entretanto me deixou pensando: até que amorosa e profissionalmente estou madurazinha. Era de se esperar nesta fase semi nova, semi bem sucedida e semi magra. Mas tenho lá minhas estranhezas mentais brabas. Enrolei pra encontrar meu primo caipirinha e só agora que o toró caiu caprichado arreganhei as janelas. Sou como nosso avô em comum: alegrinho, mas preferimos tempo nublado. Refiz o teste para perguntar à amiga de novo, o site resolveu que sou outra personagem cinematográfica agora. Tenho destas coisas sem sentido às vezes. Volta e meia ensaio cair lá no limbo de alguma nostalgia estranha. Há tempos procurava uma playlist com músicas corta pulsos como Smiths, Cure, Cult, The Mission, Depeche Mode, Joy Division, Duran Duran, INXS... Errei loucamente nas buscas. Neste domingo pareci acertar a mão e o som down me baixou uma necessidade braba de escrever. Talvez quem mais foi sincero comigo tenha razão, tenho umas coisas internas criançona mesmo. Bem, as boas novas são: voltei à terapia. Me deu uma dó súbita dela. Não sou madura o suficiente para não quebrar pau sobre temas subjetivos como economia e nem emputecer sem sentido. Costuma cair bem deixar a poeira passar para olhar de outro jeito mais tarde. Estou para voltar a lavar a louça, dá uma assentada numas prateleiras confusas internamente. Tem me parecido quase tragicômico cortarmos relações por questões conceituais, ideológicas, militantes e econômicas, mas... Bem, em algum ponto haveríamos de divergir caprichadamente. Inspirada pelo conto que tenho estudado para um projeto teatral estes dias, Só Vim Telefonar, do Gabriel Garcia, só quis escrever. Estou me desconstruindo quase inteira dando aula, fazendo oficina cênica, estudando o que fazia sem muita reflexão antes, voltando à terapia, reavaliando a boa e velha militância, ensaiando umas parcerias aqui e acolá... Às vezes não é lá muito simples, nem indolor. Então subo nas tamancas com quem nem é o caso. Sinto muito pela minha ascendência sanguínea. A gente ferve, Não que seja o modo mais aconselhável de lidar com as dores e discordâncias: inflamando. Mas o olhar também é passível de reeducação. Estou neste processo de recalibrar o olhar, já retrô demais nuns pontos e precisando repaginar. Alguns ainda demandam revisão dos 20.000 km rodados. Sinto muito pela minha falta de óleo nas engrenagens mais enferrujadas de ouvir seus olhares. Na maioria das vezes não sei ser leve, devagar e aos poucos. Vivi aos solavancos tempo demais. Lógico, penso que sempre é tempo de desmonte, reajuste e reconexões com as peças precisando de lubrificação. Preciso encostar, por algumas partes a um passo de enferrujar para arejar, seja na mecânica ou na garagem. Quando não pudermos olhar prum rumo parecido, que abramos as janelas, portões e portas quando o outro estiver nesta reinvenção interna toda. Às vezes é caótico. Até se colocar é confuso. Noutras ocasiões nos atropelamos. Nas mais pesadas podemos descarrilhar ladeira abaixo imprevisivelmente. Mas só vim postar.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Memórias de Carnaval

O Carnaval é uma festa contraditória para mim. Tenho memórias de na infância ir à matinê do Clube
Juventus com a minha vizinha, que os maldosos do prédio chamavam de bruxa do apartamento 4, como a megera do Chaves e Chapolin. Ela levava a mim e sua sobrinha. Não lembro quem caprichava em nossas maquiagens, mas íamos de Pierrô e Colombina, inclusive muito bem fantasiadas. Uma overdose divertida de confete. Aliás só assim para ir ao Juventus - ou vendo a outra vizinha jogar. Meu pai...! Sempre achei vôlei uó, da arquibancada ou na quadra.
Mas voltando à serpentina: já adolescente ia à matinê do clube da GM com minha prima IRMÃ. A questão é que acho nunca ter sido muito naturalmente da farra e me irritava já jovem da "torcida do Flamengo" resolver que era o momento ideal para meter a mão em alguma parte do meu corpo que não estava disponível - mas azar o meu. Neste período inclusive era meio "se não aguenta, nem desce pro play" ´porque lá pras tantas, em meio ao tira o pé do chão clássico passava meio mal e minha prima me sentava num canto para voltar a pular até quase destroncar o tornozelo.
Então veio uma longa e mais adequada à minha alma senhorinha temporada de retiros no Carnaval. Meditação, massagem, budismo, yoga.., Valia qualquer negócio para correr da folia. Mato, sempre muito mato. Os litorais sempre estavam num "pega para capar", que não "ornavam" com minha saudade do sossego das férias interioranas da infância.
O mais próximo que cheguei dum meio termo nesta época foi ir à Vitória com os mesmos vizinhos de sempre. Como era uma viagem de pobre, levamos 12 horas para atravessar a famigerada região dos Lagos carioca. Estes vizinhos zoaram tanto meu pai - uma figurinha caricata - que até chegarmos a excursão inteira já o zoava, porém a maioria nem o conhecia. Ficamos na época com a impressão de que todo mundo no Espírito Santo fugia pra Bahia. Houve uma certa decepção dos parceiros de programa de índio: acho que alguns esperavam aquela muvuca carnavalesca de TV e foi sossegado. Teve quem reclamasse que a galera local era feia, mas como nunca tive esse ímpeto de beijar como se o mundo fosse acabar amanhã, de fato não lembro muito não.
Houve claro diversos Carnavais com família no interior de São Paulo, Curitiba e norte do Paraná. Tranquilos, muitas sonecas, comilança, prosas em dia, visitas à parentada... Não lembro de irmos em algum clube ou festa de rua - e é provável que tenhamos ido, porém a comemoração não devia ser tradição em nenhum destes lugares, portanto nada que tenha me marcado muito significativamente.
Adulta lembro de ter ido "montada" na bailarina com amiga na Vila Madalena, acho que quando o
movimento do renascimento de Carnaval reiniciou em São Paulo. Rolaram as palhaçadas de sempre: nos perdemos, a rua estava - como era de se prever - animada, mas já estava como diz meu namorado fazendo meu supletivo de curtição perdida na adolescência. Tive bode cedo. Depois aquela baixaria de sempre, cada uma de nós com uma versão diferente da ocasião. Bem, em alguma fase eu tinha que enfiar o pé na jaca não?
Este feriado voltei aos bloquinhos para confirmar incomodamente que o tempo passeou.
Gozado que voltando duma contação de histórias semana passada com minha fã número 1 - mãe, quem seria? - cruzamos com um mar de noivas, capitães, diabinhas, enchapelados cheios de purpurina indo para algum bloco caprichado. Não sei se por vir duma batida intensa de médicos e frelas cedo, só queria cama. Creditei ao cansaço e me perdoei. Mas este feriadão lá na Marechal, só quis calçada, vazar para comer uma pizza e sentar também, Rapaiz! Envelheci e o namorido não entende o stress brabo com isso. O grande mal estar nem é a mancha no rosto comprovando isso, afinal sempre fui relaxada com cremes, mas sim a
chateação de aguentar seis programas seguidos na virada para os 30 e dez anos depois fazer duas ou três coisas e já precisar voltar e deitar. Depois vi uma galera chegar com banquinho e pensei que afinal, não era uma questão só minha esta canseira nonstop. Mas lá para as tantas passaram a mão em mim e já quis vazar mesmo.
É como desabafei com o atendente do natureba em que comi mais cedo. O que acho uma judiação é que se a mulher for apaixonada por Carnaval, ele não é amigável para nós. E no fim das contas cheguei à conclusão de que Deus, o universo gerador ou a energia criadora fazem as coisas acertadas porque nunca rolou ir para Bahia ou Pernambuco no Carnaval (este último ainda tenho impressão que curtiria, mas porque sagitarianos têm uma esperança sem noção).
Também penso que há cidades em que a cultura carnavalesca não só é mais forte como natural: parece impensável não ir atrás do bloco, conferir os bonecões ou as escolas em Salvador, Recife e Rio. E como esta cidade é um mundo, amigos no rodapé do Sambódromo também batem carteirinha não só agora, mas o ano todo.
Como estou em todo aquele processo de olhar crítica e artisticamente pro feminino no teatro, questiono se não nos convencemos que não é uma festa que nos acolge porque tem esta canseira de tentar curtir, ser abusada, enfim...
Difícil dizer. Agora que quatro dias e meio são fodásticos para cansados são. Ficar semi nova e não saber lidar, inclusive com os pais voltarem à infância é perturbador. Inclusive porque a mídia não ajuda com sua ode massacrante à juventude e à magreza - femininas, lógico. Bom... Bora para uma temporada Nerdflix.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Onde e porque o feminino se tornou abjeto em mim?

Mergulhar na oficina do feminino abjeto com Janaína Leite, do grupo XIX de teatro, na Vila Maria Zélia, tem sido arrebatador desde o teste. Já de saída, ouvir a experiência das futuras participantes, traumas, abusos, revoltas, como criaram textos ou imagens que conectassem com o tema foi tão terapêutico para meu feminino que na volta meu namorado ligou para avisar que sairia com os amigos mais tarde e como chorava no meio da condução, achou melhor me rever mais cedo.
Cena Hoje Eu Recebi Flores, com Klaviany Cozy
Não que chorar invalide ou fomente o processo, de forma alguma. Sempre atuei militando nisso, no Movimento de Mulheres do Heliópolis, inclusive artisticamente. Mas passar pelo processo pela escuta, troca, partilha tem outra potência. Minha crise de correr da maternidade por um tempão, querer agora mais velha porque levou 20 anos para encontrar um namorado parceiro, se reconhecer cansada demais, admitir que trabalhar dia e noite empate este desejo, o companheiro não se animar muito com a ideia, as opções zero de creches para quem trabalha à noite, percebendo realistamente o trabalho todo e sentindo que teria saudade braba de estudar, atuar para se jogar na necessária temporada abastecimento-troca-fazer dormir-arrotar uma criança se assenta entre os trabalhos criativos, conversas com as amigas e terapeuta, certamente com a ajudazinha da oficina. Não é porque sou cabeçuda com isso que deixa de doer. Como as amigas e primas passam por outros grilos emocionais e psicológicos, esta dor é "minha só não é de mais ninguém", como canta Marisa Monte. E nem me toquei que tudo isso viria à tona, com colegas em momentos diferentes com relação ao feminino, mas todos honestões como eu, então é um espelhamento caprichado.
No primeiro reeencontro saí percebendo o feminino abjeto em mim - porque pra gente da militância feminista é mais fácil apontar a rejeição ao feminino da sociedade. Cismei que corri da maternidade porque mergulhando nela teria que encarar tudo que é aflitivo: amamentar, parar a vidar, fazer ê um diário nosso adolescente. Éramos românticas. Você foi pé no chão: o jornalismo não colaborava, os antigos parceiros também não. Isso não foi exclusivamente seu. A sociedade não acolhe o feminino e você foi realista, Ela sabe o quanto amo antropologia e traz as aulas que tem descoberto na especialização da Federal do ABC: "instinto materno é criado pela sociedade". Por este olhar, o relógio biológico também não deve existir. O que é vontade minha de parir e o que a sociedade entubou em mim? Difícil identificar. Pelo budismo, posso desconstruir. Mas é uma labuta de queimar os neurônios.
Atuação cênica no Movimento de Mulheres do Heliópolis
crescer, pausar significativamente estudos e trabalho... Bendita a irmã historiadora cortando minhas viagens "podicrê" via What´s Up: l
Como diria Hel Mother, está tudo bem. Sim, fiz maratona dela. Curativo. Recomendo para dores de não mães tardias. Quando este mal estar bate feio também visito amigas enlouquecendo com filhos. Apazigua um pouco também.
No segundo encontro entendi que quando minha mãe dizia "não tenham filhos porque é uma preocupação muito grande para o resto da vida" estava falando da maternidade e não de mim. Era óbvio, mas na minha filhauniquice achava que estava reclamando de mim. Minha mãe disse a vida toda "aconteça o que acontecer, nunca pare de trabalhar". Talvez levei a sério demais. Mas não por egoísmo como a sociedade faz querer parecer. Ao que tudo indica é o que faço de melhor mesmo.
Há semanas ouvíamos os colegas de oficina falarem de como nasceram. Dos mais velhos era gritante a solidão das mães. Uma dizia que "naquele tempo era assim, os pais não paravam de trabalhar nem para ver os filhos nascerem". E nesta última semana, como disse nossa diretora "depois que todos nascermos, tomaremos café" e partilhamos muitas percepções em roda. Experiências fortes, muito tocantes, algumas até chocantemente sinceras foram dividas. Festejaram meu bolo de beterraba: me espantei, mas ainda estranho ficar à vontade numa função da qual sempre corri. Minha irmã lembrou que festejaram meu arroz com leite de coco e damasco no Natal. Minha mãe nunca deu espaço para nada em seu território sagrado da cozinha, ainda hoje me perco nas minhas experimentações culinárias. Talvez tenha sido estragada, mas nem todo mimado passou por este processo voluntariamente. Quem é da família ou íntimo já me acompanhou tentar cortar super proteção familiar no grito e na civilidade. Como nada funciona, nos últimos tempos tenho relaxado e deixado que façam as trocentas ajudas me me entucham, Meus pais viraram crianças da terceira idade: também não sei como lidar, porque requer uma paciência que não desenvolvi com a maternidade. Às
Experimentação do monólogo Porque que A Gente Deixa?
vezes brinco que devia poder bater como fizeram comigo pequena porque são os rebeldes anti tratamento e remédio. Mas já cheguei na fase de tirar sarro:
- E aí o seguro é bom? Já que estão se matando, queria saber porque é um tal de pururuca e pinga com tratamento de pressão alta e diabetes que vou te contar!
Voltando á oficina (muito embora esteja tudo muito interligado), esta semana a professora mostrou seus vídeos de parto, contou de seus processos familiares... Em meio à tanto choro, TPM, vídeo da Hel, prosa com amigos e terapia, cheguei à conclusão de que não tive filho porque não sou forte para isso. Mas sou para outras coisas. E muito a contragosto admito que estar em paz com isso não é permanente porque esta sociedade maravilhosa, como classificaria Hel, não colabora. Passei mal de enjoo recentemente, parente tem que vir perguntar se não estou grávida. Mas depois sou julgada quando fico com a impressão de que quem nunca gostou, falou ou lidou bem com criança terá um e eu que sempre adorei, não. Minha irmã acha que só quero um bebê, não um filho porque me angustio de saber que se transformará em adolescente. É o estrago de terceirizar nosso instinto maternal com a educação. Meu companheiro acha que penso em resolver algo ligado à infância com a gravidez, porque nem o pós parto me psiquiatra Lucy no desenho Snoopy: cobrou R$ 10 pela consulta super sônica. Por mais cabeçóide que isso tudo soe, consigo me curar de mim e não - porque estamos estudando a performer Angélica Liddell e seu texto Lesões Incompatíveis com a Vida e aquelas impressões niilistas do ser humano e maternidade são dilacerantes. Conferir trechos de suas apresentações no fim de semana me fez sentir completamente ignorante. Um salve a todas mães e não mães estupidamente sinceras, que estão ajudando a expor nossas feridas, forçar entender nossas dores e - até isso - analisar nossas maluquices.
Criação a partir das partilhas femininas
anima.
E deu uma de
Faço parte duma geração que sempre ouviu as mães incentivar estudar, trabalhar e atualmente estou como muitas amigas jornalêras da velha guarda, meio donas de casa forçadas, freelas, professoras meio período como eu, tradutoras, acadêmicas, sem ter ideia de como lidar com essa casa que nunca para de dar trabalho e nunca nos rende nada. Olhar para isso artisticamente certamente ajudará com as novas tarefas da oficina: levar uma roupa e uma ação. Ser mulher é transformador, sensível, doído e tantas vezes tachado como histérico. Vivendo duplas ou triplas jornadas nada temos de louca e sim exaustas. Vai uma louça aí? Você pode lidar com o feminino adorável mais aliviado...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Peça da década de 60 retrata inquietações atuais

Há anos atrás quando ainda interpretava razoavelmente bem o papel de quadradinha sem questionamentos muito latentes, assisti a peça A Mais Valia Vai Acabar Seu Edgar, com atores que se transformaram em meu amigo e minha professora anos mais tarde. Eles tornavam mais didática aquela velha lição da sociologia, de que ganhamos bem menos do que valemos do jeito mais lúdico possível. Já tinha encarado umas lições marxistas por recomendação duma prima um tempo antes, na Ação Educativa, mas eles descerem do palco provocando:
- Toma que a vida é tua - e soprando de volta a existência pra gente na plateia, foi um chacoalhão bem transformador. Passei anos com o flyer, pensando de dizer à minha prima professora que levasse os alunos para ver. Em tempos de redes sociais, achei um dos atores e mais tarde incentivada por amiga da área, entrei na Cooperativa de Teatro, fiz licenciatura em artes cênicas e no auge da crise da comunicação, migrei dos frelas em home office para a sala de aula.
Sei que muitos dirão que só o palco não faz isso. Tinha sim, toda uma busca paralela, com oficinas, retiros, apresentações, vivências, meditações e experimentações procurando me conhecer mais. Mas uma encenação pode sim, desmoronar uma venda falsa que só a sociedade capitalista nos faz tão bem: que os mesmos papeis caretas encaixarão em todos sem efeitos colaterais nenhum.
E mais uma nesta
linha está em cartaz em São Paulo: O Assalto, no espaço da Cia da Revista, na Santa Cecília.
À primeira vista um bancário engorda seu banco de horas extras e um faxineiro negocia para limpar sua sala. O primeiro se movimenta para comer na rua e deixá-lo terminar o escritório, mas parece começar a delirar, uma loucura tão lúcida quanto a da lixeira Estamira, em seu documentário, nos fazendo ver de modo crítico como as máquinas corporativas podem nos transformar em robôs desumanos. O faxineiro ameaça se abrir, mas faz movimento de que limpará outro andar, já que o delírio crítico do bancário não acaba, quando percebe que foi trancado ali. O bancário negocia um valor irresistível para que fumem juntos, porém o mundo corporativo parece tê-lo enlouquecido de uma tal forma, que os insultos e briga são inevitáveis. É quando o faxineiro percebe que o bancário não está apenas pirando em sua crítica social muito verdadeira de como o trabalho pode moer o sonho dos funcionários... Percebe-se envolvido no meio do golpe bem planejado pelo bancário amargurado, que toca em feridas incômodas para ambos. Em meio à solidão do bancário, confissões inesperadas do faxineiro, trocas inesperadas vão acontecendo, de forma que a tensão se instala e os espectadores aguardam ansiosos o desfecho. O faxineiro se vê meio sem saída por não compactuar com a rebeldia com razão de ser do bancário, embora este finalmente tenha dado a opção dele sair da sala. Se o bancário envolve o faxineiro em seu golpe ou este finalmente o convence de que é honesto e precisa terminar outro andar... Só conferindo para descobrir.
A encenação começa divertida, irônica e até brinca com os ritmos musicais que os personagens ouviriam. Enxergar colegas raptados por trabalhos mercenários ou a falta de opções de parte dos trabalhadores menos favorecidos corta o bom humor com os diálogos sarcásticos dos personagens. Quando o conflito entre os dois vai embrutecendo, vamos nos perguntando que saída encontrarão para o impasse entre eles.
Qual a relação da encenação atual com a antiga que conferi anos atrás e me fez vazar do jornalismo? Bem, se o espectador não for ainda protagonista da própria vida, poderá sair questionando e buscar se apropriar de sua existência. Saber que a dramaturgia de José Vicente é da década de 60 e antecipou como as relações de trabalho chegariam a contradições tão violentas dá uma curiosidade a mais para acompanhar a humanidade e dilemas dos personagens.
Temporada até 27 de abril
terças, quartas e quintas às 21h
Espaço Cia da Revista
Al. Northman 1135
R$ 40

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Cagaço da consulta odontológica

O dentista é o profissional com maior licença de cala boca pra ser meio facistóide.
Explico: eles sempre entopem nossa boca com sugador, espelhinho, aquela "broca" angustiante deles fazendo zim perto das nossas amídalas e querem emplacar uma conversa que demanda respostas analíticas.
Sério eles podem até emprestar umas falas neo nazistas dos antigos taxistas dos quais corríamos de papos mais elaborados quando voltávamos de matéria longe das redações e eram os tempos áureos do jornalismo.
"Prestenção": ele pode colocar três ferramentas bucais na sua boca e soltar umas na linha...:
- E aí amigo qual o potencial da candidatura Bolsonaro?
- Grown... - você tenta esboçar um debate, mas com saliva sendo sugada e canal sento feito... Sem chance!
- Achei que você era um dos nossos mesmo... Seu pai elegia Maluf?
- GROWNN....!
- Calma rapaz... Nossos candidatos estão em alta. Você acompanhou a eleição de Crivella no Rio?
- GR...
- Aposto que você também apoia a reação dos taxistas contra o Uber!
- G...
-Ah, também não concordo que as mulheres possam abortar... É um crime e ponto final.
- ... - nisso você já tem medo que sua reação muito passional faça com que ele dê menos anestesia e te faça sentir restauro por restauro daquelas operações medievais que só eles acham tranquilas.
- É, este país só não avança porque o sangue africano dá uma empacada mesmo!
- GR...
- E estas 12713321 possíveis definições de gênero agora? No meu tempo era feminino e masculino e acabou! Faltou surra na infância desta galera LGBT toda...
- GROWN...
- Mas vem cá... Não foi ótimo terem tirado a Dilma do poder...?
É quando caio da cama assustada, olho no relógio, respiro aliviada porque foi um pesadelo.
Lembro que tenho consulta no dentista na manhã seguinte. Como a cada volta pra revisão o convênio mudou quase todos credenciados, sempre tenho medo do que ouvirei quando me inviabilizarem de retrucar qualquer barbaridade com a boca "em reformas". Não durmo mais.
Vou começar a perguntar quando ligar para ver se atendem o convênio e tem agenda qual orientação política do dentista.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

De como incentivar a leitura com seu filho

Sempre que me apresento contando histórias, seja em escolas, livrarias, centros culturais, teatros, bibliotecas, lançamentos, comemorações, formações, projetos culturais, feiras literárias ou eventos pedagógicos costumo ouvir:
- Como faço para meu filho ler mais?
A variante desta questão pode ser ser:
- Como fazer com que os estudantes leiam mais?
Bem, se os professores ou pais não saem do celular, da TV de tela de plasma, do iPad ou laptop dificilmente conseguirão esta façanha. O aprendizado pelo exemplo é tão forte que meu pai sindicalista nunca sentou ao meu lado para fazer um "piquete familiar", mas acabei tomando seus ideais como meus, a despeito da minha mãe criticá-lo por perder bons empregos na ditadura sendo meio rebelde.
Vencida esta primeira etapa, se interessar pelo universo literário infantil é outro passo e tanto. Você não curtia ler quando era pequena? Não tem problema: hoje os livros têm ilustrações muito mais ricas que quando fomos crianças, há diagramações diferenciadas, papeis novos, encadernações chamativas, um universo a ser descoberto. Empreste um pouco da curiosidade da infância pra isso.
Pergunte por novidades irresistíveis aos livreiros, pais de crianças fãs dum programa cultural ou bibliotecários. Banque o investigador literário. Apareça perto dos pequenos namorando um livro "diferentão, barroco, vanguardista". No mínimo os alunos ou filhos ficarão com a pulga atrás da orelha.
Crie um clima intimista para contar histórias: coloque música ou cante, ressuscite o potencial palhaço ou ator que adormeceu em você, interprete os trechos mais chamativos de modo brincalhão ou exagerado, coloque roupas chamativas como arremedo de figurinos, dance nas partes animadas, banque o chorão nos trechos tristonhos, interaja com o livro: abrace-o, esconda-o ou use-o temporariamente como chapéu se encontrar o artista circense escondido em você.
As propostas te pareceram arrojadas demais, você é um executivo, tem tanta burocracia escolar pela frente que mal faz o protocolar educativo, não tem ideia de onde foi parar aquela piração antiga por histórias novas?
Bem, tente então uma história emocionante como Xica, de Rosinha, publicada pela Editora Peirópolis. Costuma ser um caminho certeiro: a obra traz a história de uma peixe boi caçada, confinada numa fazenda, depois vendida à prefeitura de Recife, que pior, a transformou num enorme bicho aquático de cativeiro numa fontezinha em praça pública da capital pernambucana.
Claro, ela tinha amigos como a tartaruga ou o bicho preguiça, que tornavam o tempo aprisionada ali mais companheiro, engraçado, imprevisível e parceiro.
Porém a Xica se cansava daquelas visitas inconvenientes a tratando como miquinho amestrado.
Bom mesmo era ficar só e relembrar o por do sol no mar e suas recordações em liberdade dentro dele.
Só mesmo uma menina sensível, apaixonada pela avó e fã do balanço da praça para entender a necessidade de Xica não ser vista como um bicho tão insólito, apesar de estar fora do seu habitat natural.
A história infelizmente não é ficcional, mas graças ao ativismo de ecologistas e organismos de preservação da fauna aquática tem final mais feliz que o percurso tortuoso enfrentado pela Xica.
Tem como não se emocionar e indiretamente tratar de respeito aos animais, companheirismo, saudade dos parentes estimados que partem cedo demais, entre outras mensagens que certamente estão nas entrelinhas, mas conferindo desavisadamente só percebemos algumas?
Pois bem a literatura infantil atualmente está mais profunda, atraente, delicada, rica, diferenciada que na época em que namorávamos os livrozinhos pelas bibliotecas e escolas.
Ou suas surpreendentes linhas me fizeram voltar à infância nos últimos anos.
Permita que ela faça isso contigo também! É um caminho sem volta...

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Carta ao meu Avô

Vô há dias e dias venho sentindo que preciso te escrever. Passamos anos e anos
Não sou eu com vô: este é meu primo IRMÃO
trocando cartas, comecei a sentir falta desse costume antigo e dum laço inesquecível. Queria te contar que não sou mais jornalista vô. Tem um ano pelo menos que desmamei oficial e profissionalmente dele. Também tem tanto tempo que não te envio notícias, as novidades se acumularam. Vozinho agora dou aulas, mais ou menos como mãe fez na escola rural lá no norte do Paraná, lembra? É, antes dela vir com meu pai pra São Paulo. Digo mais ou menos porque ela alfabetizava (o que acho uma atitude nobre, mas que provavelmente não é o que faria melhor). Na verdade dou aulas de artes. Da história de pintores, os estimulo a fazer teatro, conto histórias, levo documentários sobre dança, faço cantar um pouco, mostro que vídeo, foto e performance também são arte e por aí vai. Vô acredita que não consigo mais sentir saudade do jornalismo? Quando fui assessora de imprensa sentia falta, confesso. Mas agora que pude sair de trás dos computadores e explorar o quanto sou elétrica em sala de aula para acordar meus estudantes do Ensino de Jovens e Adultos... Voltar a cobrir tragédias (um modo de fazer jornalismo que quem questionava na minha época não era ouvido) não faz mais sentido. É verdade que agora há os que cobrem manifestações, dão o lado dos estudantes e trabalhadores... Mas quando eles chegaram pra transformar a grande imprensa na velha mídia, eu já tinha brochado irreversivelmente com a comunicação. O bacana de te contar vô, deixando o jornalismo para lá, é que nas minhas salas tem estudantes de 15 a 60 anos. E a terceira idade (acho um pouco hipócrita chamar de melhor idade) dá o maior valor ao que pesquisamos, contamos, é bem gratificante. Pena que alguns não curtam muito a parte prática das aulas vô. Alguns são apegados à ideia da aula tradicionalzona copiando da lousa. Bom, não sei ser esta professora vô. Empurro carteira, levo para o pátio, faço usar o corpo, ressuscitar a criatividade, fazer aula no pátio, interagir com os colegas de turma, ir para a biblioteca, ouvirem histórias, conferirem vídeos no projetor... E o incrível vô é descobrir que os jovens que alguns colegas acham "inagradáveis" caem de amores pelas aulas de jogos teatrais, elogiam no reencontro e também me apaixono por eles. Mas não é só vô. Também estou contando histórias em parques, aniversários, inaugurações, lançamentos, feiras literárias, comemorações, formações, centros culturais, teatros, praças, livrarias, bibliotecas... Vô também posso ser brincalhona, exagerada, apaixonada por literatura, brincar com as crianças, explorar elementos de cena, cantar, colocar o público na história fazendo isso... Vô como vivi longe disso um tempão? É bem verdade que o teatro foi me preparando para isso. Estudar apresentação, locução, reportagem de TV, videorreportagem, interpretação para comunicadores também. Nossa vô quem me ensinou a ser maníaca por estudar? Ah, mãe falava que você dizia que ninguém tira o que aprendemos. Parece que os judeus também dizem isso. Ah vô isso não é tudo. Escrevi um livro infantil! Isso certamente foi você que me ensinou. Também publiquei uns versos, crônica, conto, trecho de peça meus em coletâneas. Ainda mantemos aqui suas memórias sobre o pioneirismo da família no norte do Paraná, nossos parentescos entre tantos primos casados que você levantou. Porém eu e minha mãe não demos conta de acabar de ler. Paramos para chorar. Foi mal vô. Ei vô também estou fazendo projetos culturais: formei professores infantis em literatura, contei histórias entre os índios argentinos, pedimos que enviassem as histórias deles e publicamos uma coletânea, cobri as mesas redondas do XV Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas, porque contava histórias da cultura oral para meus estudantes, mas quis ver folia de Reis, dança da lenda do boi... Nesta altura do campeonato tive curiosidade: vô qual era a cultura popular do norte do Paraná? A avó contava quais eram as manifestações do interior de São Paulo? E vô na pós da arte de contar histórias descobri que na nossa família embora não tivemos contação de histórias literariamente fantásticas, ouvi muitas histórias reais! Ah sim vô, a carta é para agradecer porque minha imaginação, paixão pela escrita, estudar, ensinar aprendendo, criatividade, pesquisa, persistência, auto reinvenção, gostosura de prosear com os outros... Vêm das tardes, noites e férias na sua casa, do cheiro de café, terra vermelha e chuva, te vendo escrever, estudar informalmente, levantar nossa árvore genealógica gerações atrás, caçar os amigos e parentes pelo auxílio à lista telefônico e te ver encontrar e conversar tão deliciosamente com as pessoas. Acho que quis te escrever porque entendi que tinha papelzinho seu aí. Podia ter a impressão que foi tarde demais né? Já nem consigo enviar este escrito. Mas sempre que caio nestas impressões ruins, lembro da minha mãe contando que cantei pra você no hospital -  ah vô contei história lá também - e fico bem, porque não lembrava disso, mas conectei contigo do jeito que mais combina com o que amo. E no fim das contas, acredito que os que amam  estão sempre conectados.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Sampa doída e apaixonante

São Paulo envelhece se transmutando mais uma vez. Se te disserem que nossa cidade é incrível ou é difícil, os dois estão certos. É que a capital paulistana são muitas: temos o recorte dos alternativos, dos periféricos, dos descolados, dos endinheirados, da inclusão, dos vidros fechados e das portas blindadas. Temos a dos que circulam na Praça dos "arteiros" Roosevelt, que compram mais em conta na José Paulino ou ainda mais barato, no Brás, que se resolvem correndo na Paulista, que improvisam com as bugigangas da 25 de Março, dos que nunca saem do Capão Redondo ou do Heliópolis e vivem felizes e à margem, dos que circulam na baladeira Vila Madalena, dos que comem nos Jardins, fazem projetos nas comunidades ou nem sequem sabem que é possível caminhar a pé por ela. 
É a cidade para os que tem tanta curiosidade e sede de viver que não cabem nos bolsos.
Onde volta e meia encontramos parceiros de troca. Pedimos e descolamos bolsas de estudos. Descobrimos um filme para professor mais em conta às duas da tarde no - quem diria? - cinema patrocinado por bancos há anos. Vemos peças de graça ou a preços módicos, bancadas pela indústria ou comércio. Reabastecemos as energias no parque. 
Choramos de nervoso com serviços públicos estaduais meia boca e - pasme! - aparecem estranhos oferecendo ajuda. Não é São Paulo que tem pressa. É o sistema. Venha da Paulista à periferia para conferir se não sentirá a mudança de ritmo da cidade. 
Por mais que pareça imprevisível, tínhamos uns sambistas meio entalados em nós: já prestigiávamos um colega aqui, uma roda de samba acolá, mas quando o Carnaval de rua ressuscitou, foi o esplendor: quem nos imaginava há dois anos correndo atrás do Alceu Valença na Sumaré? Podemos não contar com o gingado mais encantador no pé - é a mania hiperativa de abraçar tudo que é frela e curso - mas que o coração salta no compasso do tamborim, isso sim!
Cabe na cidade quem trabalha, estuda, cuida de filho três turnos e quem despenca para Parelheiros estudar clown. Por isso às vezes ela nos cutuca a gastrite: depois de anos se apropriando do espaço público, meter cinza nesta altura do campeonato? A cidade abraça o nerd que só quer Netflix e os maratonistas, tem abertura para tudo que é tribo.

Nela podemos nos reinventar de atriz fantasiada de executiva de comunicação à professora, contadora e escritora de histórias. Obviamente que na transição usufruímos menos do mundo que ela oferece. Mas sempre descobrimos uma área verde pública, um ensaio aberto, uma exibição sem custos, uma confraternização pague quanto achar que deve e nos reencantamos com a descoberta de novos companheiros.
Certamente o centro histórico se ressente de passarmos batido pela história que
carregam suas esquinas - minha paixão por ele remete à época em que ia trabalhar com minha mãe e ganhava lembrancinha no velho Mappin até as temporadas de ensaio e ocupação de mostra estudantil no baixo Bexiga, dividindo teatros antigos com os morcegos.
Tem quem não acredite, mas juro e provo que São Paulo tem cachoeira sim: dá até
escorregar em trilha, trombar com cobras e macacos, escolher de que ângulo conferir a capital: o mais saudável e com cheiro de mato da Pedra Grande ou urbanóide congestionado de antenas do pico do
Jaraguá.
Viver aqui é conhecer uma merreca da cidade e não espantar muito com quem circule menos ainda. É jurar zerar a lista de museus ainda este ano e perceber que o tempo comeu os finais de semana e fomos nos mesmos picos de sempre. É mais ouvir ou ler os amigos que revê-los: um tem filhos, outro está doente, o terceiro mora na outra ponta e nem sempre a $ alcança, o quarto perdeu trabalho e está frelando nonstop, o quinto tem um trabalho de subsistência e outro por paixão, a sexta
estuda pra concurso, o sétimo tem horários mais malucos que os seus e temos também os maníacos por limpeza - é, a cidade cinza também acinzenta os móveis, nem todos relevam tranquilamente... 
Morar pras bandas de cá às vezes é se perder nos próprios sonhos. Mas também é, às vezes atravessar uma avenida cinza e se maravilhar com a grama se enfiando dentro da sandália no canteiro. Às vezes se encantar com vizinho de banco no transporte público. Ouvir as velhinhas da época em que
se transitava de bonde nestas terras. Estranhar perceber que o pessoal da Paulista não pode parar, mas 35, 40 min dali já ter morador com cadeira na calçada. Gozar do sotaque negado. Ouvir Hare Krishna no centro financeiro da cidade. Se maravilhar com por do sol multicor desviando dos arranha céus.
Quando encaramos maratonas trabalhísticas ou de estudos por uma temporada, é jurar se mudar para a praia ou
interior, mas chegando lá estranhar preconceitozinho ou falta de opção musical. No retorno, chiar de enfrentar 4 estações de tempo diárias, mas sair rindo de mochila e equipado. Perder a condução xingando, mas também bater papo com o motorista e ele avisar o ponto que precisa descer. Como diria minha avó, as coisas não ornam em Sampa.

Meio lugar comum explorar as contradições paulistanas, mas quem abraça o mundo podia ser de outro jeito? Ou ainda não fui embora por não ter encontrado "meu interior", ou ainda não realizei tudo que sonhei por estas bandas. Me aguarde Sampa!

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Aspirante a Professora à Espreita

Foi num fim de tarde chuvoso. O pessoal do Espaço de Leitura, como sempre, apostou que o sol seguiria a todo vapor. Nós aqui à espreita já tínhamos nos tocado que aquele calor seria debandado pela chuva de verão de sempre. Mas artistas são tão otimistas! É o movimento de sempre: um calor em que todos eles ficam quase de língua de fora e então... Nuvens, trovões, chuva de verão... Há anos. Eles não aprendem. Chega a ser divertido.
Mas naquela tarde, vieram vários se apresentar. Uns de ponta cabeça, outros dobrando papeis e os demais... Bem, os outros não acompanhamos tão de perto, já que correram para as casinhas literárias do parque e as lotaram de tal forma que foi difícil para nós encontrar algum espaço entre eles. Ouvimos umas risadas, músicas, mas nos chamou atenção o último que foi bem enfático no final:
- Ocupamos o Espaço para ele não fechar, podem terceirizar o parque...
Não tenho muita certeza do que seja terceirizar, mas fechar o parque, certamente não é bom. Perguntei aos outros moradores daqui, que às vezes passam batido pelos que vêm correr, comer ou tirar fotos e foi a mais antiga de nós quem confirmou:
- Há um movimento para que empresas cuidem dos parques, cobrem e possivelmente sucateiem as áreas verdes.
- Caramba! Já não temos muitas! Soubemos de colegas criar casas entre as luzes vermelha e verde dos farois! É preciso fazer algo!
- Uma turma que estuda ali do outro lado da rua discute isso também. Já viu como aquela casa histórica do lado de lá mudou os ares nos últimos tempos?
Não tinha reparado. A maioria de nós come, dorme, vai dum lado ao outro... Mas aqui entre o verde mesmo. E se ele faltar? Pensando bem, melhor conhecer essa turma da tal casa histórica. Quem sabe o que eles conversam nos ajuda e...
Bem, quem não circulava fora do Parque da Água Branca teve que aprender né? Nada como uma observação atenta! Conferi os vira latas esperando os carros pararem, desconfiando inclusive das luzes vermelhas parando os automóveis, mas nem sempre... E lá fui eu cruzar a rua junto com os tomba latas da região.
A tal casa histórica aumentou. Quando começamos a por reparo só uma dela reunia os preocupados com a tal terceirização do parque. Vi reformarem a casa vizinha. falarem de escola sem partido, contação de histórias, arte educação, percurso na educação... Mais um pouco eu podia me formar entre eles.
Foi quando me vi meio inchada. Precisando ficar no meu canto. E o pessoal discutindo, reformando, ligando, ensaiando. Tivesse a voz tão incisiva quanto eles e pedia mais tranquilidade, ao menos por um tempo, mas que gene agitada circula lá! Achei um cantinho menos agitado entre as casas históricas. Pouco tempo depois e... nasceram meus ovinhos! Choquei tantos que me espantei: não imaginava que viessem tantos! Quando nasceram... Caramba, devem ter puxado o pai! Nenhum moreno chamando atenção como eu. Aí sim, tive que me resguardar, afinal, tão pequenos, podem sair por aí, se perder, serem pisados... Nem sabem voar ainda! Não que sejamos capazes de voos rasantes admiráveis, mas o mínimo para nos defender, sim. Porém cismei que este ambiente de estudo, discussão, reforma, ensaio, risadas pode ser um pouco perigoso para eles. Afinal esse pessoal raramente olha o chão! Também achei justo procurar o pai e revelar que todos puxaram as penas branquinhas dele. Mas comecei gostar destas liçõezinhas que comecei a ter por aqui. Quis compartilhar com os patos, corujas, todo mundo do Parque. Agora virei nômade. Fico um pouco aqui, volto ao Parque, convoco a bicharada, vários reclamam que não querem fazer assembleia, que a política está meio desacreditada... Mas quando peço ajuda com os pintinhos e aviso que será uma aula resumida do que tenho ouvido infiltrada na tal Casa Tombada do outro lado da rua, vejo muitos se aproximando mais curiosos, já que ainda não tinha descoberto o que tem movimentado as casinhas históricas do lado de lá. Às vezes também "toco o terror":
- Se não entendermos com eles como defender o Parque, vocês serão os próximos a morar entre um farol e outro, como nossos colegas que voaram para o centro antigo!
É quando o resto deixa de procurar comida, nadar e vem escutar o que tenho aprendido de literatura, educação e arte do outro lado da rua. Uns desconfiam que não é por este caminho que nos defenderemos e ainda não sabemos como resguardar o Parque da tal terceirização. A confiança dos professores e artistas do lado de lá tem me contaminado e estou buscando fazer o mesmo com os companheiros do Parque.
Quem sabe juntando a bicharada aos estudantes e professores aqui do lado descobrimos juntos?