sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Coração Multiétnico

Sempre brinco que minha mente é budista (são os livros e retiros em que mais me encontro e me ajudam com a ansiedade), o coração "macumbeiro" (porque comecei pesquisar dança e música afro em terreiro para um personagem que o diretor queria parecido com pomba gira e até hoje encho os olhos d'água com apresentações e cantos "para subir"), mas minhas práticas cristãs (com uma angústia reincidente, nada como uma reza tradicional aprendida na infância). Talvez por isso tivesse tanta vontade de conhecer São Luiz do Paraitinga (desejo tão antigo que vi a cidade se inundar e reconstruir pela TV, mas fui visitar bem depois). A maior parte da minha família não é tão multiétnica quanto eu. Cristãos de carteirinha, alguns já inclusive se rebatizaram em igrejas evangélicas, mas devo às tias uma curiosidade de infância das memórias divertidas e teatrais que partilharam comigo sobre as procissões, as risadas entre as romarias e como quase queimavam as companheiras de reza na rua em trânsito com as grandes velas que carregavam, entre um cochicho e uma gargalhada com os primos. Sim, no interior eles não tinham amigos: só a primaiada que ao passar férias um no outro, já dobrava a quantidade de crianças em casa, fazendo minha avó jurar: "vou fugir pro mato"! Por isso, pela paixão por patrimônio histórico colorido e paixão sertaneja pela cultura cabocla, em junho (é, estou devendo este post há meses), fui com meu companheiro na Festa do Divino de São Luiz do Paraitinga. Fizemos um bate e volta meio hardcore: partimos de São Paulo pra Taubaté e de lá noutra condução rumo às romarias cênicas. Perdi as fotos entre uma troca dum celularzinho retrô e o atual... Mas as memórias do encanto com aquela devoção lembrando cortejos cênicos ainda estão vivas! Tivemos dica gratuita duma colega operadora de turismo e como fomos e voltamos no mesmo dia, pudemos esticar as pernas no Cantinho dos Chalés, duma parceira dela, também sem custo. Foi tudo meio fora da curva, como costumam ser minhas viagens fora da caixa. A hospitalidade e generosidade são bem caipiras - no melhor sentido!
Mesmo assim conferi ao vivo e a cores - quantas cores! - a brincadeira do pau de sebo, as ricas, animadas e históricas congadas de várias regiões, as tradicionais fanfarras, encontro das bandeiras, bonecões artesanais cruzando a cidade (pequena, é verdade), os emocionantes estandartes e dança de fitas que só tinha ouvido os tios interioranos contarem nos reencontros familiares ou mestres de Congo ensinar informalmente no Sesc Santo Amaro. Meu companheiro, que não é sincrético como eu, gostou da viagem super sônica - devemos ter passado mais tempo em trânsito que em São Luiz - os problemas são que somos um país pouco marqueteiro com suas riquezas caboclas e de transporte público complicado fora dos grandes centros. Nas idas e vindas por Taubaté, me senti meio "criança feliz" vendo as homenagens ao Monteiro Lobato em forma de estátua para Emília (foi meu apelido na adolescência). Sempre concordei com a famosa personagem: "eu sou a independência ou morte"! Relendo o folheto que fez a propaganda das atrações deste ano, sinto vontade de voltar e não só encher os olhos com a fé colorida e teatral dos habitantes e visitantes interioranos, mas experimentar vivências e palestras como fiz na Chapada Gaúcha, durante o XV Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas. Sinto que entre uma incursão e a outra sertão adentro ensaio uma fuga estrategicamente sonhada pro interior, que é de onde minha alma nunca saiu.
P.S: A trilha deste post variou entre Renato Teixeira e Ivan Lins, com bandeira do Divino