domingo, 17 de dezembro de 2017

Retiros de TO e suas reminiscências

Este ano fui conhecer uma Bahia que ainda não tinha noção: a periférica Itinga, além de estudar e praticar teatro do oprimido (TO) nela. Levei meses pra escrever sobre, um pouco devido aos processos artístico-pedagógicos demorarem a decantar em nós. E outro tanto devido ao "bode" de se perceber semi nova pra dormir em alojamento estudantil. É, a aventureira "chovem" sagitariana com síndrome de Peter Pan tem resistido a partir do meu universo, mas uma hora aconteceria: não tem muita escapatória.
Foi um feriado intenso, como não podia deixar de ser fazendo e ao mesmo tempo estudando teatro do oprimido, conhecendo chilenos, argentinos e uruguaios usando TO contra exploração das mulheres, poluição e apropriação duma baía tradicional, pequena pela indústria de gás, entre outros tantos modos de se por em cena politicamente.
Também mexeu muito com minha porção ancestral pouco estudada oficialmente ver os jovens bahianos usando TO para resgatar a memória africana, aplicar jogos no CASE, onde jovens cumprem medidas sócio educativas, ouvir estas jovens com suas poesias "tapa na cara", levar livro do educador delas como uma amostra dos saraus periféricos baianos, visitar quilombo, ver a dança das Bijuzeiras de Areia Branca, ouvir os quilombolas tocarem, descobrir o doce mugunzá e acompanhar por dias um espaço teatral periférico resistente abrindo espaço para cultura popular e tradição oral.
A própria troca entre os participantes me fez descobrir uma espécie de teatro educativo (será que estou traduzindo direito?), poesia no ônibus, outros modos de explorar TO contra violência doméstica e como trocar os protestos pelo TO no confronto com policiais...
É de uma riqueza absurda por a Rede Sem Fronteiras de Teatro do Oprimido pra trocar vivências! Comer juntos, se conhecer mais na fila do banho frio, rir na caminhada pro quilombo Quingoma de Dentro, saber mais da realidade machista e racista pelas parceiras de práticas na van entre o alojamento e o CASE... Enfim, uma nova Bahia, arte educadores e atores foram se descortinando devagarzinho.
Foi ainda incrível saber mais de Moçambique, trocar cartas com o ator de lá na vivência de teatro jornal (e mesmo conhecer outra forma de realizar esta ramificação de TO), aprender música moçambicana e meses depois aplicar a técnica adaptada com meus alunos do EJA, o Ensino de Jovens e Adultos.
As pessoas que conhecemos são tão talentosas, generosas, didáticas e lúdicas que eu e uma colega da grande São Paulo chegamos a improvisar uma cena contra opressão das mães com os colegas da Argentina sem se entender totalmente através das falas, até porque no palco não dava para dar texto devagar para as pessoas entenderem.
Nas rodas de troca, jogos e partilha exercitamos a paciência, escuta e controle da ansiedade, já que nem sempre os hermanos acompanhavam o que dizíamos (e nem nós entendíamos totalmente quando embalavam em debates, memórias, vídeos...).
Os únicos senão é que tive mais cansaço que o previsto e volta e meia, entre uma vivência de butô, exibição de vídeos e jogos me rendia à bendita cama inflável emprestada pelo amigo do meu namorado.
Quase toda noite tive barato de dormir meia boca, acordar com a cantoria juvenil da madrugada e pelas manhãs também não me conformava com o pessoal do Chile a todo vapor para jogar e improvisar logo cedo, enquanto ainda tentava despertar. Depois soube que os hermanos já estavam há meses mochilando na estrada, então claro que tinham um ânimo que eu, na batida de dois trabalhos, uma na educação informal, outro na formal e nesta fase SEMI (semi nova, semi magra e semi bem sucedida) não dava conta mesmo.
Fomos improvisando entre uma demora de café, overdose de programação (como fazer a escolha de Sofia entre tantas vivências incríveis com pessoas de experiências tão múltiplas?) e sono atrasado. Mas o pessoal de teatro é bom nisso não? No finzinho acabei ganhando uma noite na pousada de amigas do interior de São Paulo, com as quais estudei TO específico para a mulherada no Laboratório Madalenas um mês depois, no feriado de outubro, em Campinas. Um dia para lá de especial, em que entendi no meu corpo que as mulheres antes de nós tinham um destino mulher, não conseguiam fugir muito dele e também de onde vem esta eterna insatisfação de que nunca está bom - provavelmente da avó materna, que perdi aos 3 ou 4 anos, não queria casar, mas acabou assumindo as sobrinhas quando a irmã morreu e vivendo com meu avô, com quem convivi mais. Marcante! A expectativa é replicar fechando outras oficinas fora de Sampa com amiga do curso de doula.
Além disso tudo também matei saudade do formador em TO que tinha começado estudar o que? Há uns três anos atrás numa das ocupações do centro histórico paulistano. Porém na época estava exaurida de trabalhar dez horas como professora de biblioteca num colégio de freiras, mais 4 horas diárias de trânsito... Fomos encerrar este processo imersivo em TO ano passado, em Santo André mesmo, onde meu diploma foi pro brejo na troca de
gestão. Graças às contações, projetos e frelas anuais de jornalismo fui caçar meu certificado lá em terras bahianas e mergulhar na experiência em TO na periferia de Salvador. Achei que as periferias são todas iguais. Itinga me lembrava o Heliópolis. Espero "contaminar" outros estudantes com TO: por hora devido à limitação de tempo, recurso, frequência, entre outras, tenho improvisado com eles cenas imaginando e teatralizando opressões que vivem nos ônibus, hospital em que encaram tantos desrespeitos aos seus direitos. Esperamos evoluir no próximo ano com mais aulas e atuação pela 1a vez em centro público - colégio já pensado para o público da EJA. Enquanto atuamos nas EMEIFs, a Educação de Jovens e Adultos ainda é "ocupação" nos colégios - volta e meia sentimos como se fizessem o favor de nos acolher ou oferecer material, mas somos todos alunos da rede de educação municipal nesta região do ABC. Mas simbora que a batalha continua!