quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Caverna do Conselho de Dragão dos Ciclos

A Liga da Justiça Pedagógica é convocada para se embrenhar na Caverna do Dragão do Conselho de Ciclo. Alguns levam mantimentos, outros bebidas, mas corajosos que são, deixam as armas de lado. No máximo podem dar com o diário um no outro, em caso de divergência. Mas nunca chegaram ao desespero de causa de recorrer a objetos perigosamente pontiagudos como lápis, tesoura ou caneta, jamais! Despedem-se de amigos e familiares. O momento é tenso. Há comoção entre colegas e parentes, nunca se sabe quanto a jornada pode durar.
Tudo vai bem entre avaliação de um aluno turista aqui ou outro "estupidamente inteligente" lá, até que empacam nestes que um reclama que não lê, a outra argumenta que é criativa, o terceiro chia que não faz contas e o quarto emenda assegurando que se sai bem nos debates. O circo está armado: as discussões são inflamadas e prometem não ter fim. Os educadores fazem involuntariamente estágio em psicopedagogia: todo o trágico histórico de vida destes estudantes é trazido à tona. Lágrimas. Alguns pedem para sair da sala, é demais: abusos, crimes familiares, moradores de rua, violência doméstica... Soluços. Quando os mais afetados pedem suspensão das discussões para lavar o rosto ou reabastecer com café, são invariavelmente presos na Caverna e apesar de não estarem em nenhum pôquer infindável, escutam:
- Ninguém sai! Ninguém sai! Ninguém sai!
A mais insone dos professores argumenta que sem café já é insalubridade demais. Tem pouca adesão. Vários professores já estão sem forças para argumentação. A que sofre de insônia começa a ter abstinência de cafeína. Como os dramas escolares foram muito pesados para uma discussão inicial, a coordenadora e o diretor prometem ir para uma sala mais leve. Educadores suspiram. De fato passam por vários casos em que os conceitos são mais consensuais, até que chegam noutro polêmico:
- Não junta lé com cré!
- Pinta tão bem - o professor de artes sempre "causa", enquanto diversos reclamam, ela vê que é criativos, interativo ou imaginativo. Vários se seguram para não esganá-lo.
- A tabuada do dois ou três ele tem que emprestar dedo do vizinho para calcular os resultados.
Neste aluno são gastos dias e dias de debates. Os alunos que tinham se pré disposto a acompanhar as avaliações, pedem arrego:
- Minha família está me procurando no IML!
- Ninguém sai! Ninguém sai! Ninguém sai!
Um secretário começa a rezar. Os sociólogo e a filósofa protestam:
- O estado é laico!
- Vão ocupar aqui também? - a coordenadora teme o histórico militante deles.
Desta vez é o diretor quem resolve o impasse e passa, pois a vida dele não era simples: trabalha longe, madruga, tem três filhos, mora num barraco, a mulher fugiu com vizinho, deixou dívida no bar, a filha não sai da boca...
Comoção. Educadores se consolam e deixam aluno passar. É demais para uma vida tão jovem, como poderia pensar em estudos? Pobrezinho! Pensando bem, rendia até demais com esse contexto do entorno do pobre coitado...
A reza do secretário rende. Passam por vários estudantes sem precisar sacar as armas dos diários ou os super poderes dos trabalhos e provas. Infelizmente, a sala mais simples termina e a coordenadora diz que não pode fazer nada, mas precisam avaliar a 7a série mais "encardida". Os educadores encarariam o dragão de Komodo, mas fogem desta  turma.
O primeiro aluno já provoca um impasse:
- Analfabeto funcional não pode passar!
- Aí já é esculhambação!
- Ele joga tão bem - quando o professor de arte não empaca a discussão, é a da educação física quem trava tudo.
Debates se arrastam por semanas. Filhos ligam. Maridos e mulheres fazem panelaço na porta do colégio. Educadores são dados como desaparecidos, mas seguem escutando da gestão:
- Ninguém sai! Ninguém sai!
Professores sabem que sua casa foi perdida em chamas. Os sinais dos celulares foram cortados. Amigos íntimos falecem de preocupação com o sumiço dos professores. Educadores reclamam que parentes foram dar parte na delegacia por cárcere privado.
- Ninguém sai! Ninguém sai! Ninguém sai!
Há professores com olheiras. Os mantimentos acabam, Educadores começam a comer os diários. Aí já  foi calamidade pública. Coordenadora e diretor agilizam os casos mais complicados. Um bairro inteiro com mães solteiras, ex detentos, pais que viram os filhos serem mortos, estudantes que fogem de casa e se abrigam no colégio.... Melhor não provocar um problema a mais na vida destas vítimas de outras vítimas.
Chegam a um acordo de solicitar reposições quando as bebidas terminam e educadores ameaçam beber o branquinho corretor de rasuras. Os impasses mais polêmicos terão que fazer trabalhos sobre sustentabilidade, cultura afro, indígena ou gênero, estes temas que precisam transpassar todas matérias. Um professor se acorrenta ao bebedouro como protesto pela demora na escola de encerrar o Conselho. Estes assuntos são sorteados rapidamente entre as turmas. Um sociólogo sugere emendar numa ocupação na escola contra... Professores tentam linchá-lo e a turma do deixa disso socorre.
Quando os portões do colégio se abrem e os educadores saem da Caverna do Dragão são recebidos com comemorações emocionadas. A imprensa local foi cobrir quando saíram do cativeiro, ops...! Quando encerraram a missão na Caverna. Alunos que acompanharam dão depoimentos emocionados à polícia:
- Foi horrível! Pensamos que não veríamos nunca mais a luz do dia fora das salas de aula...
A paz volta à quebrada em que o Conselho finaliza.
Ao menos até o outro bimestre.

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