terça-feira, 24 de setembro de 2019

Narrativa Coletiva Feminina

Para quem busca entender mais sua história, das mulheres da família ou se espanta com as semelhanças dos contextos femininos no geral, apenas assistam a peça Quarto 19! É um monólogo feito pela atriz Amanda Lyra, baseado em conto da escritora Doris Lessing, que senti próximo da tragicomédia (estilo que adoro: tão nossas próprias vidas!). A performer divide o espaço cênico do Teatro Eva Hertz com uma cadeira e um cenário simples verde. A última vez em que vi algo tão enxuto e extraordinário foi a Fernanda Montenegro fazendo Simone de Beauvoir no teatro do vizinho CEU Meninos. Amanda, que também traduziu o conto britânico, divide com a plateia a trajetória dum casal sensato, inteligente e com vidas profissionais independentes, que aos poucos vai se envolvendo num roteiro que os aprisiona cada vez mais: uma relação clássica, gravidez, casamento, outros filhos que vem em seguida, a casa de jardim com vista para o rio, a empregada, o trabalho do marido que financia todo este universo, a trégua na carreira que a mãe publicitária dá e o consequente embotamento da identidade dela vivendo em função disso tempos depois. O público passa várias spoiler pode terminar em perda de amizades e leitores.
cenas se divertindo, percebendo semelhanças com suas próprias vidas e - quem sabe? - rindo de nervoso. Durante um razoável tempo do monólogo é a narrativa da classe média burguesa, justificando a pasteurização de suas vidas inteligentes, bem sucedidas, recebendo amigos, sendo referência para os mesmos e encarando peso - e o preço - que manter isso tudo acarreta. A atriz alterna entre narrar e trazer a história para a primeira pessoa, sem deixar de nos fazer ver o cenário que descreve, muito menos nos distanciando do que sente a ex publicitária, que diversas vezes flerta com o desespero entre os três filhos demandando atenção o tempo todo. Aos poucos ela e o companheiro tentam buscar um equilíbrio: as crianças vão para escola, mas ao mesmo tempo em que a protagonista tem espaço, sente-se mal por deixá-los tanto no colégio. Ao chegar as férias, as mesmas parecem durar demais na administração do sem fim de energia dos pequenos. Muitas vezes ela tenta se refugiar no jardim, porém lá parecem se esconder seus próprios demônios. Tranca-se no banheiro, mas as crianças a demandam no rodapé da porta. Uma babá vem socorrer o quanto essa mãe se esgota, exaure, necessita espaço e não aguenta mais viver em função das crianças. O marido já dá suas puladas de cerca, mas como são inteligentes, razoáveis e tem uma casa, filhos, financiamento e empregadas domésticas para manter, o perdão - ou qualquer outra emoção de nome impronunciável - faz com que a relação vá cozinhando em banho maria. A ironia permeia muita das falas e dá um respiro ao cotidiano previsível e cansativo da personagem. A família negocia espaço para a mãe e esta ganha um quarto no qual uma espécie de placa "não perturbe" é colocada, porém não demora muito para que filhos e empregadas invadam o espaço que precisa. Ela consegue um dinheiro com o marido, vai para o distante centro da cidade e lá aluga um quarto no qual consegue solidão, não ter tantos pedidos para atender, nem está fazendo tanta coisa quanto em casa, onde já ajuda as empregadas para se ocupar. É nesse Quarto 19 em que afinal consegue alguma paz, ainda que temporariamente. Ali ela não é mãe, esposa, patroa. Aos poucos ela vai dilatando o tempo nesse local, ao passo em que o marido periodicamente dá suas escapadas. Ela ainda vê os demônios que a rondam no jardim e aos poucos, o universo doméstico parece ficar cada vez mais distante do envolvimento dela. A encenação ganha toda uma reviravolta quando o marido descobre onde passa tanto tempo. A mulher oscila entre se apiedar com filho doente, fugir para o Quarto 19 e se perturbar com não encontrar mais quem é ou quem foi nessas escapadas para se refugiar no hotel do centro. Não demora muito, já não reconhece mais o marido e este cogita separar, tem amante e ela inventa uma saída qualquer com desculpa esfarrapada, além de criar um amante no desespero da conversa. Amanda tem todo um jogo corporal que nos dá uma ideia do desespero e perda do olhar de quem a personagem é, além de interpretar bem como a hiper demanda duma vida tão aparentemente perfeita pesa para quem cuida do caos doméstico. Me surpreendi com o destino da personagem, mas descobri um colega na poltrona ao lado, coincidentemente voltamos para o mesmo bairro partilhando encantamentos, alegrias e empatia com a protagonista do texto de Doris e ele, também da comunicação com incursões cênicas pela vida - não se chocou com o desfecho da narrativa. Para quem batalha pelos direitos femininos vale ver, porém transformador mesmo deve ser quem não compreende a importância do feminismo. Esta não é uma crítica (quem sou eu para avaliar a competente atriz?) mas Amanda divide conosco sua tradução, ensaio, adaptação e performance no Teatro Eva Hertz do Conjunto Nacional, próximo ao metrô Consolação, nas sextas às 21h até 18 de outubro. Impressionante como o texto de Doris segue atual, em tempos infelizmente sombrios e machistas. Amanda já conquistou diversos prêmios com a performance e passamos parte significativa do monólogo torcendo para que a personagem separe, volte a trabalhar ou fuja. Como a protagonista resolve o peso desta vida classe "mérdia" já não revelarei, porque

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Diário Mineiro de Viagem

Voltei de viagem lembrando de um colega de retiro, que uma vez fez um em silêncio, foi dar uma palestra na sequência, mas ficou um tempão quieto. Meio que voltei similar lá de São Thomé das Letras (MG): inicialmente meio sem ideias para o blog. Por isso opto por escrever das boas diferenças desta viagem comparada às demais. No geral, ou viajo só ou com meu companheiro. Nos últimos anos fiz mais férias solo porque ele está frelando e pela primeira vez na história desta relação, dar aulas, dar formação e contar histórias me paga mais do que os jobs dele, que não é impulsivo com catzo nenhum, muito menos com grana. Eu? Bom, já melhorei, mas digamos que fico centrada com o pé na estrada, então esse é meu ponto fraco. Neste finde aceitei o convite duma ex chefe, atual amiga, que sempre falava de me levar lá nessa cidade bicho grilo. Sexta dormi lá, tentando causar menos porque a motorista cairia da cama sábado, mas depois de ver a peça feminista tragicômica Quarto 19 (apenas vejam!), não consegui evitar chegar tarde em Mauá, onde ela vive (como diz meu marido "que mal há"?). Sábado madrugamos eu, ela, as filha, vizinha e "releitura de sobrinha" dela (que na real é ex cunhada). Quase que sempre sou um fiasco como companheira de viagem e durmo horrores. Trânsito demais, de menos, no geral me apaga quase sempre. Tanto que tenho histórico em bater, então não ofereço revezar, fora que estou enferrujadíssima. Mas fiquei na frente, a motorista é geminiana. meu oposto complementar e proseamos bem mais que cochilei. Adentrar Minas é sempre um capítulo à parte, as montanhas vão logo nos desacelerando. O clima brejeiro ajuda resgatar minhas raízes caboclas. Quase sempre que chego às cidades, independente da região, já vou pra onde me hospedarei. Mas como nosso check in era no almoço, fomos direto à Cachoeira das Borboletas. Precisava tanto que Oxum levasse a zica urbana que fiquei um tempão embaixo d'água. Sem bater dentes ou estranhar a força da queda d'água. Cantei nelas. É outro rolê ir com quem conhece o local há décadas porque tem o filtro entre as roubadas e os achados da região. O artesanato é muito podicrê, pena que minha gata Peteca quebraria tudo. Mas comecei pegando leve porque já tinha me dado um biquíni na véspera, pois embora tenha planejado fazer mala com calma, antecedência e passado mentalmente check list do que não deixar pra trás, larguei o maiô secando atrás na geladeira porque fui à hidro. Depois de todo esse rolê é que fomos à Pousada Paraíso. Vi na entrada que fazem parte do Roteiros de Charme, uma seleção de hospedagens rústicas que conheci escrevendo pra revista Viaje Mais Por Menos há décadas. Por exemplo: embora chegamos após comer, o que não tinha sido consumido no café da manhã era disponibilizado para recepcionar quem chegava mais tarde ou vinha de longe.
Achei simpático. Meu estômago também. Cochilar depois dessa circulada deu ao passeio um ar de programa na praia sabe? Água e siesta, só falou a maresia. À noite fomos circular pelo centro. A arquitetura, as calçadas e a rua são todas de pedra. Encontrei uma simpática hamburgueria, cheia de arte pelas paredes e fiz de conta que sou natureba porque comi um vegetariano. Zanzei ouvindo as lembranças da minha amiga pelas ruas. As jovens que foram conosco foram gandaiar ou paquerar, não tenho bem certeza. Tentamos ver o por do sol numa região alta, em que sobem numa casa de pedra, alguns cantam (matei as saudades dos reggae da minha adolescência), outros vendem ou aplaudem o por do sol. É que este dia estava nublado, mas não deixou de ser possível ver paisagens incríveis. Rodamos mais pelas ruas de pedra: enfiei o pé na jaca, comi sobremesa, complementei a janta anterior com cardápio nada original que vivo cozinhando em São Paulo e tomei vinho. Me dei umas bijuterias com pedras de proteção, saia, calimba e troquei muita ideia com a hippie. Aliás
praticamente entrevistei meia cidade porque uma das coisas que valem rodar o país são as histórias das pessoas. O pessoal que foi comigo ainda foi ver um show, tentei dormir cedo, mas tenho dificuldade quando estou feliz e fora de casa. No fim, fomos à Pedra da Bruxa: comecei achando os visitantes meio atirados de ir tão na ponta das pedras, mas terminei fazendo as mesmas fotos lá, abrindo os braços: "olha amiga... E agora: sem juízo"! Quando pensei que já tinha gasto minha cota de precaução, fiz uma tirolesa de 580 metros. Não sem antes entrevistar o engenheiro técnico. Normal começar com dor de barriga, como entrar no palco. Mas perdi o cagaço antes do meio, soltei uma das mãos, o que me virou para a plataforma de cima, me balancei pra frente por curiosidade de continuar vendo a paisagem, empaquei um pouco antes do fim, um moço veio me guinchar ao chão, tentei perguntar se isso era normal, mas não ouviu e no fim escutei que se engordar um pouco mais, descerei até o fim
na próxima. Achei extraordinário, não gritei, nem pareci a escandalosa dos meus tempos de montanha russa. Por fim, encaramos um pit stop mineiro derradeiro na estrada. A caminho da volta arrisquei cardápios mais caipiras (porque meu sistema gástrico não colabora) A guerreira da minha amiga foi dirigindo o caminho todo, mas fez paradas providenciais para banheiros e comidinhas. É incrível viajar sem familiar apressado no volante que já fez parente mijar no carro porque não podia dar uma mísera parada parada ou com sem noção fumando no nosso cangote e nos xingando por reclamar. Sem contar que passear sem vizinhos de banco reaças é a maior brisa. Esse post é só pra comemorar: calculei os frelas na poupança e farei outras quatro viagens anti stress, de trabalho,
para comemorar niver, com amigos e marido até o fim do ano. E reafirmar que concordo com a galera do ecoturismo que recomenda: "viaje pelo mundo, mas antes conheça seu país".

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Desenferrujando de performar

Finalmente estreei em performance não linear! Explico: repito pelo segundo semestre seguido o estudo da disciplina performance no programa Diversitas da FFLCH/ USP, no teatro de Contêiner no bairro da Luz. E nesta temporada como pesquisadora artístico-acadêmica meu grupo, na hora de costurar ideias pra performar Escuta e Escrita da Cidade, que tínhamos que fazer no território em que pagamos de acadêmicos, optou por uma costura não linear e como diriam os publicitários, disruptiva. Resultado: não entendi cáspita nenhuma do que propuseram no WhatsApp. Afinal, conto histórias, escrevo livros e dou aulas, ou seja, sou mega linear. Ao menos comparada com meus colegas de Tatiana Schunk, que levou sua máquina de escrever para dividir seu trabalho de escuta e registro do que ouve, nas ruas e em centros culturais, para nos "grampear" e, ao fim da aula ler parte das nossas Ailton Krenak, Ideias para Adiar o Fim do Mundo, passos em folhas secas, poesias, som de pássaros, pesquisa do Reich, som do metrô, entre outros barulhos e reflexões. Enviamos parte aos colegas de turma pelo zap (esta parte não consegui acompanhar, foi uma semana de perda de cachorro, mãe mal e chefes descompensadas bufando no meu cangote). Pedimos que levassem fones de ouvido e lá partilhamos os mesmos com duplas de estudo, escutando, dividindo celulares para esta atividade e caminhando ao lado do Parque da Luz, da estação histórica do mesmo bairro e na frente da Pinacoteca. Aquele bairro segue bonito, mesmo à noite, com muita gente circulando nele com pressa, desconectados do que rola ao redor, medo dos bêbados ou dúvida se é ou não perigoso que os mendigos e usuários nos abordem, em conversas que custamos a entender (a propósito: não, não é: já estudei, agitei voluntariado e curti programas culturais com amigos e familiares por lá, durante
metade da minha vida e devo ter sido mais assaltada em bairros paulistanos de classe média e alta). Andar no ritmo do companheiro de performance, pros fones não desconectarem da gravação, perceber as conexões entre a trilha sonora da cidade e a beleza da estação antiga de trem, do pouco som urbano da natureza e as árvores nos cobrindo quando sentamos e deitamos nas calçadas, além de receber olhares de estranheza dos pedestres foi insólito e permitiu inesperados vínculos com amigos de curso (como era de se esperar, atrapalhei meu parceiro de jornada e me enrolei, derrubei fone, o fiz parar, me ajudar a usar o mesmo de novo, enfim, como diz meu amigo, fui total digna do apelido agente do caos). Ao voltar, conferir as demais performances em som, vídeos, música e poesias dos demais pesquisadores performers da nossa turma me tocou, gerou discussões curiosas e cliques bem vindos. Aos 45 minutos do 2o tempo, a professora e amiga Maria Ribeiro colocou um áudio da Marilia Librandi, que voltou aos Estados Unidos, onde dá aula e era sobre a palestra Escrever com o Ouvido, que a mestra atuante nos EUA deu na PUC, mas não pude conferir. Ouvi-la deu a sensação de que estávamos muito próximos...  Por fim, fazer o percurso dilatado de retorno do transporte público com os amigos, com quem compartilho a atuação educativa e conexão espiritual, rumo à periferia no trem, rendeu partilhas e - porque não? - construção compartilhada de conhecimento. Me senti em casa ao retornar pra esses estudos, mesmo após pouco mais de uma semana da partida do meu cachorrinho Bidu, que dividia com meus pais. Em duas semanas tem mais! Pensando bem, melhor nem gerar muita expectativa, pra não fomentar a ansiedade em mim desde já.
conclusões e devaneios. Senti saudades do meu avô escrevendo na sua máquina, menos colorida que a dela, na máquina de café do norte do Paraná, na qual trabalhava e de onde fazia seus livros artesanais e caseiros, além de pesquisar e atualizar uma de suas maiores paixões: nossa árvore genealógica. Fiquei feliz do meu pai não ter deixado eu vender minha máquina há anos, quando o site dos coleguinhas jornalistas Comunique-se quis fazer um museu da comunicação (será que essa ideia saiu do papel?). Bom, voltando à vaca fria - eu e meus colegas de trabalho fizemos uma colagem em áudio de várias gravações que remetiam às nossas escutas e "escritas sonoras" da cidade: trechos de livro do
trabalho, porque também estou coalhada de amigos que classificam meus textos como fluxo de pensamento. Sabem de nada, inocentes! Quem produz  esse tipo de texto lindamente é a educadora e artista

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Mergulhando no teatro pela revolução

O teatro do oprimido (TO) é um amor antigo. Chegou na minha vida em oficinas livres, que ia com amiga numas ocupações do centro histórico, ainda quando dava aula de biblioteca em colégio particular católico. Fiz ainda vivência com o filho do criador do método no Sesc Pompeia, numa entressafra profissional rica em que estudei tanto que até distraí da neura de voltar ao batente. Anos depois, já na Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Santo André participei duma formação maior, que começou no Parque Escola, migrou pro Centro de Formação de Professores Clarice Linspector e terminou num centro comunitário bem contramão, na periferia do ABC. O formador da última foi o mesmo da minha iniciação ao TO, anos antes. Como diria uma amiga jornalêra, o mundo é mesmo muito redondo! De lá para cá estive em dois encontros anuais da Rede Sem Fronteiras de Teatro do Oprimido, vivenciando mais os teatro jornal, das oprimidas e em saúde e vendo produções dos amigos cênicos, em Campinas (SP) e na Bahia. Na primeira região ainda voltei e encarei o Laboratório Madalena do teatro das oprimidas, que também me pareceu incrível para reverberar entre as alunas, muitas vezes vítimas do machismo, que não as permitiu estudar na fase em que abandonaram a escola. Até finalmente chegar à pós em TO e psicologia social que faço com o Coletivo Garoa no Projeto Quixote, há um mês e meio (as postagens sempre atrasam em meio ao caos de aulas, auto cuidado, estudos, frelas, cuidados com família e projetos). No começo caí meio de pára quedas, cruzando a cidade depois de finalizar uma formação que dei em contação de histórias e pegando o "bonde teatral" andando. Mas apesar de termos toda uma metodologia de manhãs teóricas, tardes práticas, com leituras, discussões e outras "cabeçudices", o grupo não deixa de ser muito humano, afinal, é estudo artístico também. Sempre querem saber como chegamos, o que acaba aliviando um pouco a aridez da área acadêmica. Tenho lido mais os textos e livros do criador do TO, o teatrólogo  Augusto Boal, depois de praticar mais (afinal escutamos tanto que teatro se aprende fazendo que botamos isso em curso na vida sem tantos questionamentos). Sempre rende descobertas - se não na pesquisa nas trocas entre tantos estudiosos e praticantes de TO, durante nossos encontros. Nós
comprovamos o quanto a diversidade é enriquecedora e devia ser fomentada sempre. Os valores são populares pra educação formal. Afinal os interessados não vem de áreas reconhecidas e bem pagas: educação, assistência social, artes, saúde pública, da educação informal, terceiro setor, terapias diversas... E nos improvisos e jogos sinto que partilhamos um espaço de potência. Realmente é ensaiar a revolução, Boal tinha razão. Fora que é muito catártico aprender se divertindo. E tem toda uma construção partilhada do conhecimento cênico (que tenho tentado estudar em paralelo no programa Diversitas da FFLCH/ USP no Teatro de Conteiner). Não, não me chame de doida acadêmica. O sistema capetalista nos força a ser hiperativas. Mas uma coisa que achei até antropológico foi proporem que a gente faça almoços coletivos desde o começo. Além de ninguém resistir, comermos juntos abre
caminho para muitas conversas significativas e entrosa o grupo como mais nada faz. Passa pouco tempo e nos sentimos num coletivo! Já estou a fim de criar, ensaiar e fazer teatros do oprimido com o pessoal em tudo que é espaço que esteja precisando. Às sextas, nas vésperas, sempre que volto cansada do trabalho e lembro que de quinze em quinze dias reencontro meus "parças teatrais", sinto um misto de cansaço com empolgação, porém esta segunda emoção é sempre mais ativa nesses momentos. Que venham mais discussões, mas que multipliquemos e nos transformemos pelo TO muito mais, em vários tempos e espaços.
Obs.: foi tentada uma diagramação mais amigável, mas o Blogger não colabora. As imagens na ordem em que aparecem no texto foram produzidas: na pós que conto no post, no Laboratório Madaelna em Campinas, no encontro de TO em Itinga, Salvador, na vivência de TO do Sesc Pompeia (anos depois uma das participantes se reconheceu nesta foto... Nos conhecemos nos encontros da rede), na pós e no espaço do projeto Quixote.




segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Quando a periferia saúda a quebrada

Então São Paulo tem uma ilha. Soube pelas redes sociais, através de colegas. Ainda por cima tinha amiga do Teatro do Oprimido (TO) lá. Como uma sagitariana aventureira e fã de viagem feito eu ainda não tinha descoberto e conhecido essa paisagem fluvial urbana? Há meses tentava matar essa curiosidade. Mas pra não perder o costume urbano temos dificuldade em reduzir a carga das agendas malucas na metrópole e para conciliar agendas de visitantes e moradores da Ilha do Bororé. Neste feriado finalmente consegui entrar no tempo dilatado interiorano da periferia. Aqui na boca do Heliópolis também temos essa pegada caipira com o tempo. Mas como levamos três horas e pouco para chegar, tivemos que entrar não só no tempo da viagem improvisada, tudo na contramão do esperado, mas especialmente embarcar no humor de viagem, com o qual perdemos a primeira balsa para Ilha e seguimos animados porque afinal, já estávamos à beira da represa e a quebra no visual urbano cinza, super populoso e concretado já dá um alívio na gente. Como toda travessia de periferia à periferia essa também não foi isenta de percalços: um trecho do trem da Marginal estava parado, discutiam no vagão que era para construção do metrô, um senhor duvidada que levariam para a periferia, já que o projeto previa chegar ao Paraisópolis. Meu companheiro lembrou do Crioulo cantando Grajauex no trecho final do trem da Marginal. Usei como trilha de parte deste post. Deu uma cansada? Mas o tempo das travessias em São Paulo é este: dá pra resgatar memórias, prosear com estranhos, comer marmita ou bobajitos de camelô, arriscar um cochilo e botar reparo nas mudanças de paisagem. Sempre cismei que o mundo acabava depois do Hotel Transamérica, onde cobri muito evento, mas ufa! Nunca fui terraplanista.
Perto do ABC também sempre prometem metrô e nunca vem, talvez nossos netos se beneficiem dessa pseudo expansão, quem sabe? Por uma intervenção dos orixás ou Budas. Tivemos que pegar o ônibus da Paese pra finalizar o trecho com circulação interrompida. Passamos por todos bairro da zona sul metida à besta em que passei muitos assédio moral, constrangimento emocional e vários passaralhos da comunicação. Bem menos pesado só visitar do que trabalhar no Morumbi, Vila Olímpia, Brooklin e Itaim Bibi. Cruzei a frente do jornal em que fiz minha primeira
greve: a "Casseta Mercantil". Mais um pedacinho de trem e último ônibus pra Ilha. As ruas foram se estreitando: devíamos estar chegando!
Quando finalizamos a estrada na extrema zona sul e pegamos a balsa, bem que tentei lembrar onde viajei numa igual, mas não consegui. Acho que já estava relaxando. Nisso já estava no modo "criança feliz caipira do asfalto", adorando tudo que é mato, água, barco e ave! Seguimos a pé e foi bem fácil achar a Casa Ecoativa. O companheiro da minha amiga nos recebeu super solícito. Imaginei que devíamos estar com caras de perdidos, ele era simpático ou todas alternativas anteriores (no fim do finde vimos que o casal é gente boa, mas lembre-se ainda era começo da tarde do início do finde). Ele recebia um grupo de geógrafos (quis chamar todos que conheço no ABC... Realmente não recebemos pra ter ideias de trabalho o tempo todo e preciso dar cabo dessa neura de trabalho e estudo). Visitamos e soubemos a história dos grafites da rua, para os quais sempre promovem visitas de crianças e professores.
Aquela máxima de sempre da Internet: foi tão interessante que não fiz fotos. E olha que sou fã do grafite! Mas fiquei bem impactada quando vimos um desenho dos portugueses invadindo o país num dos murais e lembraram que o genocídio continua em andamento. Durma com esse barulho! Depois demos uma pausa na capelinha histórica: há uma imagem de santo bugre nela, mas não deu pra clicar, talvez porque preparassem o casório da noite. E na frente um boteco de 1800 e guaraná com rolha, tinha a construção meio amadeirada que encontrei a infância toda no norte do Paraná. E depois de horas em trânsito, bebemos as mesmas bebidas com Cambuci com as quais já nos embebedamos em Paranapiacaba. Se bobear deve ser a mesma vegetação ou clima pé de serra de lá.
Voltamos pra comer na Ecoativa e adivinhe? Um rango natureba de comer ajoelhado e gemendo. Quem fez foi o pessoal da Amara Empreendimento Econômico e Solidário: daí que conversando já percebemos que conhecemos a equipe do Ibeac, que faz iniciativas literárias incríveis em Parelheiros e nossa amiga bambambã das marmitas. Esse mundo é mesmo muito redondo!
Meus amigos quiseram voltar e apresentar a casinha deles. Gozado que fui nessa ansiedade paulistana querendo visitar tudo que é água e cachoeira, mas roupa de banho que é bom deixei pra trás, justo no finde em que o sol resolveu reaparecer, só que lá... Entrei nesse tempo dilatado e ficamos conversando sem pressa. Minha amiga nos levou no mirante. Achei comédia que quando o calor volte o paulistano transfira som alto e trânsito pra região rural da capital.
Mas parece que o sonzão está sempre pelo Bororé, assim como é trilha sonora pra dormir aqui no Helipa. Achei que o verde das águas lembrava o dos lagos do Ibirapuera e da Aclimação. Serão todos por alga conforme me explicaram lá no centro?
Resolvemos dar uma volta à noite. Como uma das saídas estava com um filão, demos a volta e descobri que é uma penísula, não uma ilha, porque fomos à zona sul atravessando plantações e chácaras de eventos, sem balsa. Depois o marido dela teve que desenhar porque península,
ilha vomitei tudo nas velhas provas de geografia e o tico e teco não recordavam mais a diferença. Quem sabe se fizéssemos um estudo de meio como promovem lá hoje em dia?
Com ou sem estudo de meio, perguntei à exaustão dos projetos, do histórico, da região para os amigos (saio do jornalismo, mas ele não sai de mim): tem iniciativas locais de permacultura que dialogam com os produtores simples regionais, articulações com organizações e projetos vizinhos que geraram tecnologias sociais reconhecidas e visitadas, turismo ecológico e de base comunitária, exposições super engajadas pela Ecoativa, além do Grajaú ter até cerveja artesanal! Tive vontade de fazer as pontes que vi nascer entre as quebradas com as quais trabalhei na formação que dei no Galpão de Cultura e Cidadania, mas desta vez entre o Heliópolis e extrema zona sul, porque quando as "perifas" se articularem, ninguém mais nos segura!