quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A dor que nos oprime é a mesma que nos aproxima

"Onde abre a ferida é pela mesma brecha em que entrará a luz". É uma frase que meus amigos "badauês" - massagistas, yogues, tântricos, espiritualistas, reikianos, terapeutas alternativos - sempre trazem à tona quando estamos mal. Costumo responder a eles que é fácil abraçar esse olhar quando se trata dum "sofrimento gourmet classe 'mérdia'", porque trabalho no chão de escola, com sofrimento raiz, onde jamais consolaria alguém assim. E não é que este ano me fez pagar a língua e concordar com eles? Foi tanto retrocesso político, assédio, doença em família, constrangimento, golpes nos vizinhos latinos, desentendimento com os que amo, autoritarismo... Que por fim, tudo que nos restou foi se ajeitar melhor pra luz entrar na ferida. E em tempos sombrios quem colaborou pra isso foram os colegas que viraram amigos de profissão...
(pausa para um parênteses de contextualização... Venho de quase duas décadas de precarização da comunicação, o que também tornou as relações entre elas fugazes e sem possibilidade de verticalização. Éramos vítimas de tantos "passaralhos", as famigeradas demissões em massa que também agíamos como se os trabalhos fossem tão descartáveis quanto nós. Um pouco dessa relação superficial impedia que fôssemos mais
que colegas. O lado perigosamente sedutor do quanto nos bajulam no jornalismo tende a fazer com que muitos na área abracem a arrogância que encontramos na maioria dos ambientes de trabalho. Por fim, as trocas entre companheiros de profissão esgarçam tanto quanto nossos direitos e a serventia zero dos "jabás" - os agrados estratégicos - que ganhamos em coletivas de imprensa)
Pois é: venho duma área em que a esmagadora maioria dos meus antigos colegas não me visita em casa, afinal moro numa quebrada, os jornalêros ou são mais bem nascidos ou conseguiram surfar na comunicação antes da ruína da mesma e deram uma melhoradinha de vida. De qualquer modo essa turma não vai pra muito longe dos centros comerciais e de diversão. Não lembro de ter ganho uma carona de alguém que não quisesse me cantar. E na educação os amigos me trazerem lá das beronhas de Santo André pra onde vivo já me tocava o bastante, já que são travessias que envolvem cruzar uma terceira cidade entre elas. Mas este foi um ano de mais avanço neste sentido. Teve abraço em amiga chorando com injustiça, teve acolhida pra começo de pânico, escuta pra dores amorosas e familiares, pesar com sucateamento maior dos outros trabalhos de nossos companheiros, compartilhamento de dúvidas e perrengues familiares, aprendizado com a doideira alheia, indicação pra parceria profissional, palpitômetro pois é a 1a vez que faço aniversários num mesmo trabalho. Muito da ampliação da minha consciência social, educativa, de classe e política se deu com as trocas junto aos camaradas educativos. Sim, estou de férias, ouvindo vários pedidos pra que tire o capacete. Mas como este me pareceu um dos presentes mais descarados de 2019, achei que era o caso de postar e jogar pro universo este agradecimento. No caso, jogarei a gratidão também no zap. Só pra confirmar que nossos textões podem ser a ruína da formação de leitores... E voltar à malemolência natalina em 3, 2... Zzzzzz... Ronc!
bebedeira coletiva e em petit comitê, agrados inesperados, risadas desenfreadas e terapêuticas, união contra abuso de poder, indignação coletiva devido aos tempos sombrios, paralisação, andanças significativas, cagaço de bomba na manifestação e tantas outras coisas que não caberia neste post. Estes laços foram fomentados pelas dificuldades do ano, envolveram nossas subjetividades, mas também foram pra além de nossos universos particulares. Tanto que nunca antes na história desse país tive dó de mudar de bloco de escolas e começar tudo de novo ano que vem. Imagino que muito disso se deva a já dar aulas no ABC há cinco anos - sendo que na profissão anterior fiquei no máximo um ano e pouco num trabalho. Mas é só um

domingo, 20 de outubro de 2019

Banzo dos rios e cultura ribeirinha

Há pouco tempo percebi que o quanto estou próxima do que quis ser e tomei um susto. Parabenizei uma colega da antiga profissão, que sempre foi mochileira e me inspirou. Há décadas ela voluntariou na Amazônia, o que me despertou curiosidade. Acabei de voltar da região norte e me espantei: nossa fui trabalhar, pesquisar e ainda passeei pelos rio, ilhas e trechos da vegetação amazônica. E tenho viajado mais como professora do que consegui "mochilar" como jornalista. E neste sentido sou muito sagitariana: milhares de vezes tenho a percepção de que seguro a onda no trabalho pelas férias. Obviamente como semi nova já me liguei que não vivemos só pela alegria de por o pé na estrada.
Pras bandas de cá, também desconfio que além do espírito andarilho, vivo ainda para criar e estudar o que amo. Mas porque falar tanto de mim pra lembrar do Amapá e Pará? Apesar de nas postagens das redes sociais parecer que viajar é uma vivência tão externa a nós mesmos, nos últimos anos sinto que cada vez mais essas viagens foram para dentro de mim. Quando visitei o Museu Sacaca no Amapá e vi as reproduções das casas ribeirinhas, me perguntei:
- O que a casa do meu avô está fazendo aqui?
A construção de madeira, o vão embaixo das palafitas, os móveis rústicos, acessórios simples e a louça pendurada na parede eram todos os mesmos encontrados no norte do Paraná. Só o telhado de palha era típico da região Norte. Neste centro cultural, ainda encontramos informações da pesquisa fitoterápica do estudioso que deu nome ao espaço, ocas feitas pelas mais diversas tribos, esculturas de parteira, grávida e bebê nascendo numa esteira nessas palafitas recriadas para a exposição. Minha família também curou e recomendou ervas para diversos males durante anos, amávamos redes feito os indígenas e há anos estudei para doula, apaziguando expectativas maternais que eram externas aos meus próprios sonhos. 
É como se mochilasse por me sentir centrada com o pé na estrada, mas na prática me reencontrasse a cada comunidade tradicional visitada: entre os indígenas que fiz o projeto Oralidad Escrita em escolas bilíngues argentinas e nos que assisti em Alto Paraíso (GO), nos quilombolas em que  fiz vivência griô na Bahia e agora, no universo ribeirinho amapaense.
Mas nem só de vivências antropológicas se faz uma viagem! A gente cruza o país, mas não deixa a educadora pra trás: conhecendo o Marco Zero, que permite visualizar a linha do Equador estudada na escola, fiz poses metade num hemisfério e o restante no outro e percebi a diferença que dá experienciar para estudar. Vontade súbita de repassar vários cliques sobre os terraplanistas às turmas que ensino.
Não foi só neste ponto turístico do Amapá em que senti isso: no quilombo de Curiaú, quando tirei a sandália e mergulhei os pés na água, me espantei: "caramba esse é o igarapé"! Com relação às águas de lá e do Pará agi como recomenda o samba "alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarzinho". Já estava quase no meio da viagem quando criei coragem para mergulhar inteira no rio Amazonas, que via da frente do hotel e me chocava: "nossa esse é o maior rio do
mundo"! Ensaiei encarar suas águas na Ilha de Santana, porém lá estava meio seco e o mangue nos atolou, impedindo sair das margens. Ali percebi que me distanciar de casa é tão terapêutico que não me abalei quando vi que tínhamos ido para uma região remota demais, sem ter onde e o que comer, além da carona de volta demorar demais para nos resgatar. 
Não foi só nesta ilha que senti o potencial terapêutico da viagem: em Mazagão histórico paramos para fotos à beira d'água. Vi que tinha um deck de madeira, aproveitei para descer devagar (acho que ainda meio cabreira depois de quebrar o pé em Parati). Foi quando não senti mais os pés, tive cinco minutos aflitivos e me joguei rio adentro, nadando até o outro lado. Claro que estava raso, mas cheguei ao outro deck com a sensação não só de atravessar a nado, mas de também cruzar uma memória de dor e medo. Soube que
lá fazem cortejo e teatro de rua sobre a briga dos mouros com cristãos, na festa de São Tiago - que aqui no sudeste acontece nas congadas. Comecei a perceber que o interior do país dialoga, mesmo que baixinho e às vezes, sem se entender.
Desde que minhas férias foram se embrenhando Brasil adentro, fiquei com a sensação de que cada interior é um mundo, ao passo que o litoral costuma ser mais parecido. A caminho desse mergulho renovador que fiz paramos para acompanhar trabalhadores torrarem farinha de mandioca - e aqui lembrei que na vivência no quilombo baiano do Remanso colegas de estudos aprenderam com mestres locais a fazer... Farinha!
O capítulo gastronomia rende uma memória à parte: não dei conta dos pesados pratos cheios de camarão, imitando feijoada e cozidos que comem por lá. Depois ouvi de uma nutricionista local que o Pará é campeão de câncer de estômago devido à culinária indígena ligeiramente pesada. Depois de uma espécie de "rave de cultura popular", um tucupi com carimbó na lage, meu amigo, que manda bem na percussão, passou mal talvez com turu, um verme que dá em árvore meio podre. É, a gastronomia nortista é para os fortes! Mas pra não falar que voltei sem um gostinho de lá, provei suco de bacuri e
tapereba, açaí com farinha de mandioca, gelinho de graviola, farinha de tapioca diferente da nossa e côco no café, pescada dourada e filhote (esses últimos, com nossos acompanhamentos de costume).
Foi esse amigo que me apresentou o Círio. Chegamos já no fim, mas vi a Santa Nazaré chegar à Basílica, que tocou muito seu sino. Além das ruas lotadas de fiéis, vi diversas marcas aproveitando a manifestação popular para distribuir leques com orações de um lado e suas propagandas no verso, paraenses distribuindo água gratuitamente, acolhendo aqueles que têm fé, além de exposições em homenagem à Santa da Amazônia no aeroporto, que também distribuiu fitinhas para fazermos pedidos e amarrar no corpo, esperando que caiam e eles se realizem, além duma procissão fluvial atrasar a ida minha e da artista amapaense que conheci até o distrito de Fazendinha. Parece que a santa é afeita aos novos fiéis: fiz o ritual da fitinha e um processo empacado há três meses andou em São Paulo, antes mesmo deu voltar. Exagerada como típica sagitariana, já amarrei logo duas fitinhas do Círio. 
Essa viagem me transportou pra um tempo dilatado em que o relógio pareceu passar no ritmo interiorano. Levei dias para conhecer as lojinhas da Estação das Docas (e ter dificuldade pra resistir a elas). A vista era linda, mas desconfiei que o bolso fosse se ressentir de matar a fome ali. E depois de ouvir uma encarregada brigar com uma faxineira no banheiro, achei que era o caso de comer fora de lá. Fomos ao mercado Ver o Peso. Percebi que andávamos há um tempão: havia setores inteiros de
peixe, artesanato, óleos... Meu amigo me fez ver que não parecia enorme à toa: dizem que é o maior mercado a céu aberto do mundo. Quando escrevo dizem é por falta de conhecer mais o mundo: da imensidão do Ver o Peso não duvido. Almoçamos no meio dele. Então vi ambulantes divulgando seus produtos em bicicleta, com o som a todo vapor, produtos pendurados neles e até dando susto nos que tentavam almoçar (é, não entendi a agressiva estratégia de marketing). Ainda zanzamos pelo centro histórico (tenho sensação de visitar uma memória neles, tão similares nas capitais... Parecidos inclusive no abandono - infelizmente!). Conhecendo o Mangal das Garças, uma mistura de parque, museu, centro cultural e turístico, perdi o chapéu pro vento no farol - o por do sol era tão cativante que descuidei dele! No mirante, embaixo, me encantei com a preservação da vegetação e as construções não competirem na paisagem - ao menos não naquele trecho. Estávamos tão embevecidos com o sol se pondo que funcionários do espaço tiveram que nos tocar, já que o expediente deles tinha encerrado.
Ainda na rota "caída de amores pela natureza local", fomos para Ilha do Combu, uma das mais próximas de Belém. Lá vi ainda mais vegetação preservada. Fiz umas fotos intuitivas devido ao sol forte impedir visualização certeira e caímos na água. Meu amigo se espantou com a caipira do asfalto aqui nadando. E eu estranhei a piscina de rio que fizeram em frente ao restaurante que ficamos. Ao entrar, percebi que era pra criança. Estranho que a maioria dos frequentadores não estava aproveitando a água. Vai ver, neste dia receberam mais turistas que preferem a piscina de seus hotéis. A comida deu mais canseira que na Bahia para chegar, mas o barco, esse atravessou o rio com emoção de um mini bug correndo nas dunas de Natal, o que pode ter contribuído para não perder o voo.
Já ouvi que devia ter virado antropóloga porque adoro uma miséria. Adoro mesmo são as diferenças culturais: no Macapá encontrei todo um tempo menos afobado (percebi que às vezes levamos a ansiedade paulistana na bagagem), em Belém ouvi as pessoas se referindo a Deus e mundo como
mano e só tomarem banho frio. Mas cada vez vejo mais essa discrepância entre o tempo urbano e do interior. Na hora de voltar me deu uma dor no coração (parece que o corpo sabe o que está por vir porque logo no dia seguinte já me estressei menos de 24 horas depois de retornar) e também tive uma dozinha dos amigos ficarem tão longe.
Pra que o norte não embotasse na minha memória, fui mostrando aos estudantes as pesquisas nas comunidades ribeirinhas, os aprendizados nas visitas e as histórias do projeto Para Crianças Nada Bobas que levei ao Sesc de lá. Para parir este texto, dias depois do retorno com banzo do Norte, coloquei uma trilha sonora de carimbó. Se tem uma coisa que as andanças no Amapá e Pará deixaram em mim é a estranheza do nosso açaí com guaraná do Sudeste. E a vontade de voltar, claro. Que a cultura do Brasil Profundo não se esgota numa visitinha, muito embora a minha tenha parecido maior do que realmente foi.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Narrativa Coletiva Feminina

Para quem busca entender mais sua história, das mulheres da família ou se espanta com as semelhanças dos contextos femininos no geral, apenas assistam a peça Quarto 19! É um monólogo feito pela atriz Amanda Lyra, baseado em conto da escritora Doris Lessing, que senti próximo da tragicomédia (estilo que adoro: tão nossas próprias vidas!). A performer divide o espaço cênico do Teatro Eva Hertz com uma cadeira e um cenário simples verde. A última vez em que vi algo tão enxuto e extraordinário foi a Fernanda Montenegro fazendo Simone de Beauvoir no teatro do vizinho CEU Meninos. Amanda, que também traduziu o conto britânico, divide com a plateia a trajetória dum casal sensato, inteligente e com vidas profissionais independentes, que aos poucos vai se envolvendo num roteiro que os aprisiona cada vez mais: uma relação clássica, gravidez, casamento, outros filhos que vem em seguida, a casa de jardim com vista para o rio, a empregada, o trabalho do marido que financia todo este universo, a trégua na carreira que a mãe publicitária dá e o consequente embotamento da identidade dela vivendo em função disso tempos depois. O público passa várias spoiler pode terminar em perda de amizades e leitores.
cenas se divertindo, percebendo semelhanças com suas próprias vidas e - quem sabe? - rindo de nervoso. Durante um razoável tempo do monólogo é a narrativa da classe média burguesa, justificando a pasteurização de suas vidas inteligentes, bem sucedidas, recebendo amigos, sendo referência para os mesmos e encarando peso - e o preço - que manter isso tudo acarreta. A atriz alterna entre narrar e trazer a história para a primeira pessoa, sem deixar de nos fazer ver o cenário que descreve, muito menos nos distanciando do que sente a ex publicitária, que diversas vezes flerta com o desespero entre os três filhos demandando atenção o tempo todo. Aos poucos ela e o companheiro tentam buscar um equilíbrio: as crianças vão para escola, mas ao mesmo tempo em que a protagonista tem espaço, sente-se mal por deixá-los tanto no colégio. Ao chegar as férias, as mesmas parecem durar demais na administração do sem fim de energia dos pequenos. Muitas vezes ela tenta se refugiar no jardim, porém lá parecem se esconder seus próprios demônios. Tranca-se no banheiro, mas as crianças a demandam no rodapé da porta. Uma babá vem socorrer o quanto essa mãe se esgota, exaure, necessita espaço e não aguenta mais viver em função das crianças. O marido já dá suas puladas de cerca, mas como são inteligentes, razoáveis e tem uma casa, filhos, financiamento e empregadas domésticas para manter, o perdão - ou qualquer outra emoção de nome impronunciável - faz com que a relação vá cozinhando em banho maria. A ironia permeia muita das falas e dá um respiro ao cotidiano previsível e cansativo da personagem. A família negocia espaço para a mãe e esta ganha um quarto no qual uma espécie de placa "não perturbe" é colocada, porém não demora muito para que filhos e empregadas invadam o espaço que precisa. Ela consegue um dinheiro com o marido, vai para o distante centro da cidade e lá aluga um quarto no qual consegue solidão, não ter tantos pedidos para atender, nem está fazendo tanta coisa quanto em casa, onde já ajuda as empregadas para se ocupar. É nesse Quarto 19 em que afinal consegue alguma paz, ainda que temporariamente. Ali ela não é mãe, esposa, patroa. Aos poucos ela vai dilatando o tempo nesse local, ao passo em que o marido periodicamente dá suas escapadas. Ela ainda vê os demônios que a rondam no jardim e aos poucos, o universo doméstico parece ficar cada vez mais distante do envolvimento dela. A encenação ganha toda uma reviravolta quando o marido descobre onde passa tanto tempo. A mulher oscila entre se apiedar com filho doente, fugir para o Quarto 19 e se perturbar com não encontrar mais quem é ou quem foi nessas escapadas para se refugiar no hotel do centro. Não demora muito, já não reconhece mais o marido e este cogita separar, tem amante e ela inventa uma saída qualquer com desculpa esfarrapada, além de criar um amante no desespero da conversa. Amanda tem todo um jogo corporal que nos dá uma ideia do desespero e perda do olhar de quem a personagem é, além de interpretar bem como a hiper demanda duma vida tão aparentemente perfeita pesa para quem cuida do caos doméstico. Me surpreendi com o destino da personagem, mas descobri um colega na poltrona ao lado, coincidentemente voltamos para o mesmo bairro partilhando encantamentos, alegrias e empatia com a protagonista do texto de Doris e ele, também da comunicação com incursões cênicas pela vida - não se chocou com o desfecho da narrativa. Para quem batalha pelos direitos femininos vale ver, porém transformador mesmo deve ser quem não compreende a importância do feminismo. Esta não é uma crítica (quem sou eu para avaliar a competente atriz?) mas Amanda divide conosco sua tradução, ensaio, adaptação e performance no Teatro Eva Hertz do Conjunto Nacional, próximo ao metrô Consolação, nas sextas às 21h até 18 de outubro. Impressionante como o texto de Doris segue atual, em tempos infelizmente sombrios e machistas. Amanda já conquistou diversos prêmios com a performance e passamos parte significativa do monólogo torcendo para que a personagem separe, volte a trabalhar ou fuja. Como a protagonista resolve o peso desta vida classe "mérdia" já não revelarei, porque

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Diário Mineiro de Viagem

Voltei de viagem lembrando de um colega de retiro, que uma vez fez um em silêncio, foi dar uma palestra na sequência, mas ficou um tempão quieto. Meio que voltei similar lá de São Thomé das Letras (MG): inicialmente meio sem ideias para o blog. Por isso opto por escrever das boas diferenças desta viagem comparada às demais. No geral, ou viajo só ou com meu companheiro. Nos últimos anos fiz mais férias solo porque ele está frelando e pela primeira vez na história desta relação, dar aulas, dar formação e contar histórias me paga mais do que os jobs dele, que não é impulsivo com catzo nenhum, muito menos com grana. Eu? Bom, já melhorei, mas digamos que fico centrada com o pé na estrada, então esse é meu ponto fraco. Neste finde aceitei o convite duma ex chefe, atual amiga, que sempre falava de me levar lá nessa cidade bicho grilo. Sexta dormi lá, tentando causar menos porque a motorista cairia da cama sábado, mas depois de ver a peça feminista tragicômica Quarto 19 (apenas vejam!), não consegui evitar chegar tarde em Mauá, onde ela vive (como diz meu marido "que mal há"?). Sábado madrugamos eu, ela, as filha, vizinha e "releitura de sobrinha" dela (que na real é ex cunhada). Quase que sempre sou um fiasco como companheira de viagem e durmo horrores. Trânsito demais, de menos, no geral me apaga quase sempre. Tanto que tenho histórico em bater, então não ofereço revezar, fora que estou enferrujadíssima. Mas fiquei na frente, a motorista é geminiana. meu oposto complementar e proseamos bem mais que cochilei. Adentrar Minas é sempre um capítulo à parte, as montanhas vão logo nos desacelerando. O clima brejeiro ajuda resgatar minhas raízes caboclas. Quase sempre que chego às cidades, independente da região, já vou pra onde me hospedarei. Mas como nosso check in era no almoço, fomos direto à Cachoeira das Borboletas. Precisava tanto que Oxum levasse a zica urbana que fiquei um tempão embaixo d'água. Sem bater dentes ou estranhar a força da queda d'água. Cantei nelas. É outro rolê ir com quem conhece o local há décadas porque tem o filtro entre as roubadas e os achados da região. O artesanato é muito podicrê, pena que minha gata Peteca quebraria tudo. Mas comecei pegando leve porque já tinha me dado um biquíni na véspera, pois embora tenha planejado fazer mala com calma, antecedência e passado mentalmente check list do que não deixar pra trás, larguei o maiô secando atrás na geladeira porque fui à hidro. Depois de todo esse rolê é que fomos à Pousada Paraíso. Vi na entrada que fazem parte do Roteiros de Charme, uma seleção de hospedagens rústicas que conheci escrevendo pra revista Viaje Mais Por Menos há décadas. Por exemplo: embora chegamos após comer, o que não tinha sido consumido no café da manhã era disponibilizado para recepcionar quem chegava mais tarde ou vinha de longe.
Achei simpático. Meu estômago também. Cochilar depois dessa circulada deu ao passeio um ar de programa na praia sabe? Água e siesta, só falou a maresia. À noite fomos circular pelo centro. A arquitetura, as calçadas e a rua são todas de pedra. Encontrei uma simpática hamburgueria, cheia de arte pelas paredes e fiz de conta que sou natureba porque comi um vegetariano. Zanzei ouvindo as lembranças da minha amiga pelas ruas. As jovens que foram conosco foram gandaiar ou paquerar, não tenho bem certeza. Tentamos ver o por do sol numa região alta, em que sobem numa casa de pedra, alguns cantam (matei as saudades dos reggae da minha adolescência), outros vendem ou aplaudem o por do sol. É que este dia estava nublado, mas não deixou de ser possível ver paisagens incríveis. Rodamos mais pelas ruas de pedra: enfiei o pé na jaca, comi sobremesa, complementei a janta anterior com cardápio nada original que vivo cozinhando em São Paulo e tomei vinho. Me dei umas bijuterias com pedras de proteção, saia, calimba e troquei muita ideia com a hippie. Aliás
praticamente entrevistei meia cidade porque uma das coisas que valem rodar o país são as histórias das pessoas. O pessoal que foi comigo ainda foi ver um show, tentei dormir cedo, mas tenho dificuldade quando estou feliz e fora de casa. No fim, fomos à Pedra da Bruxa: comecei achando os visitantes meio atirados de ir tão na ponta das pedras, mas terminei fazendo as mesmas fotos lá, abrindo os braços: "olha amiga... E agora: sem juízo"! Quando pensei que já tinha gasto minha cota de precaução, fiz uma tirolesa de 580 metros. Não sem antes entrevistar o engenheiro técnico. Normal começar com dor de barriga, como entrar no palco. Mas perdi o cagaço antes do meio, soltei uma das mãos, o que me virou para a plataforma de cima, me balancei pra frente por curiosidade de continuar vendo a paisagem, empaquei um pouco antes do fim, um moço veio me guinchar ao chão, tentei perguntar se isso era normal, mas não ouviu e no fim escutei que se engordar um pouco mais, descerei até o fim
na próxima. Achei extraordinário, não gritei, nem pareci a escandalosa dos meus tempos de montanha russa. Por fim, encaramos um pit stop mineiro derradeiro na estrada. A caminho da volta arrisquei cardápios mais caipiras (porque meu sistema gástrico não colabora) A guerreira da minha amiga foi dirigindo o caminho todo, mas fez paradas providenciais para banheiros e comidinhas. É incrível viajar sem familiar apressado no volante que já fez parente mijar no carro porque não podia dar uma mísera parada parada ou com sem noção fumando no nosso cangote e nos xingando por reclamar. Sem contar que passear sem vizinhos de banco reaças é a maior brisa. Esse post é só pra comemorar: calculei os frelas na poupança e farei outras quatro viagens anti stress, de trabalho,
para comemorar niver, com amigos e marido até o fim do ano. E reafirmar que concordo com a galera do ecoturismo que recomenda: "viaje pelo mundo, mas antes conheça seu país".

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Desenferrujando de performar

Finalmente estreei em performance não linear! Explico: repito pelo segundo semestre seguido o estudo da disciplina performance no programa Diversitas da FFLCH/ USP, no teatro de Contêiner no bairro da Luz. E nesta temporada como pesquisadora artístico-acadêmica meu grupo, na hora de costurar ideias pra performar Escuta e Escrita da Cidade, que tínhamos que fazer no território em que pagamos de acadêmicos, optou por uma costura não linear e como diriam os publicitários, disruptiva. Resultado: não entendi cáspita nenhuma do que propuseram no WhatsApp. Afinal, conto histórias, escrevo livros e dou aulas, ou seja, sou mega linear. Ao menos comparada com meus colegas de Tatiana Schunk, que levou sua máquina de escrever para dividir seu trabalho de escuta e registro do que ouve, nas ruas e em centros culturais, para nos "grampear" e, ao fim da aula ler parte das nossas Ailton Krenak, Ideias para Adiar o Fim do Mundo, passos em folhas secas, poesias, som de pássaros, pesquisa do Reich, som do metrô, entre outros barulhos e reflexões. Enviamos parte aos colegas de turma pelo zap (esta parte não consegui acompanhar, foi uma semana de perda de cachorro, mãe mal e chefes descompensadas bufando no meu cangote). Pedimos que levassem fones de ouvido e lá partilhamos os mesmos com duplas de estudo, escutando, dividindo celulares para esta atividade e caminhando ao lado do Parque da Luz, da estação histórica do mesmo bairro e na frente da Pinacoteca. Aquele bairro segue bonito, mesmo à noite, com muita gente circulando nele com pressa, desconectados do que rola ao redor, medo dos bêbados ou dúvida se é ou não perigoso que os mendigos e usuários nos abordem, em conversas que custamos a entender (a propósito: não, não é: já estudei, agitei voluntariado e curti programas culturais com amigos e familiares por lá, durante
metade da minha vida e devo ter sido mais assaltada em bairros paulistanos de classe média e alta). Andar no ritmo do companheiro de performance, pros fones não desconectarem da gravação, perceber as conexões entre a trilha sonora da cidade e a beleza da estação antiga de trem, do pouco som urbano da natureza e as árvores nos cobrindo quando sentamos e deitamos nas calçadas, além de receber olhares de estranheza dos pedestres foi insólito e permitiu inesperados vínculos com amigos de curso (como era de se esperar, atrapalhei meu parceiro de jornada e me enrolei, derrubei fone, o fiz parar, me ajudar a usar o mesmo de novo, enfim, como diz meu amigo, fui total digna do apelido agente do caos). Ao voltar, conferir as demais performances em som, vídeos, música e poesias dos demais pesquisadores performers da nossa turma me tocou, gerou discussões curiosas e cliques bem vindos. Aos 45 minutos do 2o tempo, a professora e amiga Maria Ribeiro colocou um áudio da Marilia Librandi, que voltou aos Estados Unidos, onde dá aula e era sobre a palestra Escrever com o Ouvido, que a mestra atuante nos EUA deu na PUC, mas não pude conferir. Ouvi-la deu a sensação de que estávamos muito próximos...  Por fim, fazer o percurso dilatado de retorno do transporte público com os amigos, com quem compartilho a atuação educativa e conexão espiritual, rumo à periferia no trem, rendeu partilhas e - porque não? - construção compartilhada de conhecimento. Me senti em casa ao retornar pra esses estudos, mesmo após pouco mais de uma semana da partida do meu cachorrinho Bidu, que dividia com meus pais. Em duas semanas tem mais! Pensando bem, melhor nem gerar muita expectativa, pra não fomentar a ansiedade em mim desde já.
conclusões e devaneios. Senti saudades do meu avô escrevendo na sua máquina, menos colorida que a dela, na máquina de café do norte do Paraná, na qual trabalhava e de onde fazia seus livros artesanais e caseiros, além de pesquisar e atualizar uma de suas maiores paixões: nossa árvore genealógica. Fiquei feliz do meu pai não ter deixado eu vender minha máquina há anos, quando o site dos coleguinhas jornalistas Comunique-se quis fazer um museu da comunicação (será que essa ideia saiu do papel?). Bom, voltando à vaca fria - eu e meus colegas de trabalho fizemos uma colagem em áudio de várias gravações que remetiam às nossas escutas e "escritas sonoras" da cidade: trechos de livro do
trabalho, porque também estou coalhada de amigos que classificam meus textos como fluxo de pensamento. Sabem de nada, inocentes! Quem produz  esse tipo de texto lindamente é a educadora e artista

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Mergulhando no teatro pela revolução

O teatro do oprimido (TO) é um amor antigo. Chegou na minha vida em oficinas livres, que ia com amiga numas ocupações do centro histórico, ainda quando dava aula de biblioteca em colégio particular católico. Fiz ainda vivência com o filho do criador do método no Sesc Pompeia, numa entressafra profissional rica em que estudei tanto que até distraí da neura de voltar ao batente. Anos depois, já na Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Santo André participei duma formação maior, que começou no Parque Escola, migrou pro Centro de Formação de Professores Clarice Linspector e terminou num centro comunitário bem contramão, na periferia do ABC. O formador da última foi o mesmo da minha iniciação ao TO, anos antes. Como diria uma amiga jornalêra, o mundo é mesmo muito redondo! De lá para cá estive em dois encontros anuais da Rede Sem Fronteiras de Teatro do Oprimido, vivenciando mais os teatro jornal, das oprimidas e em saúde e vendo produções dos amigos cênicos, em Campinas (SP) e na Bahia. Na primeira região ainda voltei e encarei o Laboratório Madalena do teatro das oprimidas, que também me pareceu incrível para reverberar entre as alunas, muitas vezes vítimas do machismo, que não as permitiu estudar na fase em que abandonaram a escola. Até finalmente chegar à pós em TO e psicologia social que faço com o Coletivo Garoa no Projeto Quixote, há um mês e meio (as postagens sempre atrasam em meio ao caos de aulas, auto cuidado, estudos, frelas, cuidados com família e projetos). No começo caí meio de pára quedas, cruzando a cidade depois de finalizar uma formação que dei em contação de histórias e pegando o "bonde teatral" andando. Mas apesar de termos toda uma metodologia de manhãs teóricas, tardes práticas, com leituras, discussões e outras "cabeçudices", o grupo não deixa de ser muito humano, afinal, é estudo artístico também. Sempre querem saber como chegamos, o que acaba aliviando um pouco a aridez da área acadêmica. Tenho lido mais os textos e livros do criador do TO, o teatrólogo  Augusto Boal, depois de praticar mais (afinal escutamos tanto que teatro se aprende fazendo que botamos isso em curso na vida sem tantos questionamentos). Sempre rende descobertas - se não na pesquisa nas trocas entre tantos estudiosos e praticantes de TO, durante nossos encontros. Nós
comprovamos o quanto a diversidade é enriquecedora e devia ser fomentada sempre. Os valores são populares pra educação formal. Afinal os interessados não vem de áreas reconhecidas e bem pagas: educação, assistência social, artes, saúde pública, da educação informal, terceiro setor, terapias diversas... E nos improvisos e jogos sinto que partilhamos um espaço de potência. Realmente é ensaiar a revolução, Boal tinha razão. Fora que é muito catártico aprender se divertindo. E tem toda uma construção partilhada do conhecimento cênico (que tenho tentado estudar em paralelo no programa Diversitas da FFLCH/ USP no Teatro de Conteiner). Não, não me chame de doida acadêmica. O sistema capetalista nos força a ser hiperativas. Mas uma coisa que achei até antropológico foi proporem que a gente faça almoços coletivos desde o começo. Além de ninguém resistir, comermos juntos abre
caminho para muitas conversas significativas e entrosa o grupo como mais nada faz. Passa pouco tempo e nos sentimos num coletivo! Já estou a fim de criar, ensaiar e fazer teatros do oprimido com o pessoal em tudo que é espaço que esteja precisando. Às sextas, nas vésperas, sempre que volto cansada do trabalho e lembro que de quinze em quinze dias reencontro meus "parças teatrais", sinto um misto de cansaço com empolgação, porém esta segunda emoção é sempre mais ativa nesses momentos. Que venham mais discussões, mas que multipliquemos e nos transformemos pelo TO muito mais, em vários tempos e espaços.
Obs.: foi tentada uma diagramação mais amigável, mas o Blogger não colabora. As imagens na ordem em que aparecem no texto foram produzidas: na pós que conto no post, no Laboratório Madaelna em Campinas, no encontro de TO em Itinga, Salvador, na vivência de TO do Sesc Pompeia (anos depois uma das participantes se reconheceu nesta foto... Nos conhecemos nos encontros da rede), na pós e no espaço do projeto Quixote.




segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Quando a periferia saúda a quebrada

Então São Paulo tem uma ilha. Soube pelas redes sociais, através de colegas. Ainda por cima tinha amiga do Teatro do Oprimido (TO) lá. Como uma sagitariana aventureira e fã de viagem feito eu ainda não tinha descoberto e conhecido essa paisagem fluvial urbana? Há meses tentava matar essa curiosidade. Mas pra não perder o costume urbano temos dificuldade em reduzir a carga das agendas malucas na metrópole e para conciliar agendas de visitantes e moradores da Ilha do Bororé. Neste feriado finalmente consegui entrar no tempo dilatado interiorano da periferia. Aqui na boca do Heliópolis também temos essa pegada caipira com o tempo. Mas como levamos três horas e pouco para chegar, tivemos que entrar não só no tempo da viagem improvisada, tudo na contramão do esperado, mas especialmente embarcar no humor de viagem, com o qual perdemos a primeira balsa para Ilha e seguimos animados porque afinal, já estávamos à beira da represa e a quebra no visual urbano cinza, super populoso e concretado já dá um alívio na gente. Como toda travessia de periferia à periferia essa também não foi isenta de percalços: um trecho do trem da Marginal estava parado, discutiam no vagão que era para construção do metrô, um senhor duvidada que levariam para a periferia, já que o projeto previa chegar ao Paraisópolis. Meu companheiro lembrou do Crioulo cantando Grajauex no trecho final do trem da Marginal. Usei como trilha de parte deste post. Deu uma cansada? Mas o tempo das travessias em São Paulo é este: dá pra resgatar memórias, prosear com estranhos, comer marmita ou bobajitos de camelô, arriscar um cochilo e botar reparo nas mudanças de paisagem. Sempre cismei que o mundo acabava depois do Hotel Transamérica, onde cobri muito evento, mas ufa! Nunca fui terraplanista.
Perto do ABC também sempre prometem metrô e nunca vem, talvez nossos netos se beneficiem dessa pseudo expansão, quem sabe? Por uma intervenção dos orixás ou Budas. Tivemos que pegar o ônibus da Paese pra finalizar o trecho com circulação interrompida. Passamos por todos bairro da zona sul metida à besta em que passei muitos assédio moral, constrangimento emocional e vários passaralhos da comunicação. Bem menos pesado só visitar do que trabalhar no Morumbi, Vila Olímpia, Brooklin e Itaim Bibi. Cruzei a frente do jornal em que fiz minha primeira
greve: a "Casseta Mercantil". Mais um pedacinho de trem e último ônibus pra Ilha. As ruas foram se estreitando: devíamos estar chegando!
Quando finalizamos a estrada na extrema zona sul e pegamos a balsa, bem que tentei lembrar onde viajei numa igual, mas não consegui. Acho que já estava relaxando. Nisso já estava no modo "criança feliz caipira do asfalto", adorando tudo que é mato, água, barco e ave! Seguimos a pé e foi bem fácil achar a Casa Ecoativa. O companheiro da minha amiga nos recebeu super solícito. Imaginei que devíamos estar com caras de perdidos, ele era simpático ou todas alternativas anteriores (no fim do finde vimos que o casal é gente boa, mas lembre-se ainda era começo da tarde do início do finde). Ele recebia um grupo de geógrafos (quis chamar todos que conheço no ABC... Realmente não recebemos pra ter ideias de trabalho o tempo todo e preciso dar cabo dessa neura de trabalho e estudo). Visitamos e soubemos a história dos grafites da rua, para os quais sempre promovem visitas de crianças e professores.
Aquela máxima de sempre da Internet: foi tão interessante que não fiz fotos. E olha que sou fã do grafite! Mas fiquei bem impactada quando vimos um desenho dos portugueses invadindo o país num dos murais e lembraram que o genocídio continua em andamento. Durma com esse barulho! Depois demos uma pausa na capelinha histórica: há uma imagem de santo bugre nela, mas não deu pra clicar, talvez porque preparassem o casório da noite. E na frente um boteco de 1800 e guaraná com rolha, tinha a construção meio amadeirada que encontrei a infância toda no norte do Paraná. E depois de horas em trânsito, bebemos as mesmas bebidas com Cambuci com as quais já nos embebedamos em Paranapiacaba. Se bobear deve ser a mesma vegetação ou clima pé de serra de lá.
Voltamos pra comer na Ecoativa e adivinhe? Um rango natureba de comer ajoelhado e gemendo. Quem fez foi o pessoal da Amara Empreendimento Econômico e Solidário: daí que conversando já percebemos que conhecemos a equipe do Ibeac, que faz iniciativas literárias incríveis em Parelheiros e nossa amiga bambambã das marmitas. Esse mundo é mesmo muito redondo!
Meus amigos quiseram voltar e apresentar a casinha deles. Gozado que fui nessa ansiedade paulistana querendo visitar tudo que é água e cachoeira, mas roupa de banho que é bom deixei pra trás, justo no finde em que o sol resolveu reaparecer, só que lá... Entrei nesse tempo dilatado e ficamos conversando sem pressa. Minha amiga nos levou no mirante. Achei comédia que quando o calor volte o paulistano transfira som alto e trânsito pra região rural da capital.
Mas parece que o sonzão está sempre pelo Bororé, assim como é trilha sonora pra dormir aqui no Helipa. Achei que o verde das águas lembrava o dos lagos do Ibirapuera e da Aclimação. Serão todos por alga conforme me explicaram lá no centro?
Resolvemos dar uma volta à noite. Como uma das saídas estava com um filão, demos a volta e descobri que é uma penísula, não uma ilha, porque fomos à zona sul atravessando plantações e chácaras de eventos, sem balsa. Depois o marido dela teve que desenhar porque península,
ilha vomitei tudo nas velhas provas de geografia e o tico e teco não recordavam mais a diferença. Quem sabe se fizéssemos um estudo de meio como promovem lá hoje em dia?
Com ou sem estudo de meio, perguntei à exaustão dos projetos, do histórico, da região para os amigos (saio do jornalismo, mas ele não sai de mim): tem iniciativas locais de permacultura que dialogam com os produtores simples regionais, articulações com organizações e projetos vizinhos que geraram tecnologias sociais reconhecidas e visitadas, turismo ecológico e de base comunitária, exposições super engajadas pela Ecoativa, além do Grajaú ter até cerveja artesanal! Tive vontade de fazer as pontes que vi nascer entre as quebradas com as quais trabalhei na formação que dei no Galpão de Cultura e Cidadania, mas desta vez entre o Heliópolis e extrema zona sul, porque quando as "perifas" se articularem, ninguém mais nos segura!

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Atravessamentos do território centro-periférico em meu corpo

Estudar na Luz me faz revisitar medos e encantamentos que a região provoca em mim, muito antes de começar estudar performance pelo programa Diversitas da FFLCH/ USP nos teatros do Faroeste e Contêiner. Retornar ao bairro com mais frequência me trouxe de volta à casa em que mais me sinto à vontade: o teatro. Ao mesmo tempo chegar até ele, depois de dias compridos me desvencilhando de trabalhos e fazendo auto-cuidado, faz com que olhe no rosto deste sentimento indesejável: o medo. Há pouco tempo cismava que o receio de andar sozinha no local vinha da comunicação e cultura de massa sempre divulgando a percepção de perigo e abandono no entorno da estação histórica da Luz. Nesta semana, ia para o estudo semanal no espaço da Cia Mugunzá, pondo reparo num morador ou visitante próximo que cantava, ria e parava para dançar. Fiquei um pouco alerta com a impressão de que podia ser imprevisível. Até que ele me olha e quer saber:
- Você está bem?
- Sim, só cansada.
- Vai dar tudo certo! Você é guerreira!
Em pouco tempo me lembrei de onde surgiu meu incômodo de andar por ali sozinha: uma vez fui numa oficina no Sesc Bom Retiro, os funcionários do metro deram muitas recomendações e explicações pra não cair em algumas ruas, pois alertavam ser perigoso. Era cedo ainda, mas acho que terminei atravessando a região que temiam que passasse. As pessoas pareciam estar num pós ressaca, pareciam distantes e ao mesmo tempo não estavam à vontade com pessoas de fora rondando a quebrada tão familiar para eles. A sensação era de um mal estar, compaixão, pressa, preocupação e impressão de que as ruas ficavam mais compridas e entrávamos num "tempo fora do tempo", pois o relógio dava mostras de dilatar a passagem dos minutos. Nada me aconteceu, porém tive o mal estar do estado dos moradores confirmar a má impressão provocada por matérias e trecho de novela retratando o local pesadamente.
Mesmo em meio a tantas questões social, de saúde pública e econômica disputando a narrativa das causas dos problemas locais, me atraio pelo Parque da Luz: uma vez fui observar as prostitutas para uma peça em que o diretor nos cobrava que lembrássemos elas, porém se não fosse um colega alertar para movimentação delas e de seus clientes, passaria batido e não as encontraria.
Já me perdi indo estudar na rua do Triunfo, entrei nela no começo e também tive a impressão assustadiça de cruzar trechos em que as pessoas têm abstinência, medo da repressão, ansiedade, trauma do que já sofreram e angústia da falta de apoio, suporte, tratamento e alternativas que passam. De novo, nada me ocorreu e tudo se resume a uma má impressão da situação dos que vivem ou circulam ali. O perigo parece meio fictício.
Tenho memórias especiais com a Pinacoteca, suas palestras engajadas, as paredes retrô, o cafezinho adorável, os túneis, corredores e elevadores que nos confundem e o educativo que volta e meia me abastece de materiais de trabalho.
Relembro uma peça de rua conferida com um amigo, já a caminho da rua Helvétia, em que tivemos a impressão de que os moradores estavam incomodados com a atuação dos atores e mais cedo ou mais tarde ambos se estranhariam. Me encantei com o aspecto histórico da estação Julio Prestes e também dilatei o tempo conversando com este colega, outro artista.
Resgatando caminhadas pelo território feitas com o pessoal que estuda comigo, com o professor que estuda vizinhança e nos situou de algumas questões do entorno, foi um alvoroço de lembranças passar pelo Bom Retiro, onde já comprei roupa numa loja que trabalhava com mulheres e jovens carentes, aproveitei oferta com minha mãe, aprendi a conferir se a roupa servia sem prová-la e que era melhor comprar nas travessas.
Na aula que tivemos com os Guarani na Casa do Povo lembrei das peças vistas e perdidas com amigos na Oficina Cultural Oswald de Andrade (além de cair de amores pelo canto e ficar preocupada com os ataques que os indígenas sofrem), de ter estudado sobre universo griô para o ator lá, comido e bebido na rua em que os artistas mais circulam e ido ao médico ao fim da rua Três Rios.
Os debates sociais, culturais, educativos e artísticos que temos tido com professores e colegas desde o começo do ano têm me deixado à flor da pele. Semestre passado, voltando duma consulta, já noutro bairro, porém falando com os amigos de apresentação performática, vi uma moça chorar e eu, que sou como minha tia e não podemos deixar chorões sem uma palavra de apoio, fui conferir se podia ajudá-la, a assustei sem querer, soube que tinha perdido um amigo gay que se suicidou, conversamos e terminei oferecendo só um abraço, que não dá pra consolar muito mais que isso nessas horas. Era dia de à noite voltar à Luz e nestas ocasiões estes choques me afetam mais.
Costurando minhas lembranças e medos com relação ao bairro em que tenho estudado, mas já fui conhecer projeto sócio-educativo em que um amiga da faculdade era voluntária, pondero que apesar da má fama local, já passei mais sufoco fora dali, portanto não parece haver razão de ser esse receio meio instintivo que me assalta quando chego muito em cima da hora pra a aula.
Até nós jornalistas podemos ser suscetíveis ao discurso sensacionalista da imprensa.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Dá pra sentir aí?

Você viu os animais mortos?
Nem precisou estar entre as chamas
Mas suas imagens queimado, gritando
As fotos fugindo cego e órfãos num carrinho de construção
Choveram aqui na cidade grande
Junto com o dia que virou noite
E a água que desceu cinza
Dá pra sentir daí?
No meu peito lateja
É verdade que caí
Que dor de angústia também é física
E que movimento dolorido contraiu o músculo
Mas não paro de pensar
Como é que vou respirar?
Se tivesse filho estaria mais triste?
Só com minha gata já dá insônia
Os dias anoitecidos parecem ser comuns em Roraima
Estado de alerta já se decretou no Acre
Dá pra sentir daí?
O desrespeito ambiental é do tamanho
da dimensão continental brasileira
mas chegam notícias, aos montes
a internet encurta as distâncias
o País pode responder
por crime contra humanidade
ruralistas, grileiros, madeireiros, latifundiários
combinaram queimada pelo WhatsApp
quem vai comer tanto gado bem nutrido
com sobrepeso de ração de soja?
se não teremos oxigênio, sombra,
água limpa e chuva sem fuligem
Dá pra dormir aí?
A insônia me assombra
desde quando era jovem
o bastante pra sonhar
que a mata esperaria
minha visita pra sempre
Agora me põe em vigília
Dá pra sentir daí?
E quem nunca conheceu a Amazônia?
Só viu em filme?
Nunca se espantou com o tamanho das árvores
se encantou com o cheiro da mata
ouviu bichos, quis conhecer as aves
escutou os rios, viu cortes de seringueiros
em seus troncos
Mas quem nunca tocou nos caules?
Conversou com ribeirinhos
Andou de barco pequenas distâncias
viu pequenos ambulantes
vendendo em suas janelas
visitou as bibliotecas em palafitas?
Quem nunca dormiu na rede do transporte fluvial
ficou curioso com a escola e o hospital
sob as águas, itinerantes
Não tinha direito de vivenciar um por um?
Podemos também processar o governo
por destruir um sonho?
Em que artigo essa indignação se encaixa?
Que especialista jurídico nos defende?
Há uma semana as chamas os bichos
o agronegócio esse desgoverno
fazem a respiração doer
E o sono se perder
Dá pra sentir daí?
Ouvimos os guarani nos meus estudos
A aldeia do Jaguaré  tomou a academia
A natureza vai dar o troco, eles disseram
Qual o tamanho, peso, intensidade
da fúria da mãe natureza?
Você já viu uma mulher nervosa?
Já foi uma?
Dá pra dormir aí?
Me conta como
Aqui, só doi quando respiro
Franzoca Brandão

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Formando Contadores

Nas férias escolares coube de tudo um pouco: viagem, contação de histórias, reencontro com amigos, formação em narração e parcerias "namoradas" há tempos e finalmente concretrizadas. Quis escrever sobre a formação que dei para assistente social, professores, estagiária, pedagogo, bibliotecária por vocação, ator, bailarino e oficineiros em São Miguel Paulista devido a não trabalhar com uma turma tão diversificada há um tempão! Embora tenha ocupado minhas sextas à noite revendo planejamento e sábados de manhã entre deslocamentos e formando esta turma, ela me nutriram duma forma tão surpreendentemente diferente da que me sinto preenchida nos demais trabalhos tanto artístico quanto educativo! Primeiro por perceber que apesar de não ser de São Miguel Paulista, nem frequentar o suficiente para conhecer todo o contexto local, tenho uma relação afetiva com a região: lá ensaiei com o diretor, ator e produtor Apollo Faria o teatro escola ecológico infantil Terra Viva, no qual descobri o quanto ficava em casa profissionalmente no ambiente escolar e como me sentia à vontade como atriz, mesmo fazendo um papel muito mais novo do que minha idade da época. Trabalho esta formação em texto por ter "namorado" muito uma parceria com a Fundação Tide Setúbal, devido a fazerem periodicamente uma feira literária na zona leste onde atuam, volta e meia ligava, escrevia ou ambos, mas só agora "noivamos". Fui formadora no Galpão de Cultura e Cidadania e foi uma grata surpresa ver um espaço tão cheio de possibilidades promovendo empreendedorismo, literatura, formação, coworking, shows, integração local, apoio aos imigrantes, oficinas, apresentações, entre outras atividades na periferia (infelizmente há tantas outras quebradas sem estes equipamentos, apoiadores e calendários potentes). Depois da reforma, o Galpão não se manteve apenas com um calendário diverso e criativo: ficou também lindo. Nós da arte sabemos como a estética colabora ou não para que nos engajemos tanto em apresentações como em cursos. O Ponto de Leitura local (um dos espaços internos em que também dá vontade de dormir, de tão aconchegante) centralizou a divulgação, já que não conhecia meia dúzia na região (e estes mesmos não puderam fazer o curso, a despeito do meu apoio divulgando). Pensamos em outra época para dar a formação. mas os interessados quiseram fazer no recesso escolar e eu, que AMO trabalhar jogos, dinâmicas, improvisos, debates, vídeos e apresentações narrativas, literárias e teatrais, dei as aulas tão animada quanto quem estudou comigo. Sergio Vaz tem razão: povo lindo, povo inteligente (o periférico)! No primeiro sábado a troca de experiências, percepções e estudos foi tanta, que ao começar a trabalhar minha apresentação sobre literatura ficamos no primeiro slide, de tanto que trocamos! Para quem volta e meia pega turmas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) muito travada por exclusão social, baixa auto estima, impressão de que não sabem nada, medo de errar e desânimo com as portas na cara da vida, o envolvimento destes aprendizes foi um fomento para repensar planejamentos, incluir novas estratégias e dividir histórias! No início rolou rápida participação de colegas do meu bairro, do outro lado da cidade, o Heliópolis, na zona sudeste. Conforme a formação foi acontecendo, meus colegas de quebrada não puderam continuar. Mesmo assim fiquei realizada com a coordenadora da Biblioteca Comunitária do Heliópolis escrever que deram retorno positivo do curso para ela e de um dos que parou escrever que gostou, além de lamentar não continuar devido aos trabalhos que surgiram. Explorei improviso, jogos de teatro, trabalho com elementos de cena, objetos de afeto, reconto de histórias reais ou inventadas para descobrirmos se era ficção ou não, condução dos colegas de curso pelas memórias felizes dos parceiros de jogo através de movimentos e sons, dinâmicas de trabalho com imaginação, expressão corporal, criatividade, além de partilhar histórias que conto com diferentes recursos. Um dos participantes contou que marejava os olhos em nossos encontros semanalmente e que era um curso que tocava a alma. Eles ensaiaram contar pequenas narrativas, depois escolheram outras e finalizaram com um sarauzinho no Ponto de Leitura, com colegas e familiares, ocupando o praticável disponível no local. Eu e a parceira atriz e violeira Cris Martins ainda apresentamos aos participantes parte do nosso repertório musicado, trabalhado nas narrações dramatizadas feitas em espaços comerciais, com ambiente diverso desses centros culturais e educativos no qual formei os interessados em contação da ZL. Criamos um zap, trocamos fotos, programação de São Miguel. vídeos... Mas formação, não sei porque, sempre deixa um clima de quero mais. Escolas, nem sempre: porém são infra estrutura, sistema, condições tão díspares do que encontramos nos centros culturais, que nem dá para ensaiar uma comparação. Atualizei e enviei a eles uma apostila. A coordenadora deve nos enviar certificados. Eu já propus e aguardo que façamos novas formações. Quem sabe?
Antes de dar esta formação, na maioria das vezes via, lia ou ouvia profissionais da educação dizendo que fora das aulas não queriam estudar, que parecia hora extra, mas o interesse e engajamento dos meus estudantes da zona leste foi tanto, que comprovei que nem sempre os envolvidos na educação fogem à atualização nos momentos de folga.
Enfim não fechei a parceria com a Tide e o Galpão antes por razões diferentes das que imaginei. O fruto só esperava o tempo certo da colheita mesmo. No geral acho este olhar uma prosa meio zen noção, mas com esta formação bate muito isso do tempo certo dos sonhos acontecerem ser muito díspare do timing da nossa ansiedade. Vou relembrando tudo em post pois ao contrário dos amigos que para lembrar coisas importantes se tatuam, para registrar o que me tocou escrevo, como quem imprime memórias afetivas fora de si. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Das surpresas narrando fora das áreas cultural e educativa

Neste recesso escolar deu pra experimentar de tudo um pouco: desde férias interioranas offline econômicas até contação de histórias fora dos segmentos escolar e cultural. Na segunda possibilidade de vivências rolaram surpresas e aprendizados dos mais inesperados. Como diria um programa infantil retrô da TV Cultura na minha infância: senta que lá vem história...
Comecei narrando histórias sozinha depois de não conseguir combinar ensaio com meu músico durante três ou quatro dias. Nada de novo sob o front com relação a estas parcerias criativas. Fiz numa rede comercial com a maior parte das lojas em shopping que não conheceria se não fosse trabalhando, pois ao contrário de parentes cujo hobby é passear nesses centros comerciais,  só vou para estes locais quando o tempo está muito apertado e só tenho curto espaço para resolver três ou quatro coisas duma vez - então atravesso a avenida e vou no pedante shopping de São Caetano, cujo bairro curte simular que está em Alphaville: batizou todas avenidas do entorno com alameda. Vi que fizeram uma divulgação caprichada, porém em algumas delas as gerentes lamentaram que muitos clientes estivessem de férias ou que os pais levaram para ver Rei Leão no cinema. Brinquei que não conseguia concorrer com todos efeitos colaterais e marketing desta produção. Só que as brincadeiras têm um quê de verdade rs
Já na segunda semana consegui finalmente firmar parceria com amiga budista e artista com quem ensaiei e narrei as demais histórias. Artistas populares se namoram um tempinho antes de engatar noivado porque sempre tem umas aulas, pendenga familiar ou imprevisto pelo caminho adiando as
parcerias criativas. Numa das poucas lojas de rua da zona sul, a gerente dividiu conosco que mudamos o olhar que teve sobre um dos livros contados, que tinha achado triste e alterado o fim para os pequenos que contou, porém nem percebeu que tratávamos da mesma obra. De novo a praga do politicamente correto contaminando nossas avaliações literárias. Não, a obra não acaba muito bem para os bichos do enredo, mas por acaso a vida sempre termina bem? Nada pedagógico a gente querer encerrar tudo no felizes para sempre. Mas nem para os bem nascidos termina sempre para cima, embora estes tenham problemas gourmet. Mas para os seres humanos, o livro encerra com uma luz no fim do túnel. E nós não estamos na floresta como os protagonistas da fábula do escritor, então... Vale conhecer ou ouvir Leão Humilde, de Pereira Lima, indicado pelo clube de leitura infantil Leiturinha.
Na zona leste contamos para uma criança super participativa, depois a mãe veio pedir desculpas, mas é melhor para imaginação desta expectadora mirim que super interaja do que se perca em atrações muito estimulantes ou digitais (em muitos dos espaços trabalhados havia várias). Tivemos retornos gratificantes das mães, funcionárias se lamentando dos clientes que só usaram a prestação de serviço local e foram para outros compromissos, mas aqui minha experiência educativa colaborou: as mães e crianças atentas têm experiência na educação, o que impacta nos estímulos educativo e lúdico que dão em casa. Os africanos têm razão no provérbio "é preciso toda uma aldeia para educar uma criança".
Um dos espaços que contamos - enorme! É a sede - tinha metade da loja em parceria com espaço de estimulo à criatividade que só conhecia fora de shopping, mas adivinhe? Só fazem atividades mão na massa, sem equipamentos eletrônicos, caseiras e artesanais. Ou gourmetizando atividades maker. Até quem é de fora da educação reconhece que telas e jogos cedo ou o tempo todo com os pequenos os prejudica! Até a receptividade e interessse nesse local era outro.
Numa das últimas apresentações, um aprendizado para além dos estudos acadêmico-artístico. Acho
que conferindo o pesquisador e artista Flavio Desgranges ano passado estudei que o que criamos só se completa apresentando, com a interação do público. Às vezes quando minha voz ficava muito fora do que ouvia no ensaio em casa, cismava com minhas ansiedade ou asma e me cobrava. Mas lá, vivenciei o quanto a arte - narrativa também - é uma construção com variáveis diversas que não temos como controlar. Na penúltima loja, havia um espaço para mães com bebês pequenos demais, meio escondido, mais fechado. Ele me fez perceber que espaço que se diz fechado, mas é amplo demais, já se transforma num local aberto e vai impactar na acústica. Nesta tarde foram ver colega de trabalho e outra amiga com filhos, uma delas  atravessou a cidade para assistir. A alegria da plateia enfrentar dificuldade na chegada e ofertar essa raridade contemporânea no contexto digital - a escuta - já me fez entregar uma contação numa empolgação grata. E como quando contava histórias diferentes a cada quinze dias em biblioteca de colégio particular, a toque de caixa porque o ritmo industrial nos aperta o tempo dilatado dos ensaios, as últimas narrações se tornam o resultado do ensaio involuntário das primeiras contações anteriores, que o sistema capitalista transforma invariavelmente em treino. No fim de semana posterior ao término das contações a ex chefe escreveu mandando foto, elogiando e escreveu que estava impressionada como desenvolvi vozeirão. Achei engraçado pois ela só conhecia minha versão sisuda fantasiada de executiva na comunicação.
Depois ainda encerrei a formação que dei no Galpão de Cultura e Cidadania de São Miguel, em parceria com a Fundação Tide Setúbal com a mesma amiga atriz, violeira e preparadora de elenvo Cris Martins, aproveitando o cenário do Ponto de Leitura local e finalizando musicalmente as apresentações dos assistente social, educadora, dona de casa, estudante e estagiário que estudaram narração lá comigo. Mas isso ja é assunto para outro post...!

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Ainda as férias

E nas últimas férias escolhi... Passar frio! O que não fazemos pelos amigos não? Deixei um frio de bater queixo em São Paulo e fui de encontro a outro de bater dente no sul de Minas. Não voltava para lá há mais de 16 anos, desde que gravei matéria para o programa Próxima Parada da Rede Mundial lá em Monte Verde. E como brinquei uns anos depois com um professor da Metodista: "passou de madrugada numa emissora da Band, mas nem meus pais devem ter visto". Ele jurava que alguém sempre vê, porém pelo pouco que trabalhei com audiovisual, não deve ter razão. Como podem verificar, o sul mineiro me provoca digressões nostálgicas. Desta vez fui conhecer Gonçalves com os amigos do meu companheiro, ops, agora também meus. Na verdade eles ficavam em Paraisópolis, mas me levavam pro centrozinho de Gonçalves. Estava rolando um Festival da Latitude. Por pouco
não reencontrei um colega do Programa de Iniciação Artística (Piá/ SMC/ SP) tocando por lá. Como diria uma amiga, o mundo é mesmo muito redondo! Curtimos degustação, só demos uma olhada nas gélidas cachoeiras, tomamos cafezinho pra tentar dar pelé no frio, subimos numa montanha que até tinha uma antena feito o Pico do Jaraguá, porém o lado que a urbanização não detonou era estupidamente mais bonito, batemos perna pelas lojinhas de artesanato nas quais gostaria de empacotar tudo e levar pra casa, vimos parte de um show e duma oficina gastronômica, comi no sol com amigos, passei frio na rede... Só queria registrar nos autos para a posteridade: eu precisava disso! Há um ano e meio eu só estudava e trabalhava nas viagens (claro, fazer isso fora de Sampa inclui sempre um certo alívio, porém pra hiperativos, depois de férias à toa... O corpo quer saber: "o que te fiz que não me deu isso antes"?). Matei as saudades de comer truta. Lembrei no restaurante que já tinha gravado noutro da rede, onde tem tanque com o peixe lá na Campos do João rústica mineira. Vi mais cerejeira do que quando fui num festival japonês delas com ex chefe no interior de São Paulo. Tirei umas fotos de desenhos de pássaros da Mata Atlântica, feito de caneta esferográfica por uma
artista leiga, pra mostrar ao meu pai ligeiramente autista - que depois reconheceu a maioria das espécies no meu celular. A gente sai de perto dos nossos, mas eles não saem de nós. Fui bem servida de blusa, finalmente estreei o cachecol e touca que minha segunda madrinha me deu, mas devo confessar que em alguns momentos nenhum deles fazia cócegas, À noite havia tanta coberta em cima de mim, que mesmo quando virava de barriga pra cima não dava para ver o guarda roupas à frente. Gozado que sou super urbana, mas vou pro mato e me adapto facinho. Fiquei dias sem conexão. Em quatro dias se pegou wi fi três vezes foi muito. Mas penso que até isso foi providencial porque navegar em São Paulo à noite não ajuda dormir. Depois fui pra Niterói rever amigas budista e das danças brasileiras. Elas me levaram num boteco meio "vilamadalenizado" de lá, mas colocamos a prosa em dia. "Perdi" uma manha enrolando depois duma canseira de estrada em dose dupla, mas vamos combinar? Eu realmente precisava desses respiros. Pra não perder costume, minha ex marida me levou à praia Itacotiara. Um deslumbre, mas como é praia de surfista, o mar só me deu tombo na hora de tentar entrar. Então fui para o Rio de barca, que é transporte público, mas com a vantagem do visual e minha paixão inveterada por transporte fluvial. Na hora de embarcar me confundi numa máquina de cartão de transporte e lá se foi uma nota alta sem troco na hora da cobrança; Resultado: paguei de ambulante nas portas do trem paulista e fiquei oferecendo o cartão com várias viagens nas filas... E não é que consegui vendê-lo? Por fim, matei saudade duma amiga jornalêra, que me levou num natureba em Copacabana, andamos e rimos muito perto da feirinha. Ainda almocei com ela, dei uma de caipira quando vi e escutei o VLT (veículo leve sob trilhos) e fui com ele à rodoviária, amarradona feito criança. Um amigo do teatro do oprimido (TO) ainda tentou me ver antes de voltar, mas infelizmente não é só por aqui que o trânsito nos estrepa, porque ele chegou quando meu ônibus começou voltar. Este post é uma ode aos amigos pois graças a eles, minha última viagem foi tão em conta quanto os minguados frelas que ainda faço ocasionalmente para o jornalismo. Este post é para falar o óbvio: quem tem amigo não morre pagão. E que a educação como era de se esperar já está me fazendo precisar de outra trégua. E graças aos amigos, mês que vem tem mais, aqui na roça de Sampa mesmo! Aguardem cenas dos próximos capítulos....