segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Terapia inesperada e lúdica

A futura paciente chega ao consultório onde fará terapia. Não encontra secretária, senta e confere as revistas expostas para leitura. Considera um milagre não serem "do período jurássico". Geralmente são tão antigas que nem se anima a conferir. Sem alguém para informar se atrasou ou não, o que a recebe assim que pisa na ante sala do consultório é o rádio. E ele está muito bem sintonizado: Gilberto Gil. Nem precisou muito e já começou a cantar. Quantos shows dele já tinha visto? Conferiria muitos mais, é o tipo do cantor que nunca provoca exaustão. Mesmo sem recepção humana, o local é bem acolhedor, tem paredes verde claras - chega a pensar que devem provocar algum efeito sugerido pela cromoterapia, porém não estudou o tema a fundo. Os enfeites são simpáticos. Agora a estação vai para um samba. Rodas com amigos, clima de entrosamento, memórias partilhadas em mesas de bar simples vêm à memória em questão de minutos. Para ela, sempre que estivesse down, escutando este ritmo já ficaria tão bem que nem era preciso incluir tratamento algum a mais. Tinha esquecido isso. Bem, com aquela sala sem ninguém conferindo agenda ou avisando que havia chegado, começou a dançar. Foi instintivo. Se divertiu mais quando achou um espelho. Nisso a emissora pôs no ar um forró. Soltou-se ainda mais! Perdeu até a curiosidade com as publicações para leitura. Quem a julgaria naquela espera pelo tratamento sem intermediações? Lembrou de amigos, noites animadas, risadas na madrugada e shows inesquecíveis. Começou na sequência um reggae. Perfeito para o fôlego "semi sedentário" (às vezes conseguia fazer exercício, noutras não). Apresentações que conferiu adolescente, maratonas regueiras, companhias divertidas, tudo foi voltando à tona e emocionando sem esperar. A cabeça resolveu fazer mini flash backs que a tocava, a cada nova música... Tinha um aspecto que a divertia no espelho. Nisso começaram a surgir pessoas de outras salas no corredor do andar, esqueceu que a porta ficava aberta com um peso. Seu acompanhamento corporal espontâneo à seleção musical devia estar chamando a atenção. Nesta altura do campeonato já se sentia tão animada, que nem se importava mais. O cabelo suado, pulava junto com ela. A bolsa já havia caído no sofá. Água? Podia tomar ao fim desse entrosamento inesperado com o rádio. Consultórios próximos estranhando? Nenhum colaborava com suas contas. A despeito do cansaço, cantava, dançava, lembrava até que...
- Vamos lá? - chamou a terapeuta, abrindo a porta de repente.
- Não preciso mais, obrigada!
- Mas seu horário é agora!
- Sua rádio já me ajudou muito!
- Hoje faria avaliação em conjunto das suas questões...
- Parabéns pelo bom gosto doutora.
E a ex paciente começa partir cantando todas misturadas depois de o que...? Quinze muitos ou menos de euforia musical nostálgica. A emenda saiu melhor que o soneto: o convênio seria "tão paduro" na cobertura das sessões, na melhor das hipóteses só introduziria os dramas à terapeuta e já precisaria sustar as consultas e ficar com tudo no vácuo, pois costuma levar um "tempozinho" pro paciente e a terapeuta se entrosarem...
- Doutora? - pouco antes de partir resolveu tirar a dúvida derradeira.
- Pois não - ela respondia, ainda estranhando muito a reação da paciente perdida.
- Que estação fica sintonizada na sala de espera?

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