terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Memórias de Carnaval

O Carnaval é uma festa contraditória para mim. Tenho memórias de na infância ir à matinê do Clube
Juventus com a minha vizinha, que os maldosos do prédio chamavam de bruxa do apartamento 4, como a megera do Chaves e Chapolin. Ela levava a mim e sua sobrinha. Não lembro quem caprichava em nossas maquiagens, mas íamos de Pierrô e Colombina, inclusive muito bem fantasiadas. Uma overdose divertida de confete. Aliás só assim para ir ao Juventus - ou vendo a outra vizinha jogar. Meu pai...! Sempre achei vôlei uó, da arquibancada ou na quadra.
Mas voltando à serpentina: já adolescente ia à matinê do clube da GM com minha prima IRMÃ. A questão é que acho nunca ter sido muito naturalmente da farra e me irritava já jovem da "torcida do Flamengo" resolver que era o momento ideal para meter a mão em alguma parte do meu corpo que não estava disponível - mas azar o meu. Neste período inclusive era meio "se não aguenta, nem desce pro play" ´porque lá pras tantas, em meio ao tira o pé do chão clássico passava meio mal e minha prima me sentava num canto para voltar a pular até quase destroncar o tornozelo.
Então veio uma longa e mais adequada à minha alma senhorinha temporada de retiros no Carnaval. Meditação, massagem, budismo, yoga.., Valia qualquer negócio para correr da folia. Mato, sempre muito mato. Os litorais sempre estavam num "pega para capar", que não "ornavam" com minha saudade do sossego das férias interioranas da infância.
O mais próximo que cheguei dum meio termo nesta época foi ir à Vitória com os mesmos vizinhos de sempre. Como era uma viagem de pobre, levamos 12 horas para atravessar a famigerada região dos Lagos carioca. Estes vizinhos zoaram tanto meu pai - uma figurinha caricata - que até chegarmos a excursão inteira já o zoava, porém a maioria nem o conhecia. Ficamos na época com a impressão de que todo mundo no Espírito Santo fugia pra Bahia. Houve uma certa decepção dos parceiros de programa de índio: acho que alguns esperavam aquela muvuca carnavalesca de TV e foi sossegado. Teve quem reclamasse que a galera local era feia, mas como nunca tive esse ímpeto de beijar como se o mundo fosse acabar amanhã, de fato não lembro muito não.
Houve claro diversos Carnavais com família no interior de São Paulo, Curitiba e norte do Paraná. Tranquilos, muitas sonecas, comilança, prosas em dia, visitas à parentada... Não lembro de irmos em algum clube ou festa de rua - e é provável que tenhamos ido, porém a comemoração não devia ser tradição em nenhum destes lugares, portanto nada que tenha me marcado muito significativamente.
Adulta lembro de ter ido "montada" na bailarina com amiga na Vila Madalena, acho que quando o
movimento do renascimento de Carnaval reiniciou em São Paulo. Rolaram as palhaçadas de sempre: nos perdemos, a rua estava - como era de se prever - animada, mas já estava como diz meu namorado fazendo meu supletivo de curtição perdida na adolescência. Tive bode cedo. Depois aquela baixaria de sempre, cada uma de nós com uma versão diferente da ocasião. Bem, em alguma fase eu tinha que enfiar o pé na jaca não?
Este feriado voltei aos bloquinhos para confirmar incomodamente que o tempo passeou.
Gozado que voltando duma contação de histórias semana passada com minha fã número 1 - mãe, quem seria? - cruzamos com um mar de noivas, capitães, diabinhas, enchapelados cheios de purpurina indo para algum bloco caprichado. Não sei se por vir duma batida intensa de médicos e frelas cedo, só queria cama. Creditei ao cansaço e me perdoei. Mas este feriadão lá na Marechal, só quis calçada, vazar para comer uma pizza e sentar também, Rapaiz! Envelheci e o namorido não entende o stress brabo com isso. O grande mal estar nem é a mancha no rosto comprovando isso, afinal sempre fui relaxada com cremes, mas sim a
chateação de aguentar seis programas seguidos na virada para os 30 e dez anos depois fazer duas ou três coisas e já precisar voltar e deitar. Depois vi uma galera chegar com banquinho e pensei que afinal, não era uma questão só minha esta canseira nonstop. Mas lá para as tantas passaram a mão em mim e já quis vazar mesmo.
É como desabafei com o atendente do natureba em que comi mais cedo. O que acho uma judiação é que se a mulher for apaixonada por Carnaval, ele não é amigável para nós. E no fim das contas cheguei à conclusão de que Deus, o universo gerador ou a energia criadora fazem as coisas acertadas porque nunca rolou ir para Bahia ou Pernambuco no Carnaval (este último ainda tenho impressão que curtiria, mas porque sagitarianos têm uma esperança sem noção).
Também penso que há cidades em que a cultura carnavalesca não só é mais forte como natural: parece impensável não ir atrás do bloco, conferir os bonecões ou as escolas em Salvador, Recife e Rio. E como esta cidade é um mundo, amigos no rodapé do Sambódromo também batem carteirinha não só agora, mas o ano todo.
Como estou em todo aquele processo de olhar crítica e artisticamente pro feminino no teatro, questiono se não nos convencemos que não é uma festa que nos acolge porque tem esta canseira de tentar curtir, ser abusada, enfim...
Difícil dizer. Agora que quatro dias e meio são fodásticos para cansados são. Ficar semi nova e não saber lidar, inclusive com os pais voltarem à infância é perturbador. Inclusive porque a mídia não ajuda com sua ode massacrante à juventude e à magreza - femininas, lógico. Bom... Bora para uma temporada Nerdflix.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Onde e porque o feminino se tornou abjeto em mim?

Mergulhar na oficina do feminino abjeto com Janaína Leite, do grupo XIX de teatro, na Vila Maria Zélia, tem sido arrebatador desde o teste. Já de saída, ouvir a experiência das futuras participantes, traumas, abusos, revoltas, como criaram textos ou imagens que conectassem com o tema foi tão terapêutico para meu feminino que na volta meu namorado ligou para avisar que sairia com os amigos mais tarde e como chorava no meio da condução, achou melhor me rever mais cedo.
Cena Hoje Eu Recebi Flores, com Klaviany Cozy
Não que chorar invalide ou fomente o processo, de forma alguma. Sempre atuei militando nisso, no Movimento de Mulheres do Heliópolis, inclusive artisticamente. Mas passar pelo processo pela escuta, troca, partilha tem outra potência. Minha crise de correr da maternidade por um tempão, querer agora mais velha porque levou 20 anos para encontrar um namorado parceiro, se reconhecer cansada demais, admitir que trabalhar dia e noite empate este desejo, o companheiro não se animar muito com a ideia, as opções zero de creches para quem trabalha à noite, percebendo realistamente o trabalho todo e sentindo que teria saudade braba de estudar, atuar para se jogar na necessária temporada abastecimento-troca-fazer dormir-arrotar uma criança se assenta entre os trabalhos criativos, conversas com as amigas e terapeuta, certamente com a ajudazinha da oficina. Não é porque sou cabeçuda com isso que deixa de doer. Como as amigas e primas passam por outros grilos emocionais e psicológicos, esta dor é "minha só não é de mais ninguém", como canta Marisa Monte. E nem me toquei que tudo isso viria à tona, com colegas em momentos diferentes com relação ao feminino, mas todos honestões como eu, então é um espelhamento caprichado.
No primeiro reeencontro saí percebendo o feminino abjeto em mim - porque pra gente da militância feminista é mais fácil apontar a rejeição ao feminino da sociedade. Cismei que corri da maternidade porque mergulhando nela teria que encarar tudo que é aflitivo: amamentar, parar a vidar, fazer ê um diário nosso adolescente. Éramos românticas. Você foi pé no chão: o jornalismo não colaborava, os antigos parceiros também não. Isso não foi exclusivamente seu. A sociedade não acolhe o feminino e você foi realista, Ela sabe o quanto amo antropologia e traz as aulas que tem descoberto na especialização da Federal do ABC: "instinto materno é criado pela sociedade". Por este olhar, o relógio biológico também não deve existir. O que é vontade minha de parir e o que a sociedade entubou em mim? Difícil identificar. Pelo budismo, posso desconstruir. Mas é uma labuta de queimar os neurônios.
Atuação cênica no Movimento de Mulheres do Heliópolis
crescer, pausar significativamente estudos e trabalho... Bendita a irmã historiadora cortando minhas viagens "podicrê" via What´s Up: l
Como diria Hel Mother, está tudo bem. Sim, fiz maratona dela. Curativo. Recomendo para dores de não mães tardias. Quando este mal estar bate feio também visito amigas enlouquecendo com filhos. Apazigua um pouco também.
No segundo encontro entendi que quando minha mãe dizia "não tenham filhos porque é uma preocupação muito grande para o resto da vida" estava falando da maternidade e não de mim. Era óbvio, mas na minha filhauniquice achava que estava reclamando de mim. Minha mãe disse a vida toda "aconteça o que acontecer, nunca pare de trabalhar". Talvez levei a sério demais. Mas não por egoísmo como a sociedade faz querer parecer. Ao que tudo indica é o que faço de melhor mesmo.
Há semanas ouvíamos os colegas de oficina falarem de como nasceram. Dos mais velhos era gritante a solidão das mães. Uma dizia que "naquele tempo era assim, os pais não paravam de trabalhar nem para ver os filhos nascerem". E nesta última semana, como disse nossa diretora "depois que todos nascermos, tomaremos café" e partilhamos muitas percepções em roda. Experiências fortes, muito tocantes, algumas até chocantemente sinceras foram dividas. Festejaram meu bolo de beterraba: me espantei, mas ainda estranho ficar à vontade numa função da qual sempre corri. Minha irmã lembrou que festejaram meu arroz com leite de coco e damasco no Natal. Minha mãe nunca deu espaço para nada em seu território sagrado da cozinha, ainda hoje me perco nas minhas experimentações culinárias. Talvez tenha sido estragada, mas nem todo mimado passou por este processo voluntariamente. Quem é da família ou íntimo já me acompanhou tentar cortar super proteção familiar no grito e na civilidade. Como nada funciona, nos últimos tempos tenho relaxado e deixado que façam as trocentas ajudas me me entucham, Meus pais viraram crianças da terceira idade: também não sei como lidar, porque requer uma paciência que não desenvolvi com a maternidade. Às
Experimentação do monólogo Porque que A Gente Deixa?
vezes brinco que devia poder bater como fizeram comigo pequena porque são os rebeldes anti tratamento e remédio. Mas já cheguei na fase de tirar sarro:
- E aí o seguro é bom? Já que estão se matando, queria saber porque é um tal de pururuca e pinga com tratamento de pressão alta e diabetes que vou te contar!
Voltando á oficina (muito embora esteja tudo muito interligado), esta semana a professora mostrou seus vídeos de parto, contou de seus processos familiares... Em meio à tanto choro, TPM, vídeo da Hel, prosa com amigos e terapia, cheguei à conclusão de que não tive filho porque não sou forte para isso. Mas sou para outras coisas. E muito a contragosto admito que estar em paz com isso não é permanente porque esta sociedade maravilhosa, como classificaria Hel, não colabora. Passei mal de enjoo recentemente, parente tem que vir perguntar se não estou grávida. Mas depois sou julgada quando fico com a impressão de que quem nunca gostou, falou ou lidou bem com criança terá um e eu que sempre adorei, não. Minha irmã acha que só quero um bebê, não um filho porque me angustio de saber que se transformará em adolescente. É o estrago de terceirizar nosso instinto maternal com a educação. Meu companheiro acha que penso em resolver algo ligado à infância com a gravidez, porque nem o pós parto me psiquiatra Lucy no desenho Snoopy: cobrou R$ 10 pela consulta super sônica. Por mais cabeçóide que isso tudo soe, consigo me curar de mim e não - porque estamos estudando a performer Angélica Liddell e seu texto Lesões Incompatíveis com a Vida e aquelas impressões niilistas do ser humano e maternidade são dilacerantes. Conferir trechos de suas apresentações no fim de semana me fez sentir completamente ignorante. Um salve a todas mães e não mães estupidamente sinceras, que estão ajudando a expor nossas feridas, forçar entender nossas dores e - até isso - analisar nossas maluquices.
Criação a partir das partilhas femininas
anima.
E deu uma de
Faço parte duma geração que sempre ouviu as mães incentivar estudar, trabalhar e atualmente estou como muitas amigas jornalêras da velha guarda, meio donas de casa forçadas, freelas, professoras meio período como eu, tradutoras, acadêmicas, sem ter ideia de como lidar com essa casa que nunca para de dar trabalho e nunca nos rende nada. Olhar para isso artisticamente certamente ajudará com as novas tarefas da oficina: levar uma roupa e uma ação. Ser mulher é transformador, sensível, doído e tantas vezes tachado como histérico. Vivendo duplas ou triplas jornadas nada temos de louca e sim exaustas. Vai uma louça aí? Você pode lidar com o feminino adorável mais aliviado...

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Peça da década de 60 retrata inquietações atuais

Há anos atrás quando ainda interpretava razoavelmente bem o papel de quadradinha sem questionamentos muito latentes, assisti a peça A Mais Valia Vai Acabar Seu Edgar, com atores que se transformaram em meu amigo e minha professora anos mais tarde. Eles tornavam mais didática aquela velha lição da sociologia, de que ganhamos bem menos do que valemos do jeito mais lúdico possível. Já tinha encarado umas lições marxistas por recomendação duma prima um tempo antes, na Ação Educativa, mas eles descerem do palco provocando:
- Toma que a vida é tua - e soprando de volta a existência pra gente na plateia, foi um chacoalhão bem transformador. Passei anos com o flyer, pensando de dizer à minha prima professora que levasse os alunos para ver. Em tempos de redes sociais, achei um dos atores e mais tarde incentivada por amiga da área, entrei na Cooperativa de Teatro, fiz licenciatura em artes cênicas e no auge da crise da comunicação, migrei dos frelas em home office para a sala de aula.
Sei que muitos dirão que só o palco não faz isso. Tinha sim, toda uma busca paralela, com oficinas, retiros, apresentações, vivências, meditações e experimentações procurando me conhecer mais. Mas uma encenação pode sim, desmoronar uma venda falsa que só a sociedade capitalista nos faz tão bem: que os mesmos papeis caretas encaixarão em todos sem efeitos colaterais nenhum.
E mais uma nesta
linha está em cartaz em São Paulo: O Assalto, no espaço da Cia da Revista, na Santa Cecília.
À primeira vista um bancário engorda seu banco de horas extras e um faxineiro negocia para limpar sua sala. O primeiro se movimenta para comer na rua e deixá-lo terminar o escritório, mas parece começar a delirar, uma loucura tão lúcida quanto a da lixeira Estamira, em seu documentário, nos fazendo ver de modo crítico como as máquinas corporativas podem nos transformar em robôs desumanos. O faxineiro ameaça se abrir, mas faz movimento de que limpará outro andar, já que o delírio crítico do bancário não acaba, quando percebe que foi trancado ali. O bancário negocia um valor irresistível para que fumem juntos, porém o mundo corporativo parece tê-lo enlouquecido de uma tal forma, que os insultos e briga são inevitáveis. É quando o faxineiro percebe que o bancário não está apenas pirando em sua crítica social muito verdadeira de como o trabalho pode moer o sonho dos funcionários... Percebe-se envolvido no meio do golpe bem planejado pelo bancário amargurado, que toca em feridas incômodas para ambos. Em meio à solidão do bancário, confissões inesperadas do faxineiro, trocas inesperadas vão acontecendo, de forma que a tensão se instala e os espectadores aguardam ansiosos o desfecho. O faxineiro se vê meio sem saída por não compactuar com a rebeldia com razão de ser do bancário, embora este finalmente tenha dado a opção dele sair da sala. Se o bancário envolve o faxineiro em seu golpe ou este finalmente o convence de que é honesto e precisa terminar outro andar... Só conferindo para descobrir.
A encenação começa divertida, irônica e até brinca com os ritmos musicais que os personagens ouviriam. Enxergar colegas raptados por trabalhos mercenários ou a falta de opções de parte dos trabalhadores menos favorecidos corta o bom humor com os diálogos sarcásticos dos personagens. Quando o conflito entre os dois vai embrutecendo, vamos nos perguntando que saída encontrarão para o impasse entre eles.
Qual a relação da encenação atual com a antiga que conferi anos atrás e me fez vazar do jornalismo? Bem, se o espectador não for ainda protagonista da própria vida, poderá sair questionando e buscar se apropriar de sua existência. Saber que a dramaturgia de José Vicente é da década de 60 e antecipou como as relações de trabalho chegariam a contradições tão violentas dá uma curiosidade a mais para acompanhar a humanidade e dilemas dos personagens.
Temporada até 27 de abril
terças, quartas e quintas às 21h
Espaço Cia da Revista
Al. Northman 1135
R$ 40

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Cagaço da consulta odontológica

O dentista é o profissional com maior licença de cala boca pra ser meio facistóide.
Explico: eles sempre entopem nossa boca com sugador, espelhinho, aquela "broca" angustiante deles fazendo zim perto das nossas amídalas e querem emplacar uma conversa que demanda respostas analíticas.
Sério eles podem até emprestar umas falas neo nazistas dos antigos taxistas dos quais corríamos de papos mais elaborados quando voltávamos de matéria longe das redações e eram os tempos áureos do jornalismo.
"Prestenção": ele pode colocar três ferramentas bucais na sua boca e soltar umas na linha...:
- E aí amigo qual o potencial da candidatura Bolsonaro?
- Grown... - você tenta esboçar um debate, mas com saliva sendo sugada e canal sento feito... Sem chance!
- Achei que você era um dos nossos mesmo... Seu pai elegia Maluf?
- GROWNN....!
- Calma rapaz... Nossos candidatos estão em alta. Você acompanhou a eleição de Crivella no Rio?
- GR...
- Aposto que você também apoia a reação dos taxistas contra o Uber!
- G...
-Ah, também não concordo que as mulheres possam abortar... É um crime e ponto final.
- ... - nisso você já tem medo que sua reação muito passional faça com que ele dê menos anestesia e te faça sentir restauro por restauro daquelas operações medievais que só eles acham tranquilas.
- É, este país só não avança porque o sangue africano dá uma empacada mesmo!
- GR...
- E estas 12713321 possíveis definições de gênero agora? No meu tempo era feminino e masculino e acabou! Faltou surra na infância desta galera LGBT toda...
- GROWN...
- Mas vem cá... Não foi ótimo terem tirado a Dilma do poder...?
É quando caio da cama assustada, olho no relógio, respiro aliviada porque foi um pesadelo.
Lembro que tenho consulta no dentista na manhã seguinte. Como a cada volta pra revisão o convênio mudou quase todos credenciados, sempre tenho medo do que ouvirei quando me inviabilizarem de retrucar qualquer barbaridade com a boca "em reformas". Não durmo mais.
Vou começar a perguntar quando ligar para ver se atendem o convênio e tem agenda qual orientação política do dentista.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

De como incentivar a leitura com seu filho

Sempre que me apresento contando histórias, seja em escolas, livrarias, centros culturais, teatros, bibliotecas, lançamentos, comemorações, formações, projetos culturais, feiras literárias ou eventos pedagógicos costumo ouvir:
- Como faço para meu filho ler mais?
A variante desta questão pode ser ser:
- Como fazer com que os estudantes leiam mais?
Bem, se os professores ou pais não saem do celular, da TV de tela de plasma, do iPad ou laptop dificilmente conseguirão esta façanha. O aprendizado pelo exemplo é tão forte que meu pai sindicalista nunca sentou ao meu lado para fazer um "piquete familiar", mas acabei tomando seus ideais como meus, a despeito da minha mãe criticá-lo por perder bons empregos na ditadura sendo meio rebelde.
Vencida esta primeira etapa, se interessar pelo universo literário infantil é outro passo e tanto. Você não curtia ler quando era pequena? Não tem problema: hoje os livros têm ilustrações muito mais ricas que quando fomos crianças, há diagramações diferenciadas, papeis novos, encadernações chamativas, um universo a ser descoberto. Empreste um pouco da curiosidade da infância pra isso.
Pergunte por novidades irresistíveis aos livreiros, pais de crianças fãs dum programa cultural ou bibliotecários. Banque o investigador literário. Apareça perto dos pequenos namorando um livro "diferentão, barroco, vanguardista". No mínimo os alunos ou filhos ficarão com a pulga atrás da orelha.
Crie um clima intimista para contar histórias: coloque música ou cante, ressuscite o potencial palhaço ou ator que adormeceu em você, interprete os trechos mais chamativos de modo brincalhão ou exagerado, coloque roupas chamativas como arremedo de figurinos, dance nas partes animadas, banque o chorão nos trechos tristonhos, interaja com o livro: abrace-o, esconda-o ou use-o temporariamente como chapéu se encontrar o artista circense escondido em você.
As propostas te pareceram arrojadas demais, você é um executivo, tem tanta burocracia escolar pela frente que mal faz o protocolar educativo, não tem ideia de onde foi parar aquela piração antiga por histórias novas?
Bem, tente então uma história emocionante como Xica, de Rosinha, publicada pela Editora Peirópolis. Costuma ser um caminho certeiro: a obra traz a história de uma peixe boi caçada, confinada numa fazenda, depois vendida à prefeitura de Recife, que pior, a transformou num enorme bicho aquático de cativeiro numa fontezinha em praça pública da capital pernambucana.
Claro, ela tinha amigos como a tartaruga ou o bicho preguiça, que tornavam o tempo aprisionada ali mais companheiro, engraçado, imprevisível e parceiro.
Porém a Xica se cansava daquelas visitas inconvenientes a tratando como miquinho amestrado.
Bom mesmo era ficar só e relembrar o por do sol no mar e suas recordações em liberdade dentro dele.
Só mesmo uma menina sensível, apaixonada pela avó e fã do balanço da praça para entender a necessidade de Xica não ser vista como um bicho tão insólito, apesar de estar fora do seu habitat natural.
A história infelizmente não é ficcional, mas graças ao ativismo de ecologistas e organismos de preservação da fauna aquática tem final mais feliz que o percurso tortuoso enfrentado pela Xica.
Tem como não se emocionar e indiretamente tratar de respeito aos animais, companheirismo, saudade dos parentes estimados que partem cedo demais, entre outras mensagens que certamente estão nas entrelinhas, mas conferindo desavisadamente só percebemos algumas?
Pois bem a literatura infantil atualmente está mais profunda, atraente, delicada, rica, diferenciada que na época em que namorávamos os livrozinhos pelas bibliotecas e escolas.
Ou suas surpreendentes linhas me fizeram voltar à infância nos últimos anos.
Permita que ela faça isso contigo também! É um caminho sem volta...

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Carta ao meu Avô

Vô há dias e dias venho sentindo que preciso te escrever. Passamos anos e anos
Não sou eu com vô: este é meu primo IRMÃO
trocando cartas, comecei a sentir falta desse costume antigo e dum laço inesquecível. Queria te contar que não sou mais jornalista vô. Tem um ano pelo menos que desmamei oficial e profissionalmente dele. Também tem tanto tempo que não te envio notícias, as novidades se acumularam. Vozinho agora dou aulas, mais ou menos como mãe fez na escola rural lá no norte do Paraná, lembra? É, antes dela vir com meu pai pra São Paulo. Digo mais ou menos porque ela alfabetizava (o que acho uma atitude nobre, mas que provavelmente não é o que faria melhor). Na verdade dou aulas de artes. Da história de pintores, os estimulo a fazer teatro, conto histórias, levo documentários sobre dança, faço cantar um pouco, mostro que vídeo, foto e performance também são arte e por aí vai. Vô acredita que não consigo mais sentir saudade do jornalismo? Quando fui assessora de imprensa sentia falta, confesso. Mas agora que pude sair de trás dos computadores e explorar o quanto sou elétrica em sala de aula para acordar meus estudantes do Ensino de Jovens e Adultos... Voltar a cobrir tragédias (um modo de fazer jornalismo que quem questionava na minha época não era ouvido) não faz mais sentido. É verdade que agora há os que cobrem manifestações, dão o lado dos estudantes e trabalhadores... Mas quando eles chegaram pra transformar a grande imprensa na velha mídia, eu já tinha brochado irreversivelmente com a comunicação. O bacana de te contar vô, deixando o jornalismo para lá, é que nas minhas salas tem estudantes de 15 a 60 anos. E a terceira idade (acho um pouco hipócrita chamar de melhor idade) dá o maior valor ao que pesquisamos, contamos, é bem gratificante. Pena que alguns não curtam muito a parte prática das aulas vô. Alguns são apegados à ideia da aula tradicionalzona copiando da lousa. Bom, não sei ser esta professora vô. Empurro carteira, levo para o pátio, faço usar o corpo, ressuscitar a criatividade, fazer aula no pátio, interagir com os colegas de turma, ir para a biblioteca, ouvirem histórias, conferirem vídeos no projetor... E o incrível vô é descobrir que os jovens que alguns colegas acham "inagradáveis" caem de amores pelas aulas de jogos teatrais, elogiam no reencontro e também me apaixono por eles. Mas não é só vô. Também estou contando histórias em parques, aniversários, inaugurações, lançamentos, feiras literárias, comemorações, formações, centros culturais, teatros, praças, livrarias, bibliotecas... Vô também posso ser brincalhona, exagerada, apaixonada por literatura, brincar com as crianças, explorar elementos de cena, cantar, colocar o público na história fazendo isso... Vô como vivi longe disso um tempão? É bem verdade que o teatro foi me preparando para isso. Estudar apresentação, locução, reportagem de TV, videorreportagem, interpretação para comunicadores também. Nossa vô quem me ensinou a ser maníaca por estudar? Ah, mãe falava que você dizia que ninguém tira o que aprendemos. Parece que os judeus também dizem isso. Ah vô isso não é tudo. Escrevi um livro infantil! Isso certamente foi você que me ensinou. Também publiquei uns versos, crônica, conto, trecho de peça meus em coletâneas. Ainda mantemos aqui suas memórias sobre o pioneirismo da família no norte do Paraná, nossos parentescos entre tantos primos casados que você levantou. Porém eu e minha mãe não demos conta de acabar de ler. Paramos para chorar. Foi mal vô. Ei vô também estou fazendo projetos culturais: formei professores infantis em literatura, contei histórias entre os índios argentinos, pedimos que enviassem as histórias deles e publicamos uma coletânea, cobri as mesas redondas do XV Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas, porque contava histórias da cultura oral para meus estudantes, mas quis ver folia de Reis, dança da lenda do boi... Nesta altura do campeonato tive curiosidade: vô qual era a cultura popular do norte do Paraná? A avó contava quais eram as manifestações do interior de São Paulo? E vô na pós da arte de contar histórias descobri que na nossa família embora não tivemos contação de histórias literariamente fantásticas, ouvi muitas histórias reais! Ah sim vô, a carta é para agradecer porque minha imaginação, paixão pela escrita, estudar, ensinar aprendendo, criatividade, pesquisa, persistência, auto reinvenção, gostosura de prosear com os outros... Vêm das tardes, noites e férias na sua casa, do cheiro de café, terra vermelha e chuva, te vendo escrever, estudar informalmente, levantar nossa árvore genealógica gerações atrás, caçar os amigos e parentes pelo auxílio à lista telefônico e te ver encontrar e conversar tão deliciosamente com as pessoas. Acho que quis te escrever porque entendi que tinha papelzinho seu aí. Podia ter a impressão que foi tarde demais né? Já nem consigo enviar este escrito. Mas sempre que caio nestas impressões ruins, lembro da minha mãe contando que cantei pra você no hospital -  ah vô contei história lá também - e fico bem, porque não lembrava disso, mas conectei contigo do jeito que mais combina com o que amo. E no fim das contas, acredito que os que amam  estão sempre conectados.