terça-feira, 10 de abril de 2018

Ar "petroquimicado"

Nosso vizinho cospe fogo no ar. E não é um dragão. Estamos longe de uma terra do nunca. Quem solta fogo pelas narinas é a indústria petroquímica de Capuava, entre Mauá e Santo André, no ABC Paulista. Presenciei uma noite em que ela resolveu também derramar fogo. E então, muitos de nós, professores, não conseguimos seguir com as aulas. Vários estudantes quiseram debandar apavorados. Irônica como típica sagitariana, dizia que se era para escapulir, que fosse a três bairros de distância. Porque o ar "petroquimicado" já nos persegue há tempos nesta região. E segundo estudos da USP, compartilhados pela professora da ciências, esta poluição específica colabora com distúrbios da tireoide. Mas quem salva as glândulas da periferia? Nosso governo espoliando até nossas calças é que não é. Onde estão os ecochatos nessas horas? Na periferia eles são urgentes. Mas deixando à parte o tom panfletário dessa crônica, na noite em que a petroquímica saiu de sua rotina, assustando amigos e parceiros de trabalho, fui muito atriz pra seguir com a aula. E a petroquímica emitia sons assustadores, como um animal em cativeiro que ruge. Quando cheguei à sala de professores, questionando ainda calma os sons, meus colegas de escola já estavam tão assustados quanto os alunos. Lembrei da tireoide perdida da minha prima, na mesma cidade. Este ar "petroquimicado" segue contaminando até o Campestre, já perto de São Caetano? Na minha vizinhança não é o ar o mais pesado e sim, o solo, na Vila Carioca, também contaminado por indústrias, já próximo ao Ipiranga, que se bobear ganharam até isenção fiscal pra entregar este presente de grego à comunidade. Quem está por nós nas quebradas? Quando denunciaram o solo problemático dali, perto do Heliópolis, já na capital paulista, nem todos puderam desocupar suas moradias. Quem nos preserva da gente? Que evoluir tecnologicamente desconsiderando a comunidade é também um risco.
No dia seguinte, o fogo do céu da petroquímica estava tímido. E a contaminação silenciosa segue... Quem nos preserva deste avanço tecnológico ligeiramente destruidor? No meio da semana, não dou aula no Capuava. Mas e quem dorme entre o fogo e a contaminação? Parafraseando Elza Soares, a carne pobre é a mais barata do mercado.

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