terça-feira, 5 de maio de 2020

Descompasso febril

Como não tenho trabalho dos estudantes para pendurar... Penduro os meus! Não que seja uma artista visual digna de ocupar janelas, estante e portas, mesmo de casa - longe disso, aliás. Sou é atriz, das salas de aulas e espaços culturais, mas como o teatro é arte do encontro, enquanto temos que nos manter isolados, improviso: isso o palco me ensinou. E nesse jogo de cintura artístico crio mandalas, faço versos, gravo contações de histórias, produzo crônicas... Descubro que todas essas outras são artes do encontro: quando leitores ou expectadores dão retorno, sinto o peito transbordar de alegria. No mais, é tudo incerto e assustador, nada que conviva bem com uma mente inquieta. Para apaziguá-la, me movimento. Caminhando ou dançando despisto bem as pré-ocupações. Fazendo yoga e pilates, porém, meus pensamentos me sequestram, fora que minha respiração não sincroniza com as posturas e uma das professoras tem enviado aulas demandando acessórios inexistentes nesta casa - e com a perspectiva da economia degringolar que não os comprarei. São basicamente horas de prática para fugazes momentos compensadores de relaxamento.
Por razões auto explicativas, corro das notícias. Porém há temporadas em que só as manchetes ou os tuítes enxugando lives científicas já me viram de ponta cabeça. Nestas ocasiões preciso fazer chá da planta mais fedida para desligar porque o psicotrópico não deu conta. E o que daria em temporada de saudade dos estudantes, amigos e família? A arte, aposto eu, do alto do meu otimismo sagitariano. E surpreendentemente tenho criado até bastante e claro que no processo fico muito entregue e meditativa. Só que o isolamento resolveu se estender. Tipo visita que não avisa e depois a gente não aguenta mais fazer sala pra surpresa inconveniente. E nesta altura já me culpo por não produzir lives, projetos, coletâneas com minha inventividade. Não tenho ideia de onde vai parar a pulsão criativo-terapêutica. Só gostaria que os resultados não morressem na famigerada praia da quarentena. Como não dou conta de fazer mais barulho pelo que invento, termino angustiada.
Uma das atitudes mais iradas que tomei contra esse mal estar foi meditar. Aqui devo aos amigos budistas e de auto conhecimento um salve me desculpando porque realmente nosso espaço interno pacífico está sempre à nossa disposição. Não me sentava tão disciplinadamente antes não por falta de fé e sim pelo trabalho- família- frelas atropelarem nosso tempo livre. Respirar e focar nesse ponto interno apaziguador tem sido tão reconfortante, que minha mente tem se perguntado: o que te fiz que não me dava isso antes?
Antes... Éramos outros, já reparou? Perdia paciência, não tinha jogo de cintura com ligação e conferência. Agora a voz dos amigos, familiares quase faz chorar de alegria. E por falar em alegria, tento mantê-la vendo entretenimento online e desligando do pega pra capar lá de fora. Quando me empapuço de cultura de massa, tento sites ou vídeos artísticos. Faz bem, claro, mas em dias sombrios sentimos um pouco girar em falso.
Com a cabeça fervilhando, recorri aos estudos: quem sabe eles me levam para longe? Me vi transitando entre possíveis conteúdos da pós e do futuro mestrado, porém todos densos demais para me fazer aliviar o mal estar que me ronda há dias... Naveguei laptop adentro e fui pousar na literatura infantil. Sempre ela me fazendo sorrir. Mais que nunca é preciso batalhar pela resistência da alegria.. Só que de tempos em tempos... Queremos saber se a TPM nos espreita de tanto se arrastar pela casa. Vai passa, torcemos. Mas como administrar os estragos sutis até lá?

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