terça-feira, 2 de junho de 2020

Memórias afetivas da cozinha e suas lembranças engraçadas

Cozinhar pode ser uma meditação e prática criativa. Para hiperativos como eu, fazer uma receita costuma dar gastura: ela não precisa muito pra nos perdermos da atividade e o prato desandar com sucesso. Gosto porém do quanto fazer comida me obrigada a aterrar: tenho que ficar presente para quebrar a cabeça e ser criativa quando o produto ou medida que preciso não constam nos medidores caseiros. Outro dia me peguei um cálculo gastronômico que se um produto é mais denso, preciso de menos no medidor para dar os mililitros desejados ou me vi noutro questionamento filosófico culinário: coco tem menos ou mais gramas que farinha de aveia?
Nesse movimento compreendi porque de quando em vez não gosto do hiperfoco que preparar pratos demanda "porque a maioria precisa de reiki na panela ou no forno" - correndo risco de perder o preparo ao virar pro lado e checar o relógio.
Cozinhar é uma prática meio matemática: nos salgados os improvisos não nos fazem arruinar o preparo. Já nos doces... Adaptações costumam desandar cm tudo. Surpreendentemente com o bolo de beterraba da foto não foi assim: substituí o açúcar comum pelo demerara, trabalhei com margarina comum, só usei meia colher de sal e ficou bom.
Me lembrei quando fiz essa receita há uns anos e levei numa oficina do Grupo XIX de teatro, outro participante levantou a forma, perguntou quem fez e agradeceu. No fim, cozinhamos para resgatar memória afetiva (no caso, a última vez em que fiz teatro em grupo) ou produzir uma recordação que gere essas lembranças (como domingo em que comi guacamole com meu marido, que não curte abacate, mas essa receita mexicana que faço sim). Essas associações não são só minhas: uma prima do interior fez um livro não só com as receitas, mas com as histórias envolvendo as mesmas. Digamos que cozinhar não é uma arte meio "umbiguista" como contar história - no caso dessa última ainda me animo a criar só - no frigir dos ovos queremos mostrar o resultado para alguém, claro!
Na pegada de reinventar o conhecido e melhorar o resultado final, fiz uma cobertura que produziu novo álbum de memórias culinárias. Já tinha em mente os ingredientes com os quais fiz substituições da receita do site indexado na frase anterior. Quando procurei algo similar na internet e não encontrei, lembrei duma professora que diz que se não encontramos o livro que temos em mente, temos que escrevê-lo. Escrever é algo que tenho mais familiaridade, na cobertura fui mais atrevida porque coleciono fracassos gastronômicos. Mesmo assim reinventei a receita do hiperlink: a usei como base por ter sido a mais natureba que estava à mão no dia em que estava pré disposta a produções trabalhosas na cozinha. Trabalhei com açúcar mascavo, leite de coco e margarina nos lugares do açúcar e leite comuns e da manteiga. Como tem gordura mais saudável na produção, não engrossa até desgrudar do fundo, mas fica um pouco mais espessa - e com um paladar delicioso saudável na minha opinião.
O único senão é que não poder dividir uma comidinha que acertamos em quarentena dá uma dorzinha no coração. Nessas horas se improvisa como pode: enviei fotos pros amigos e família parafraseando Pink Floyd "how I wish/ how I wish you were here". Os puristas dirão que as redes sociais não produzem afeto igual os encontros reais. Certamente expressões diferentes de saudades proporcionarão reaproximações diferentes. Estas porém, já são um consolo e tanto atualmente!
Na esteira da surpresa na receita acertada, meus pais produziram um reencontro inesperado, no qual aproveitei para dar fatias do bolo para eles. Fui elogiada mais tarde - o que é raro para os dois, que sempre se divertiram apontando minhas presepadas. São eles aliás, os responsáveis pelas memórias mais tragicômicas que tenho de cozinha: quando criança comia bolo de cenoura com cobertura de Nescau e me enganavam que era bolo de chocolate. Levei uns aninhos para estranhar que na casa dos outros esse doce era marrom e na minha era amarelo. Dizem que era mais fácil enganar criança antigamente. Posso comprovar!

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