quinta-feira, 9 de abril de 2020

A paisagem meio borrada da bipolaridade mais eufórica

Fotinho retrô (moro num Pombal sem cobertura)
mas essa vivência no prédio do chefe no Piá
deve ser a única imagem zen no limbo do laptop
Sempre achei que se não fizesse uma quantidade insana de iniciativas, o mundo ia acabar amanhã. Depois de décadas de correria, insônia e exaustão, me vejo no isolamento, olho a janela, notícias ou relatos na internet e concluo: que petulante fui eu! Olhaí o mundo acabando e eu me movimentando e escrevendo. Estudando e respirando. Criando e vendo série ou filme raso pra desanuviar. Mas enfim: nada que o sistema nos convença como primordial.
Se bem que... No princípio tudo era o meme. Na terceira semana confinada descobri os conteúdos virtuais mais cabeça: site de museu, peça na Internet e página para olhar desconhecidos distantes um minuto nos olhos, criando pontes e desenvolvendo empatia. Apesar de serem conteúdos que reforçam meu lado cabeçudo, como resvalam na sensibilidade, acabo fazendo arte terapia informal.
E por falar em arte terapia... Já venho do teatro, literatura e contação de histórias, então, sou suspeita para falar, claro. Mas tenho me experimentado noutras frentes. Depois de acompanhar curiosa e incrédula o companheiro com quem vivo produzir mandalas, se curar e ensinar num espaço de convivência terapêutica que atende neuroatípicos, me arrisquei. Aprendendo distanciada com ele já ensinei nas escolas em que ensino artes para jovens e adultos - e eles, como era de se esperar, piraram! Mas vivenciar o desenho em formas redondas, harmônicas, com padrões equilibrados e conversando sobre ele depois, leva a um processamento de emoções com diferentes facilidades e dores. A mandala do que gostaria para quarentena fez com que notas musicais parecessem hebraico - a sincronicidade é que todos sobrenomes familiares são de judeus convertidos e sempre me confundiram com judia, muito embora seja mezo zen e mezo afro na espiritualidade. A da angústia foi uma sofrência começar, porém depois me concentrei feito presidiário chinês pra terminar - e saí com o corpo dolorido, mas os sentimentos menos turbulentos. Na do medo, os coronavírus viraram umas gelecas infantis ao redor do centro estrelado - quando criança, meus pingos nos is do meu nome também traziam estrelas. Na da tristeza, voltei à colagem, técnica que tenho uma paixão platônica por nunca ter estudado. E simbólico que justamente a da ansiedade tenha me dado um branco do que trabalhei nela - não sei se por esta emoção viver sendo varrida pra baixo do sotão interno... Parece badauê sem noção, mas de fato terminamos melhor - arte é feito meditação e acupuntura: mesmo que fizermos sem muito estudo formal, variando técnicas, com mestres guiando muito genericamente (ou levemente picaretas), no esquema capetalista industrial do convênio, ainda assim, focando em nosso espaço interno inabalável sempre disponível (ou centelha divina, buda interno, se preferir) sempre faz bem.
Criar é um processo que reverbera onde não imaginávamos. Também gravei vídeos narrativos. Só pensei em focar nos adultos, já que o mercado não admite, mas eles também precisam. Até os jovens, tão acusados de letargia pelas famílias e gestão, me pedem contações quando volto às salas. Obviamente que criança é tão esperta que também se trata, aprende e imagina para além da narrativa. E no último dei palhinha da formação - uma das atividades que mais me realizo, lidando com professores, assistentes sociais, educadores, bibliotecários, terapeutas, estudantes e psicólogos com vontade não só de aprender, mas de contar também. Nem só de três, dois, um... Ação! Se preenche uma quarentena. Voltei às postagens, comecei uma dramaturgia... No princípio imaginava produzir um diário. Mas as fichas, mudanças na relação com os sentimentos e olhares que transformo com emoções mais apaziguadas são tão reveladores, que passo um tempo maior burilando as mexidas do isolamento para por em palavras os insights. Às vezes, nem é aqui. É no papel mesmo porque como ex jornalista vintage, adoro um bloquinho e o cheiro deles.
Não caio de amores só por material impresso em branco. Tenho uma curiosidade e vontade de fazer cursos que não cabe em mim. A maturidade e a própria educação me ajudaram a focar - era isso ou uma porcentagem ínfima de aumento anual referente à inflação. Às vezes ainda namoro um curso nonsense na conjuntura atual: dublagem, roteiro, interpretação para cinema, pedagoginga ou pedagogia da encruzilhada. É quando uma remanescência dos pragmáticos dos meus pais que habita em mim cutuca minha mente inquieta: vai ganhar esse prêmio consolação aí até quando? Com esses chacoalhões da vida e da família, cheguei à segunda pós do teatro do oprimido/ psicologia social e ao programa Diversitas de estudos da diversidade, intolerância e conflitos da FFLCH/ USP. Sim,é muita cabeçudice pra uma arte educadora só. Mas ambas pesquisas nasceram das minhas práticas. Como alguém mão na massa, não daria conta de pesquisar só teoria. E como sempre batalhei por trabalhos significativos, o efeito colateral é que só estudo o que gosto. E pesquisar o que se adora vira auto conhecimento "faca de dois gumes" - nós já temos noção do que cicatriza cada dor, mas também há comprovação de que tudo que se conhece implica na perda de um paraíso. Em tempos de isolamento eu sei retrabalhar meus mal estar artisticamente, mas também desconfio que levar em consideração o contexto  que vivem meus estudantes ou colegas de trabalho trava lá no chão de escola quando procuramos ajudá-los de forma paupável. Além de nessa altura do campeonato desconfiar que a educação formal tenha me sequestrado o prazer de estudar porque descobrir interesses é meio viciante - como todo viciado que se preze, tenho abstinência de estudar por estudar, sem pagar de maníaca dos certificados.
Pra quem tem essa mente hiperativa os exercícios ajudam voltar ao corpo. Tenho caminhado onde moro e talvez pela 2a vez na vida, vejo surgir uma gratidão por viver aqui, já que os jardins e a distância ajudam não prejudicar o confinamento - além dos vizinhos se afastarem quando nos cruzamos, com tanto receio quanto eu com relação à Covid 19. Acesso vídeos de dança, tai chi, pilates, yoga e alguma live de dança, dependendo do humor e ânimo do dia. Suar me desacelera e uma das descobertas da quarentena seja de que dançar em casa não dá vergonha de ser descoordenada. Tenho exercitado também fazer 15, 30 min diários quando estou borocoxô feito semana passada.
Ainda é muita coisa? Para quem costuma viver no ritmo dum trem bala, passando por paisagens deslumbrantes, mas vendo tudo borrado é um baita avanço - vai por mim! Penso que se não estou afogada com filhos e trabalho feito amigas mãe ou num home office insano, posso passar esta temporada enxergando a ocasião como sabático sem grana, nem possibilidade de sair. O maravilhamento atual é que férias sem grana me emputeciam porque sou a sagitariana doida das viagens, mas no isolamento tenho curtido inventar o que fazer, intercalando com algum trabalho - com consciências de que é um privilégio e que com asma não posso ir pra linha de frente dos trabalhos solidários. Para quem é elétrica, inventar muita coisa é meio pinga: não conseguiria ficar só no sofá e acho falta de imaginação tédio entre privilegiados. Para minha personalidade e transtorno, fazer de cinco a três coisas em casa já é uma melhora inacreditável. Claro que não conto cozinhar ou arrumar o apê - isso não tem escapatória, mas já comemorei me mimar com comida na contramão do fast food, me diverti limpando altar, brinquei dando um tapa nos móveis e ainda fiz faxina pedagógica: é surreal não darmos conta da nossa limpeza, chamar a diarista que limpa o prédio e inaceitável que parece que sempre haverá quem precise disso. Em tempo: a paguei para não vir no começo, mas há perspectiva da verba minguar, não voltarmos e precisar de alguma reserva.
Brinquei quanto ao sabático, mas lá nos colégios nos demandaram planejamentos - que fizemos sobre nuvens, sem ideia de em que nos basear, já que não temos ideia do retorno, reposição ou como redesenharão o avariado calendário escolar. Também solicitaram atividades - para o site não deu certo, pois demandava direitos autorais, trabalho muito vídeo da internet e com alguns o levantamento disso complica. Mas as mandei para os alunos nos zaps das salas, com a intenção de propor mais arte terapia, já que estava mais ansiosos que nós e sem o que recorremos contra as perturbações do confinamento. Percebi que tinham dificuldade pra entrar na página da prefeitura, que só tinha exercícios escritos, imagine para o que programei, cheio de vídeos? Quando enviei o site do museu da região de ciências, com atividades na página, outra aprendiz quis saber o que aluno sem internet faz. Para educação pública, ensinar EAD é milagre de Fátima, não é viável na realidade em que as turmas vivem. Saio disso com gratidões que não lembro de ter conscientizado pela água, Internet, saneamento, não ter violência em casa, possibilidade do auto cuidado, pelos estudos possibilitarem me expressar e abrir minha mente, pela religiosidade não picareta me devolver a paz interior que o sistema me saqueou e - quem diria - até pela Netflix. Ok, parte do sistema às vezes é necessário.
Desconfio ainda que possa ainda voltar ao tratamento questionando se tenho mesmo bipolaridade mesmo.
Por hora, parafraseando a bíblia, que a ti te baste um questionamento por dia.

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