sábado, 18 de fevereiro de 2017

Carta ao meu Avô

Vô há dias e dias venho sentindo que preciso te escrever. Passamos anos e anos
Não sou eu com vô: este é meu primo IRMÃO
trocando cartas, comecei a sentir falta desse costume antigo e dum laço inesquecível. Queria te contar que não sou mais jornalista vô. Tem um ano pelo menos que desmamei oficial e profissionalmente dele. Também tem tanto tempo que não te envio notícias, as novidades se acumularam. Vozinho agora dou aulas, mais ou menos como mãe fez na escola rural lá no norte do Paraná, lembra? É, antes dela vir com meu pai pra São Paulo. Digo mais ou menos porque ela alfabetizava (o que acho uma atitude nobre, mas que provavelmente não é o que faria melhor). Na verdade dou aulas de artes. Da história de pintores, os estimulo a fazer teatro, conto histórias, levo documentários sobre dança, faço cantar um pouco, mostro que vídeo, foto e performance também são arte e por aí vai. Vô acredita que não consigo mais sentir saudade do jornalismo? Quando fui assessora de imprensa sentia falta, confesso. Mas agora que pude sair de trás dos computadores e explorar o quanto sou elétrica em sala de aula para acordar meus estudantes do Ensino de Jovens e Adultos... Voltar a cobrir tragédias (um modo de fazer jornalismo que quem questionava na minha época não era ouvido) não faz mais sentido. É verdade que agora há os que cobrem manifestações, dão o lado dos estudantes e trabalhadores... Mas quando eles chegaram pra transformar a grande imprensa na velha mídia, eu já tinha brochado irreversivelmente com a comunicação. O bacana de te contar vô, deixando o jornalismo para lá, é que nas minhas salas tem estudantes de 15 a 60 anos. E a terceira idade (acho um pouco hipócrita chamar de melhor idade) dá o maior valor ao que pesquisamos, contamos, é bem gratificante. Pena que alguns não curtam muito a parte prática das aulas vô. Alguns são apegados à ideia da aula tradicionalzona copiando da lousa. Bom, não sei ser esta professora vô. Empurro carteira, levo para o pátio, faço usar o corpo, ressuscitar a criatividade, fazer aula no pátio, interagir com os colegas de turma, ir para a biblioteca, ouvirem histórias, conferirem vídeos no projetor... E o incrível vô é descobrir que os jovens que alguns colegas acham "inagradáveis" caem de amores pelas aulas de jogos teatrais, elogiam no reencontro e também me apaixono por eles. Mas não é só vô. Também estou contando histórias em parques, aniversários, inaugurações, lançamentos, feiras literárias, comemorações, formações, centros culturais, teatros, praças, livrarias, bibliotecas... Vô também posso ser brincalhona, exagerada, apaixonada por literatura, brincar com as crianças, explorar elementos de cena, cantar, colocar o público na história fazendo isso... Vô como vivi longe disso um tempão? É bem verdade que o teatro foi me preparando para isso. Estudar apresentação, locução, reportagem de TV, videorreportagem, interpretação para comunicadores também. Nossa vô quem me ensinou a ser maníaca por estudar? Ah, mãe falava que você dizia que ninguém tira o que aprendemos. Parece que os judeus também dizem isso. Ah vô isso não é tudo. Escrevi um livro infantil! Isso certamente foi você que me ensinou. Também publiquei uns versos, crônica, conto, trecho de peça meus em coletâneas. Ainda mantemos aqui suas memórias sobre o pioneirismo da família no norte do Paraná, nossos parentescos entre tantos primos casados que você levantou. Porém eu e minha mãe não demos conta de acabar de ler. Paramos para chorar. Foi mal vô. Ei vô também estou fazendo projetos culturais: formei professores infantis em literatura, contei histórias entre os índios argentinos, pedimos que enviassem as histórias deles e publicamos uma coletânea, cobri as mesas redondas do XV Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas, porque contava histórias da cultura oral para meus estudantes, mas quis ver folia de Reis, dança da lenda do boi... Nesta altura do campeonato tive curiosidade: vô qual era a cultura popular do norte do Paraná? A avó contava quais eram as manifestações do interior de São Paulo? E vô na pós da arte de contar histórias descobri que na nossa família embora não tivemos contação de histórias literariamente fantásticas, ouvi muitas histórias reais! Ah sim vô, a carta é para agradecer porque minha imaginação, paixão pela escrita, estudar, ensinar aprendendo, criatividade, pesquisa, persistência, auto reinvenção, gostosura de prosear com os outros... Vêm das tardes, noites e férias na sua casa, do cheiro de café, terra vermelha e chuva, te vendo escrever, estudar informalmente, levantar nossa árvore genealógica gerações atrás, caçar os amigos e parentes pelo auxílio à lista telefônico e te ver encontrar e conversar tão deliciosamente com as pessoas. Acho que quis te escrever porque entendi que tinha papelzinho seu aí. Podia ter a impressão que foi tarde demais né? Já nem consigo enviar este escrito. Mas sempre que caio nestas impressões ruins, lembro da minha mãe contando que cantei pra você no hospital -  ah vô contei história lá também - e fico bem, porque não lembrava disso, mas conectei contigo do jeito que mais combina com o que amo. E no fim das contas, acredito que os que amam  estão sempre conectados.

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