sábado, 25 de fevereiro de 2017

Onde e porque o feminino se tornou abjeto em mim?

Mergulhar na oficina do feminino abjeto com Janaína Leite, do grupo XIX de teatro, na Vila Maria Zélia, tem sido arrebatador desde o teste. Já de saída, ouvir a experiência das futuras participantes, traumas, abusos, revoltas, como criaram textos ou imagens que conectassem com o tema foi tão terapêutico para meu feminino que na volta meu namorado ligou para avisar que sairia com os amigos mais tarde e como chorava no meio da condução, achou melhor me rever mais cedo.
Cena Hoje Eu Recebi Flores, com Klaviany Cozy
Não que chorar invalide ou fomente o processo, de forma alguma. Sempre atuei militando nisso, no Movimento de Mulheres do Heliópolis, inclusive artisticamente. Mas passar pelo processo pela escuta, troca, partilha tem outra potência. Minha crise de correr da maternidade por um tempão, querer agora mais velha porque levou 20 anos para encontrar um namorado parceiro, se reconhecer cansada demais, admitir que trabalhar dia e noite empate este desejo, o companheiro não se animar muito com a ideia, as opções zero de creches para quem trabalha à noite, percebendo realistamente o trabalho todo e sentindo que teria saudade braba de estudar, atuar para se jogar na necessária temporada abastecimento-troca-fazer dormir-arrotar uma criança se assenta entre os trabalhos criativos, conversas com as amigas e terapeuta, certamente com a ajudazinha da oficina. Não é porque sou cabeçuda com isso que deixa de doer. Como as amigas e primas passam por outros grilos emocionais e psicológicos, esta dor é "minha só não é de mais ninguém", como canta Marisa Monte. E nem me toquei que tudo isso viria à tona, com colegas em momentos diferentes com relação ao feminino, mas todos honestões como eu, então é um espelhamento caprichado.
No primeiro reeencontro saí percebendo o feminino abjeto em mim - porque pra gente da militância feminista é mais fácil apontar a rejeição ao feminino da sociedade. Cismei que corri da maternidade porque mergulhando nela teria que encarar tudo que é aflitivo: amamentar, parar a vidar, fazer ê um diário nosso adolescente. Éramos românticas. Você foi pé no chão: o jornalismo não colaborava, os antigos parceiros também não. Isso não foi exclusivamente seu. A sociedade não acolhe o feminino e você foi realista, Ela sabe o quanto amo antropologia e traz as aulas que tem descoberto na especialização da Federal do ABC: "instinto materno é criado pela sociedade". Por este olhar, o relógio biológico também não deve existir. O que é vontade minha de parir e o que a sociedade entubou em mim? Difícil identificar. Pelo budismo, posso desconstruir. Mas é uma labuta de queimar os neurônios.
Atuação cênica no Movimento de Mulheres do Heliópolis
crescer, pausar significativamente estudos e trabalho... Bendita a irmã historiadora cortando minhas viagens "podicrê" via What´s Up: l
Como diria Hel Mother, está tudo bem. Sim, fiz maratona dela. Curativo. Recomendo para dores de não mães tardias. Quando este mal estar bate feio também visito amigas enlouquecendo com filhos. Apazigua um pouco também.
No segundo encontro entendi que quando minha mãe dizia "não tenham filhos porque é uma preocupação muito grande para o resto da vida" estava falando da maternidade e não de mim. Era óbvio, mas na minha filhauniquice achava que estava reclamando de mim. Minha mãe disse a vida toda "aconteça o que acontecer, nunca pare de trabalhar". Talvez levei a sério demais. Mas não por egoísmo como a sociedade faz querer parecer. Ao que tudo indica é o que faço de melhor mesmo.
Há semanas ouvíamos os colegas de oficina falarem de como nasceram. Dos mais velhos era gritante a solidão das mães. Uma dizia que "naquele tempo era assim, os pais não paravam de trabalhar nem para ver os filhos nascerem". E nesta última semana, como disse nossa diretora "depois que todos nascermos, tomaremos café" e partilhamos muitas percepções em roda. Experiências fortes, muito tocantes, algumas até chocantemente sinceras foram dividas. Festejaram meu bolo de beterraba: me espantei, mas ainda estranho ficar à vontade numa função da qual sempre corri. Minha irmã lembrou que festejaram meu arroz com leite de coco e damasco no Natal. Minha mãe nunca deu espaço para nada em seu território sagrado da cozinha, ainda hoje me perco nas minhas experimentações culinárias. Talvez tenha sido estragada, mas nem todo mimado passou por este processo voluntariamente. Quem é da família ou íntimo já me acompanhou tentar cortar super proteção familiar no grito e na civilidade. Como nada funciona, nos últimos tempos tenho relaxado e deixado que façam as trocentas ajudas me me entucham, Meus pais viraram crianças da terceira idade: também não sei como lidar, porque requer uma paciência que não desenvolvi com a maternidade. Às
Experimentação do monólogo Porque que A Gente Deixa?
vezes brinco que devia poder bater como fizeram comigo pequena porque são os rebeldes anti tratamento e remédio. Mas já cheguei na fase de tirar sarro:
- E aí o seguro é bom? Já que estão se matando, queria saber porque é um tal de pururuca e pinga com tratamento de pressão alta e diabetes que vou te contar!
Voltando á oficina (muito embora esteja tudo muito interligado), esta semana a professora mostrou seus vídeos de parto, contou de seus processos familiares... Em meio à tanto choro, TPM, vídeo da Hel, prosa com amigos e terapia, cheguei à conclusão de que não tive filho porque não sou forte para isso. Mas sou para outras coisas. E muito a contragosto admito que estar em paz com isso não é permanente porque esta sociedade maravilhosa, como classificaria Hel, não colabora. Passei mal de enjoo recentemente, parente tem que vir perguntar se não estou grávida. Mas depois sou julgada quando fico com a impressão de que quem nunca gostou, falou ou lidou bem com criança terá um e eu que sempre adorei, não. Minha irmã acha que só quero um bebê, não um filho porque me angustio de saber que se transformará em adolescente. É o estrago de terceirizar nosso instinto maternal com a educação. Meu companheiro acha que penso em resolver algo ligado à infância com a gravidez, porque nem o pós parto me psiquiatra Lucy no desenho Snoopy: cobrou R$ 10 pela consulta super sônica. Por mais cabeçóide que isso tudo soe, consigo me curar de mim e não - porque estamos estudando a performer Angélica Liddell e seu texto Lesões Incompatíveis com a Vida e aquelas impressões niilistas do ser humano e maternidade são dilacerantes. Conferir trechos de suas apresentações no fim de semana me fez sentir completamente ignorante. Um salve a todas mães e não mães estupidamente sinceras, que estão ajudando a expor nossas feridas, forçar entender nossas dores e - até isso - analisar nossas maluquices.
Criação a partir das partilhas femininas
anima.
E deu uma de
Faço parte duma geração que sempre ouviu as mães incentivar estudar, trabalhar e atualmente estou como muitas amigas jornalêras da velha guarda, meio donas de casa forçadas, freelas, professoras meio período como eu, tradutoras, acadêmicas, sem ter ideia de como lidar com essa casa que nunca para de dar trabalho e nunca nos rende nada. Olhar para isso artisticamente certamente ajudará com as novas tarefas da oficina: levar uma roupa e uma ação. Ser mulher é transformador, sensível, doído e tantas vezes tachado como histérico. Vivendo duplas ou triplas jornadas nada temos de louca e sim exaustas. Vai uma louça aí? Você pode lidar com o feminino adorável mais aliviado...

Nenhum comentário:

Postar um comentário