Ganhou uma casa dos pais. Está inscrita no Livro dos Privilégios capítulo 6, página 4, no qual começar desse favorável ponto de partida permite brincar com o pai que pode fazer o que gosta, ter que ouvir que ele tomará a casa, já que ela se recusa ser bilheteira do metrô e fazer arte nas horas vagas e ainda retrucar que ele não pode, porque ela pagou a papelada em nome dela. É respondona. Foi a forma que encontrou de não brigar com o pai dando cadeirada feito as tias ou ser proibida de fazer ou ir em tudo que quer, feito a mãe e desistir do que está a fim por machismo. A mãe já é boa demais pra ser verdade. Diz a psicologia que a mãe ideal nos obriga a ser filhas pra sempre. Ela tem recusado esse papel, ainda que a depre da mãe não retroceda há três anos, desde a aposentadoria. Às vezes se magoa de ter seguido o que a progenitora dizia, pra nao ter filhos que é uma preocupação muito grande pro resto da vida, mas quando fez uma oficina cênica do feminino e estudou doula, achou a vida muito sabia de poupa-la da maternidade. Não teve irmãos. Na infância quis, mas também brincou tanto com os primos que desencanou. Brincou o suficiente pra ser abusada por dois deles, tomar bronca e apanhar, mesmo sem saber o que acontecia e se chocar porque desconfiava que havia algo de errado com aquilo. Pobre mãe, sempre deixando o pai atravessar o samba violentamente, sem conseguir defende-la, porque afinal o que seria duma mulher do interior na cidade grande sem o marido, primo casca grossa? Mesmo ganhando mais que ele? Dependência emocional é um inferno. E a que conta essa história herdou dum o jeito meio cachorro lambão de amar e do outro, o modo pé na porta de se posicionar, com uma pré disposição sagitariana de morrer quando abre a boca e uma risada de derrubar as pessoas da janela. Como diria um mestre teatral, a gente põe o pé pra fora da barriga e já se contradiz. Mas chega de falar de família, porque já terá overdose dela no Natal.
Capítulo 7 do livro dos privilégios: teve nove namorados e perdeu a conta dos bilaus amigos, de todas as espécies: o da adolescência, machista e homofóbico, do qual se conscientizou só madura, apesar de feminista leiga desde adolescente; o maníaco que até ganhou manchete de jornal; os negoes comunitários que vieram servir à comunidade feminina sem abrir o jogo; artistas mais sensíveis que ela mesma; o que queria ter filhos e a assustou já de saída; o traidor que engravidou a amante na depressão dela; o geminiano que falava mais que ela; o professor de yoga que virou reaça sem constrangimento, o tiozinho aventureiro meio cagao e finalmente o companheiro budista mais novo. Enumera só pra contar que é bissexual não praticante e que as excessões aos imaturos traumatizantes não completam meia dúzia no mercado amoroso. Já chorou mais do que mereciam em verso e prosa e até publicou. Os privilégios aqui foram nunca ter sido estuprada, nem apanhado ou ter sido roubada. Chega de drama amoroso por hoje.
Capítulo 8 da mesma tragicomédia: tem uma coleção de ex chefes jornalistas do naipe O Diabo Veste Prada. O suficiente pra ter ranço que se pagam bem, boa parte da verba terá que ir pra terapia, yoga, massagem ou retiros, pra não pirar. Com ela foi assim por 18 anos. Valeu a pena viajar, conhecer os amigos, fazer perguntas desaforadas, ser reconhecida pela voz, se encantar por assuntos inimagináveis, ganhar ingressos, se conscientizar, ganhar livros, almocar bem, cair de amores por trabalhos social, cultural e educativo. Mas foram tantos os plantões, reconhecimento baixo e insônias que terminou depre. E aqui, foi a família invasiva que ajudou nos seis meses chorando, com preguiça de viver e depois nos três anos frelando e cozinhando enquanto o jornalismo agonizava, enquanto profissiolizava a contação de histórias que fazia desde a infância. Dessa transiçao, foi pra educação, na qual inesperadamente, pode ser humana e briguenta. Entre uma pauleira e outra, teve transição apertada como atriz, na qual pode viver muitas vidas, tão diferentes das dela. Conseguiu continuar como produtora cultural e escritora. Ah, as publicações...! Os filhos que demoram a pegar estrada, mas fica feliz quando ganham o mundo.
Capítulo 9 da coletânea de sofrimentos gourmet: busca o caminho do meio com terapias alternativas, tratamentos espirituais por trocas, se movimenta, é ativista, come mais ou menos bem e viaja. Ah, como se meteu a viajar fazendo quase tudo por permutas e com duas férias por ano! Sacou com juros e correção monetária o quanto não pode ficar centrada com o pé na estrada no jornalismo.
Mas porque ela lista sua vivências nesse compilado de privilegios? Pra admitir que se aborrece com os amigos chorando problemas gourmet porque também tem. E pra se constranger enchendo os ouvidos das parceiras de "literapia" com white's peoples problems. Mas com elas aprendeu a não pedir mais desculpa.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
domingo, 9 de setembro de 2018
A ponto de comer o hidratante
Nunca foi boa em dietas. Sempre praticava mais dias de enfiar o pé na jaca e sair do controle do que disciplinados. Por décadas foi a rainha da cólica de intestino e nuns exames já meio produzidos pra dar esse resultado, descobriu uma intoleranciazinha, mas estranhava que mesmo em temporadas de abstinência do queijo, as dores batiam ponto. Até que ouviu a nutricionista, fez umas experiências, tirou o glúten, quando distraiu e colocou de novo na alimentação... Não só rolou da velha cólica como voltou a ter dor de estômago. Tirando o glúten o corpo ia ficando em paz de novo, mesmo quando enfiava o pé na jaca com os derivados de leite. Pronto, era isso o glúten. Foi quando ela, que já não comia carne há uma década, se sentiu naquele pesadelo em que desconfiou que fosse parar caso virasse vegana: não é possível se confraternizar com mais ninguém. O vento, o ar, a água e a terra têm glúten. Nunca se ligou como era viciada em pães, bolos, bolachas e que comia muito na rua devido a isso. Já está quase feito drogada:
- Estou há quase uma semana e meia sem glúten! Só por hoje!
Sente aquela irritação sem fim de quem não pode comer 2939212384134 coisas, mas quer todas. Vai tomar banho e quer comer o hidratante, tão cheiroso aquele creme. Certeza que é para a pele?
Volta à infância. Vai encontrar amigos e carrega lancheirinha: abre sua boia particular sem glúten. Como diversas vezes não tem gosto, faz um exercício budista para não dar na cara o quanto a adaptação a irrita profundamente.
Comprou pães sem glúten, sem lactose... Desenvolveu uma teoria:
- O pão que o diabo amassou é sem glúten! Veja que embalagem simpática: "ainda mais gostoso se aquecido". Só é comível aquecido. Caso contrário, nem sola de sapato não deve ser tão ruim.
Acha a vida fanfarrona. Agora que uma parte significativa da civilização se adaptou aos vegetarianos, não encontra mais nada em lanchonete, bar, restaurante, boteco, nem cafeteria do Sesc sem glúten. Sorri com fome e pede uma água de coco. Ou um açaí. Neste frio, o estômago segue com fome. Está feito modelo bulímica: cheirando o que não pode mais comer.
E na cozinha então? Agora que tinha chegado ao nível comível cozinhando sem carne, tem vontade de levantar, chamar o encarregado, reclamar da comida... Então se lembra que ela mesma é que fez, engole, mas sonha com um doce ou salgado que se pensar muito, é capaz de também dar reação.
O marido começou estranhar uns sumiços em casa..
- Viu meu creme de barbear?
- Comi.
- Mas você não passou mal?
- Ah deu um piriri, mas super de boas pra quem não tem mais cólica de intestino, nem dor de estômago.
Preocupado, deu cabo de todo arsenal cheiroso feminino: hidratante, creme de cabelo, para as mãos, os pés.
Ultimamente os amigos têm estranhado seu sumiço.
Mas está numa empreitada terapêutica empreendedora: criou os intolerantes anônimos. Tem ouvido muitas noites, de outros irritados feito ela:
- Olá meu nome é Antônio e já estou há um mês sem glúten.
- Boa noite Antônio - devem responder todos em coro.
Será esta a tal síndrome do intestino irritado?
Não querem saber. Estão se organizando para descobrir quais cremes farão menos estragos caso desapareçam com eles dos banheiros de casas, furem a dieta e comam qualquer coisa cheirosa para pele que não tenha glúten.
Esperamos que sobrevivam.
- Estou há quase uma semana e meia sem glúten! Só por hoje!
Sente aquela irritação sem fim de quem não pode comer 2939212384134 coisas, mas quer todas. Vai tomar banho e quer comer o hidratante, tão cheiroso aquele creme. Certeza que é para a pele?
Volta à infância. Vai encontrar amigos e carrega lancheirinha: abre sua boia particular sem glúten. Como diversas vezes não tem gosto, faz um exercício budista para não dar na cara o quanto a adaptação a irrita profundamente.
Comprou pães sem glúten, sem lactose... Desenvolveu uma teoria:
- O pão que o diabo amassou é sem glúten! Veja que embalagem simpática: "ainda mais gostoso se aquecido". Só é comível aquecido. Caso contrário, nem sola de sapato não deve ser tão ruim.
Acha a vida fanfarrona. Agora que uma parte significativa da civilização se adaptou aos vegetarianos, não encontra mais nada em lanchonete, bar, restaurante, boteco, nem cafeteria do Sesc sem glúten. Sorri com fome e pede uma água de coco. Ou um açaí. Neste frio, o estômago segue com fome. Está feito modelo bulímica: cheirando o que não pode mais comer.
E na cozinha então? Agora que tinha chegado ao nível comível cozinhando sem carne, tem vontade de levantar, chamar o encarregado, reclamar da comida... Então se lembra que ela mesma é que fez, engole, mas sonha com um doce ou salgado que se pensar muito, é capaz de também dar reação.
O marido começou estranhar uns sumiços em casa..
- Viu meu creme de barbear?
- Comi.
- Mas você não passou mal?
- Ah deu um piriri, mas super de boas pra quem não tem mais cólica de intestino, nem dor de estômago.
Preocupado, deu cabo de todo arsenal cheiroso feminino: hidratante, creme de cabelo, para as mãos, os pés.
Ultimamente os amigos têm estranhado seu sumiço.
Mas está numa empreitada terapêutica empreendedora: criou os intolerantes anônimos. Tem ouvido muitas noites, de outros irritados feito ela:
- Olá meu nome é Antônio e já estou há um mês sem glúten.
- Boa noite Antônio - devem responder todos em coro.
Será esta a tal síndrome do intestino irritado?
Não querem saber. Estão se organizando para descobrir quais cremes farão menos estragos caso desapareçam com eles dos banheiros de casas, furem a dieta e comam qualquer coisa cheirosa para pele que não tenha glúten.
Esperamos que sobrevivam.
A TPM me mantém em cativeiro
Baixei um aplicativo porque sou tão de humanas que erro até as contas do ciclo menstrual. A questão é que até esse programinha pra celular é machista: avisa meu período fértil, mas a chegada da TPM não. Resultado: na última descompensação hormonal mantive o encarregado da fábrica de chocolate Pan como refém. Porque essa indústria? Bom, é a mais próxima de casa e a única que todo dia faz um saldão estilo industriais vendem tudo. Ameaça fechar, mas já está há décadas deixando o bairro Santa Paula, em São Caetano com cheiro de chocolate no ar. Bom, exigia de resgate a produção da semana. Sim, somente sete dias no mês "quero mudar de sexo, cruzar a fronteira, deixar os amigos do trabalho falando sozinhos, sair pra comprar cigarros, eles lembrarem que não fumo, não entenderem nada e eu sumir sem deixar rastro". Daí que enviaram a guarda municipal para negociar quando no auge da última TPM exigia 1/4 do carregamento de chocolate mensal da fábrica vizinha como resgate do funcionário que sequestrei. A policial, também de TPM, exigiu meia produção do resgate que pedia para limpar minha barra, já que sou professora e meu surto não pegaria bem entre os funcionários públicos locais. A dona da fábrica, já na menopausa, avisou que não cederia, mas sua marqueteira, também "hormonalmente descompensada", botou panos quentes oferecendo um meio termo de 1/32 da produção que demandava, mas como contrapartida do preju eu e a policial municipal teríamos que gravar testemunhais do poder do chocolate contra a TPM. Nisso a PM atravessou o samba das negociações e eles, que não são conhecidos por bater antes de entrar, cortou abruptamente esta intrincada negociação e... Bom, agora escrevemos de trás das grades mesmo. Eu e a policial civil pedimos compaixão das manas feministas, doação de chocolates e... Bem, uma advogada que entendesse particularidades feministas também seria bem vinda... Dizem até que temos atenuante de pena quando perdemos a cabeça no auge da TPM...
sexta-feira, 27 de julho de 2018
Cerrado e eu: um caso de amor
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as férias se descarando na minha fuça |
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os generosos indígenas nos convidavam a dançar e cantar com eles |
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meditei pelas cachoeiras |
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esse canto subia e emocionava os caminhantes lá em cima |
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já destruída de abusar de mim mesma |
Nos dois dias seguintes passei horas em trilhas e micro escaladas pelas cachoeiras Almécegas I e II, São Bento, Santa Bárbara, Barbarinha e joguei a toalha na Capivara, já sem perna, $, sol e ânimo para "praticamente gravar um Lost na mata do cerrado". Nas primeiras, fiquei muito grata de poder andar, ver, mergulhar e boiar naquele banho de natureza que precisava (lembrei de crianças eternamente internadas que o Fê já contou histórias na Santa Casa). Sim, o cagaço foi embora. Pode ser inclusive que ele fosse de histórias pesadas familiares dos proprietários de parte das terras me contaminando..Vai saber? Depois da "overdose esquisotérica" de Goiás, não duvido de mais nada. Uma passarinhada típica local nos cumprimentou entre as trilhas e o albergue - tucanos, araras... Estava bom pro meu pai curtir, doido por eles! As flores do Cerrado, das mais diversas cores, nos davam uma pena da suspeita de algumas pessoas da região, de que o incêndio do ano passado tenha mesmo sido proposital (os poderosos locais parecem gostar mais dos empresários que dos turistas ecochatos)... Vi que por não ter muito contato com natureza em Sampa, chego no interior e quero ter dar conta de mais do que o corpo consegue... Resultado no quinto, sexto dia já tive que pegar leve com a perna doendo e sem $. Mas no quarto dia de vai e vem
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não era nem o gelo que me congelava e sim não enxergar distância das pedras nos pés |
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comi essas flores azedinhas... |
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por do sol na Aldeia Multiétnica: como resistir? |
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sem entender o guia quilombola numa das trilhas, caí de amores pela literatura deles |
sábado, 19 de maio de 2018
Há TPMs que "nos têm"
Em maio, uma TPM me teve. Foi nesta proporção mesmo. Não sei se um mix de problemas pequenos que se somaram e ganharam um peso maior, se quando não sofremos disso "xóvens" recebemos o mal estar com juros e correção monetária na fase... Digamos "maduras, quase caindo da árvore" ou há meses em que perdemos o pé e piramos no modo "angústia/ ansiedade descontrol". Afastem-se todos! Nem o aplicativo menstrual ajudou. Aliás, a esmagadora maioria deles avisa o período fértil. Só quero saber quando me esconder do universo porque está Tenso Pacas Mesmo. Ou pra conseguir isso tenho que passar meses informando estado de espírito, ânimo, alimentação, sono, disposição, exercício e vida sexual? Tecnologiazinha enxerida... O remédio antroposófico que já me deu a graça de passar pelo ciclo todo como se nada tivesse acontecendo, este mês não fez cócegas. Quis cruzar a fronteira, mudar de sexo, separar, jogar tudo pro alto, tive a sensação que a deprê fugiria comigo em desembestada carreira, como a fuga dos bandidos é descrita em entrevistas do programa do Datena. Mesmo depois de menstruar passei uns diazinhos do cão ainda. Geralmente vem e o mal estar emocional escorre modess abaixo, assim que desce. Apesar de ser feminista, conhecer os perigos da pílula, ter circulado nos círculos de mulheres badauês, tenho cogitado fortemente voltar a tomar anticoncepcional, emendar cartela e fugir disso. É injusto sermos reféns dos hormônios, nem usaremos mais eles! Uma noite nem fui trabalhar, parecia que ia descer e meu quadril cairia, de tanta dor no fim das costas. Cólica não tenho desde adolescente (ah, que ciclo tão gracioso, me poupando delas), mas a lombar vira um pesadelo acordada. Isso tudo bem quando comecei as danças brasileiras no Centro de Danças de Santo André e eu em dúvida se o fim das costas me arrebantava porque estava voltando à rotina de me exercitar três vezes por semana madura, quase caindo do galho ou porque ia descer. Quando desceu e em alguns dias a deprê não passou, quase liguei ao CVV. Tenho sonhado acordada em voltar à ginecologista natureba que me ajudou com fitoterápico a sair da pílula anos e anos atrás. Com esse veneninho hormonal diminuí meus ciclos de 1/3 vazando décadas e décadas atrás. Será que tem solução riponga pra TPM "do capiroto"? No nervo e proseando com amigas gringas em situação similar, pesquisei a geleia real. A primeira que encontrei, em embalagem minúscula, pensei que era produzida por apicultores albinos, na remanescente da Mata Atlântica e ouvindo Mozart, de tão cara! Depois encontrei as pílulas compráveis. E quando vamos comentar sobre a Tá Pra Morrer com umas almas insensíveis que praticamente debocham "nunca tive, não é da nossa época, coisa de 'xóvem'"... Rapaziada a gente tem até desconto na pena quando cometemos crime em TPM! Tô achando que é o caso de produzir um stand up sobre isso. Único jeito de capitalizar a dita cuja...
sexta-feira, 18 de maio de 2018
A Busca de um Corpo Extraordinário
Há duas semana as danças brasileiras me carregam pelo coração no Centro de Danças de Santo André. Namorava com estes ritmos há tempos, em oficinas do Sesc, aulas abertas de ONGs e curso do Instituto Brincante. Mas conseguindo uma das vagas gratuitas neste espaço do ABC, a possibilidade das apresentações no fim do ano aqueceu meu peito nesta época de retorno do frio. Dancei em cena no ensino médio (que na minha época chamava-se colegial), quando descobri que educação física podia ser lúdica, a criação com colegas de classe, encantadora e a troca com o público, inebriante. Apresentações alimentam esta gente de teatro como eu. Para mim, voltar à dança é sempre um movimento "porque demorou tanto pra voltar"? Ah, o trabalho, estudos, dores, distância, falta de grana, cansaço... Sempre o mundo nos apartando de nossas paixões inveteradas. Mas aos quarentinha percebi que se esperar o corpo dar trégua, não retorno aos exercícios que me alimentam. A última semana foi sofrida, mais por TPM que devido à lombar ou ao quanto o corpo estava enferrujado, já que vinha praticando pilates pra "rainha da coluna" (como diria a atriz Georgete Fadel) e natação pra asma, porém ambos com movimentos tão díspares da dança, fora a água segurando a bronca do impacto.
Temos experimentado as danças afro brasileiras. Nenhum movimento ao qual nossos membros estão habituados. Tem um quê de ancestral nas descobertas, música e coletividade. Quarta vivenciamos a água de Oxum. Nesta sexta a exigência dos joelhos, agachamentos, pulos foram me dando um cagaço. Depois de umas décadas não só nosso psicológico tem seus traumas. Ano passado senti o joelho durante o caboclinho lá no instituto do Antônio Nóbrega. Mas lá para as tantas, senti que de fato buscávamos um corpo extraordinário, que tantas senhorinhas em cena comigo não estavam se colocando travas, quem sabe não era o caso de se permitir, se jogar ou se provocar? O corpo inédito é um salto no desfiladeiro. Não é porque tenho imaginação literária que tenho a corporal provocada pela professora Cris Santos. É um jogo, uma criação em conjunto de imagens, uns giros didáticos, um sentir este corpo que pode, uma procura de uma expressividade que se perdeu, mas o corpo tem memória e evoca percursos. Vimos e experienciamos mãos de mel, pés no barro, bacia que se deslocava como água, músicas até mais caribenhas que africanas e fomos encontrando este território expressivo que é mágico - e não dói. Estávamos entre linóleo e colegas. Mas fomos criando, sentindo e expressando o que a professora conduziu. E foi potente!
Os relaxamentos extrapolam tanto os cênicos! A gente nem reconhece mais a tensão que se apegou aos nossos músculos e articulações. Preciso que façam os dois lados pra sentir o corpo mais entregue andando pelo espaço, perceber meio lado trabalhado por parceiros de cena ainda não consigo.
Há várias educadoras na minha turma. Os alunos podem ganhar com isso: ao menos no EJA II de Santo André nem arte educador dançarino temos. Mas parece leveza, movimento, desprendimento, destravamento demais para as aulas curtas que temos. Já se avizinha no horizonte possíveis festas juninas escolares. Vamos sentindo o que é possível.
Fora que ocupar os espaços culturais santoandreenses é político. Temos que nos engajar, apropriar e valorizar. A iniciativa pública periodicamente tenta sucatear todas escolas livres locais. Mas nós resistimos dançando!
Temos experimentado as danças afro brasileiras. Nenhum movimento ao qual nossos membros estão habituados. Tem um quê de ancestral nas descobertas, música e coletividade. Quarta vivenciamos a água de Oxum. Nesta sexta a exigência dos joelhos, agachamentos, pulos foram me dando um cagaço. Depois de umas décadas não só nosso psicológico tem seus traumas. Ano passado senti o joelho durante o caboclinho lá no instituto do Antônio Nóbrega. Mas lá para as tantas, senti que de fato buscávamos um corpo extraordinário, que tantas senhorinhas em cena comigo não estavam se colocando travas, quem sabe não era o caso de se permitir, se jogar ou se provocar? O corpo inédito é um salto no desfiladeiro. Não é porque tenho imaginação literária que tenho a corporal provocada pela professora Cris Santos. É um jogo, uma criação em conjunto de imagens, uns giros didáticos, um sentir este corpo que pode, uma procura de uma expressividade que se perdeu, mas o corpo tem memória e evoca percursos. Vimos e experienciamos mãos de mel, pés no barro, bacia que se deslocava como água, músicas até mais caribenhas que africanas e fomos encontrando este território expressivo que é mágico - e não dói. Estávamos entre linóleo e colegas. Mas fomos criando, sentindo e expressando o que a professora conduziu. E foi potente!
Os relaxamentos extrapolam tanto os cênicos! A gente nem reconhece mais a tensão que se apegou aos nossos músculos e articulações. Preciso que façam os dois lados pra sentir o corpo mais entregue andando pelo espaço, perceber meio lado trabalhado por parceiros de cena ainda não consigo.
Há várias educadoras na minha turma. Os alunos podem ganhar com isso: ao menos no EJA II de Santo André nem arte educador dançarino temos. Mas parece leveza, movimento, desprendimento, destravamento demais para as aulas curtas que temos. Já se avizinha no horizonte possíveis festas juninas escolares. Vamos sentindo o que é possível.
Fora que ocupar os espaços culturais santoandreenses é político. Temos que nos engajar, apropriar e valorizar. A iniciativa pública periodicamente tenta sucatear todas escolas livres locais. Mas nós resistimos dançando!
terça-feira, 10 de abril de 2018
Ar "petroquimicado"
Nosso vizinho cospe fogo no ar. E não é um dragão. Estamos longe de uma terra do nunca. Quem solta fogo pelas narinas é a indústria petroquímica de Capuava, entre Mauá e Santo André, no ABC Paulista. Presenciei uma noite em que ela resolveu também derramar fogo. E então, muitos de nós, professores, não conseguimos seguir com as aulas. Vários estudantes quiseram debandar apavorados. Irônica como típica sagitariana, dizia que se era para escapulir, que fosse a três bairros de distância. Porque o ar "petroquimicado" já nos persegue há tempos nesta região. E segundo estudos da USP, compartilhados pela professora da ciências, esta poluição específica colabora com distúrbios da tireoide. Mas quem salva as glândulas da periferia? Nosso governo espoliando até nossas calças é que não é. Onde estão os ecochatos nessas horas? Na periferia eles são urgentes. Mas deixando à parte o tom panfletário dessa crônica, na noite em que a petroquímica saiu de sua rotina, assustando amigos e parceiros de trabalho, fui muito atriz pra seguir com a aula. E a petroquímica emitia sons assustadores, como um animal em cativeiro que ruge. Quando cheguei à sala de professores, questionando ainda calma os sons, meus colegas de escola já estavam tão assustados quanto os alunos. Lembrei da tireoide perdida da minha prima, na mesma cidade. Este ar "petroquimicado" segue contaminando até o Campestre, já perto de São Caetano? Na minha vizinhança não é o ar o mais pesado e sim, o solo, na Vila Carioca, também contaminado por indústrias, já próximo ao Ipiranga, que se bobear ganharam até isenção fiscal pra entregar este presente de grego à comunidade. Quem está por nós nas quebradas? Quando denunciaram o solo problemático dali, perto do Heliópolis, já na capital paulista, nem todos puderam desocupar suas moradias. Quem nos preserva da gente? Que evoluir tecnologicamente desconsiderando a comunidade é também um risco.
No dia seguinte, o fogo do céu da petroquímica estava tímido. E a contaminação silenciosa segue... Quem nos preserva deste avanço tecnológico ligeiramente destruidor? No meio da semana, não dou aula no Capuava. Mas e quem dorme entre o fogo e a contaminação? Parafraseando Elza Soares, a carne pobre é a mais barata do mercado.
No dia seguinte, o fogo do céu da petroquímica estava tímido. E a contaminação silenciosa segue... Quem nos preserva deste avanço tecnológico ligeiramente destruidor? No meio da semana, não dou aula no Capuava. Mas e quem dorme entre o fogo e a contaminação? Parafraseando Elza Soares, a carne pobre é a mais barata do mercado.
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