quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Do nascimento de uma formadora

Estudamos muito no EJA lá de Santo André que o trabalho nos transforma (e nós a ele). Devo ter sentido isso de forma ligeiramente sutil com o jornalismo (porém tão light que não me lembro dum trampo específico pra comprovar com ele neste post). Educação não: é levar, sentir, atualizar e se resignificar toda a cada reencontro, pois lidamos com as pessoas em "estado bruto": curiosas, pé atrás, ansiosas, questionadoras...
A formação em literatura que dei durante o último ano pelo edital Impaes/ Cenpec foi assim me revirando, modelando, encantando... No meio do ano fui sentir que me alinhei bem à linguagem lúdica da criança e pra tudo falávamos numa brincadeira, mesmo que fosse pra pedir que não subissem todos juntos nas minhas pernas e colo. Mas engraçado que antes disso, na primeira Parada Pedagógica que dei, mostrando os pesos da literatura para adultos e crianças, já fiquei sem graça e feliz da diretora contar sobre outra formação em "contação" de histórias que foi com suas professoras:
- Ah, mas esperávamos uma formadora como essa aí, animada com o que ia contar, na outra foi muito teórico, nem deu muita vontade de rever a apostila que ganhamos...
Nas manhãs em que não ia aos mini grupos e só contava nos berçários, ia ganhando umas cobranças e "chuva de abraços coletivos" dos pequenos pelos corredores... Ainda bem que a professora de biodança me preparou na Faculdade Paulista de Artes: como ela gostaria desses balanços em seus começos ou fins de aulas de corpo...
A formação acontecia em serviço, ou seja, era contar uma história, "tourear" uma criança para que não mordesse a outra para tomar o livro, cantar um pouco, pedir ao outro que se desculpasse por empurrar o amigo, fazer roda, "fritar o peixe e vigiar o gato" para que dividissem meio forçosamente as obras.,, Além de
verificar com as professoras se tinham dúvidas, partilhar obras com elas, amarrar cadarços, conhecer os projetos delas, ajudar a servir almoço cedíssimo, lá pras "dez e meia da madrugada", fazer indicações, ajudar a dormir para ver se conseguíamos trocar mais um pouco do que vinham fazendo e que colaborações queriam, como ajudaria mais...
Rolaram também Paradas Pedagógicas com desenhista, musicista e pintor parceiros. O do interior fez com que várias criatividades um pouquinho tímida viessem à tona. O professor de desenho trabalhou do mais técnico nas creches ao mais subjetivo no Parque da Aclimação, onde os resultados foram cada vez mais líricos e gostosamente surpreendentes. A do canto trouxe todo um mundo sonoro, da escuta, do brincar, da arte perpassando o que fazíamos e estimulando nossos pequenos, além dos teóricos que nos nortearam. Isso sem contar a de projetos, que com as artes visuais, possibilitou aos estudantezinhos explorar seus sentidos e encantar-se com materiais diversos.
Mediamos ainda visitas ao Catavento, para um banho de ciências da forma mais didática possível e um reencontro com a natureza no Parque da Aclimação, onde a inspiração para o desenho também relembrou o quanto as árvores, folhas, flores, águas e animaizinhos deixam nossos "aluninhos" em estado de graça e como isso precisa ser proporcionado mais e mais vezes.
Ao final dos encontros semanais, após muitas histórias, desenhos, cantos, dança de roda, descoberta e encanto com materiais diversos, as professoras convidaram os pais para conferir o que cada turma criou em conjunto. Muita reciclagem, brincadeiras, instrumentos alternativos, encontro com as histórias, folclore, trabalho com as emoções... Tudo muito em grupo, parceiro, cocriado, estimulado
e valorizado. Havia um receio no ar de não ter muita ressonância com os pais, afinal a maioria trabalha e deve passar mais tempo fora da comunidade do que gostariam. Qual não foi nossa grata surpresa ao encontrá-los de peso, minha voz dando as boas vindas com um livro como objeto cênico, o medo da emoção não projetar a voz até os que ficaram mais no fundo... Depois muita circulação, encontro, experimento, animação com as crianças festejando cada brinquedo feito a muitas mãos, vários cliques, sorrisos o suficiente aqueceram o coração de que fomos no rumo certo. Mesmo quando as eventuais parcerias não promovem vitrines para "marqueteirar" o
elaborado ali na periferia. Mesmo sem arte educadores famosos pondo holofotes nas conquistas surtidas nestas creches públicas. Mesmo com uma mão na massa intuitiva encontrando aos pouquinhos os teóricos que a embasam,
Uma diretora de mãos dadas conosco nos apresentou como umas das parceiras que estimularam tanta cor, tanto som, tanta palavra, tanto conto, tanto desenho, tanta lenda, tanto aprendido a muitas, muitas mãos.
E o que se passou do ladinho de cá... Foi processo tão interno que nesta altura do campeonato compreendo melhor, a quase um mês do término. Tinha um trauma "brabo" com creche: quando pequena, ainda na minha fase grevista de fome, passei uma temporada numa em que não comia o que davam, mas também não podia levar o que comia, portanto lembro muiiiiiiito da fome e do quanto aquele "parquinho de diversões" parecia gigante e solitário enquanto todos os não grevistas comiam. Foi um avanço gastronômico eu não só almoçar nas creches em que elas eram
sempre tão acolhedoras, chamando para comer, mas também ajudar a servir e recolher o que os pequenos usavam, pois inexplicavelmente sempre tive aflição de comida amassadinha, só fui comer algumas frutas quando as segurei.
Outra estranheza da minha temporada beeeem pequena foi num escorregador ter batido com as minhas costas de encontro a uma pedra bem no finzinho de onde descíamos. A dor era qualquer coisa de tão forte, só lembro dumas professoras me segurando e eu sem
ar, não tinha como chorar. Desta vez aquele pátio cheio e todo o tempo do mundo até aquilo passar.
Apesar disso tinha um sonhozinho embotado de trabalhar com os menores, pois no fim das contas acabei 18 anos no jornalismo, com esta vontade em suspenso, para só depois mudar de vez e vir contar, dançar, folhear, destacar desenho, manusear objetos cênicos, explorar figurinos, pesquisar histórias, ensaiá-las, enviar matérias educativas, além de trocar e ajustar com cada professora como contribuir mais para aquela turma ter esse sentimento curioso com os livros, mesmo não letrando ainda. Lembro de vários folheando, recontando e de uma delas, a quem chamavam Sampaio, com chapeuzinho e cestinha, bancando a "cantriz" deste famoso conto de fadas.
Depois de meses juntos fui lembrando de antigas canções de infância, das rodas,
levando para sala, vendo que algumas professoras já tinham apresentado aquele repertório - este tatuado na gente, pelos corredores de onde brincávamos, desenhávamos ou manuseávamos massinha. Comecei contando e terminei cantando histórias - como dizia uma professora, as músicas são histórias cantadas. Dançamos roda e até o xote do contador de histórias! Ressuscitar isso pra mim foi trazer à tona o lado bom de minha antiga temporada na educação infantil e meio que reafirmar na prática para as colegas na formação o quanto tudo que carregávamos era válido ainda atualmente - como os pequenos se divertiam e engajavam com os brinquedos, histórias e músicas mais simples, menos imaginados que teriam aquela acolhida toda.
Creio que se voltar hoje à creche em que aprendi e "me perdi" ao mesmo tempo, já não doerão nem a barriga e nem as costas...!

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