segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A cidade dos meus amores

Alto do Ipiranga
Nesta segunda "bebemora-se" o aniversário de uma das minhas paixões bandidas inveteradas: Sampa. Sempre brinco que precisamos ter olhos generosos para a beleza de suas entrelinhas. Paulistano está sempre correndo, então não capta essas sutilezas de como a cidade é uma graça. Mas é preciso ter olhos para ver. A maioria que reclama daqui passa oito horas no escritório (nos dias bons), mais duas de trânsito e trocentas dormindo pra se recuperar. Como captar nossos "presentinhos visuais" se rendendo a este cotidiano massacrante? Tem que ser  abduzido e doído assim? Talvez não. Alguns (não há como dizer se a maioria, pois a
Amanhecer no Terminal Sacomã
estatística sempre trabalha a favor de contabilidades "copo meio vazio") têm se reinventado, empreendido, frelado ou dado aulas em período menos hardcore. Não que eu seja um exemplo para o deleite dos respiros de Sampa não. Dei tanta aula, formação, contação, fiz tanto projeto e edição de livro fomentado ultimamente que estou enfrentando a terceira rasteira do corpo pedindo trégua. Por essas e tantas outras, acredito em educar o olhar. Dar pequenas paradas entre uma insanidade e outra, pra respirar, fotografar, escrever ou ver quem se gosta. E se fazemos isso menos do que deveríamos... Bem, a cidade segue aí dando seus rápidos
Catavento
presentinhos visuais entre um amanhecer e um entardecer, entre uma parceria e um trampo, entre uma visita e uma caminhada. Se não temos sensibilidade de aproveitar esses presentinhos fugazes... Como a culpa pode ser da cidade, se ela tem menos flexibilidade de por o pé no freio nos nossos abusos cosmopolitas que nós? Vai fazendo a contabilidade: quantas vezes fomos num dos parques urbanos e deitamos na grama até as formigas nos expulsarem? Ou o quanto seus pés sentiram a grama da praça perto do trabalho? Quantos caminhos novos você fez para
Centro Cultural da Juventude
recalibrar o olhar entre um corre e um e-mail? Quantas vezes mudou o lado que senta, escapuliu para lá da janela, trocou o metrô pelo ônibus em dias menos apertados? Então, a construção, o metrô, os bancos, a grama, as árvores, os grafites e os museus têm menos possibilidade de fazer isso que você. Faça e vá de encontro a eles.
Admito que São Paulo não é só "verde que violenta o asfalto", como diria primo Ignácio Loyola Brandão. É também a cidade da angústia: quando uma mostra cultural, histórica ou o raio que o parta resolve acontecer gratuitamente, é tudo em 48 horas, o azar é todo o seu que tem edital, planejamento, projeto ou semanário com prazo estourado para ser atualizado. Este feriado por exemplo, a dor é não poder ver Gilberto Gil pela
Igreja dos Pretos no Centro Histórico
enésima vez de graça no Clube Regatas Tietê, devido à minha temporada "Saci engessada".
Discordo do Criolo que Não Exista Amor em Essepê. De todas as vezes em que fiquei nervosíssima com serviço público deixando na mão, demissão, colega ou ficante sacaneando caprichadamente no meio da rua e chorei esquecendo que estava cercada da muvuca paulistana, sempre ouvi de desconhecidos se precisava de alguma coisa, se estava bem ou se podiam me ajudar. Minha colega das letras e colégios diria que a cidade tem essa vantagem do anonimato. Deus e o mundo do interior fala isso, mas sempre que abri o bocão, me constrangi quando ofereceram ajuda, resolvi "chorar na cama que era lugar quente", mas a cidade é tão grande que até chegar onde me escondo o mal estar já tinha passado,
Eu que venho da provinciolândia de "Sanca City"
Paulista com Angélica
acho encantadora a profusão das ideias, tribos e possibilidades. Já fui roqueira não praticante, regueira sem dread, gótica light só das letras ... Agora devo transitar entre a militante-educadora-artista-vegetariana-escritora lado B. A gente se senta pra beber com as outras turmas, discorda de 15 a 30 minutos, mas depois está todo mundo em casa, mesmo acreditando em batalhas diferentes, essa é a vantagem de estar em Sampa nos 30 e tantos anos.
Desnecessário reforçar que a cidade não é só parque-museu-boteco-natureza escondida-todos os cursos e mostras do mundo. Cruzá-la segue sendo uma chatura para os periféricos. Reconheço que melhorou com as faixas exclusivas, que preciso tomar vergonha na cara e aprender a andar de bike (nessas férias, o metatarso trincado não deixou), mas ainda tem esses bairros com duas opções de busão feito o meu, cujas demoras se resumem a escolher esperar além da paciência ou se deslocar mais até a civilização. No trânsito já fizemos de tudo mesmo: ler, fazer amigos, ensaiar, divulgar peça, brigar com defensor da queda da maioridade penal, reencontrar colegas, cumprimentar quem não lembramos quem é até agora, recordar os tempos de aborrescente...
A periferia duma cidade gigante oferece chances de solidariedade anônimas praticadas no quase silêncio da madruga. Como nas épocas em que pegava condução
Museu Lasar Segall
quatro e tanto, cinco da matina e os madrugadores já se reconheciam no ponto, brincavam e depois dum tempo de sumiço queriam saber onde tinham ido parar os colegas do amanhecer do sol a caminho do trampo. Meu sono nunca mais foi o mesmo depois dos 4 trabalhos iniciando nas madrugas, mas ainda assim cumprimentava os parceiros de ponto de ônibus rindo da minha desgraça:
- Um salve para quem caiu da cama!
E nestas temporadas desenvolvi minha teoria de que devíamos pedir na condução que todos fizéssemos uns vinte minutinhos de silêncio pelas horas de sono que todos madrugadores estavam perdendo. Acho que de tanto reverberar isso por aí, já cruzei com motoristas que apagam as luzes cedão ou tardíssimo nos busões.
Vila Buarque
Mesmo na única ocasião em que quis pedir pra lavar o chão da Fnac de Barcelona, trair Sampa e ficar lá de vez, reconheço que minhas raízes estão aqui, como dum baobá semi novo: aqui virei forrozeira temporariamente, caí de amores pela arte educação, consegui transitar do "jornalouquismo" pra dar aula, fazer projetos e contar histórias, amei e quis mandar dar um pau surra nos peguetes, fiquei doida de amor pela cultura afro, adotei um cachorrinho... É nessa profusão de possibilidades desvairadas da Pauliceia que me reinvento infinitamente. Nela ainda me repito nas postagens, como uma "jornalêra meio repetitiva" cobrindo a mesma pauta. Como Mário de Andrade, também me esparramaria pela cidade quando morrer, é onde está o coração teimoso, para onde voltamos feito lar de matrona acolhedora e rabugenta, ao mesmo tempo. Que esbraveja feito uma espanhola, faz comidinhas a lá italiana, tem a força da construção nordestina, mantem os traços japas por mais que a mistura esteja em cada esquina... É onde o corpo amolece quentinho chegando depois de horas insuportáveis de estrada, onde encontro tudo, levanto qualquer formação, estrategio ajudas e recalculo as rotas dos meus sonhos. Feliz "São Paulos", cidade de mil rostos.

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