sexta-feira, 10 de junho de 2016

A Rebelião da Pururuca

Ter memória familiar com hospital já comprova a definição da avó paterna: somos loucos mansos. Tá, dirão vocês mas e o lado materno? Meus pais são primos. Há cinco gerações só casam entre primos. Game over. "Positivo, câmbio" mas e a revolta do estranho nome deste post? "Pois bem caro Watson", vamos aos fatos. Há uma semana e meia meu pai teve sua estreia hospitalar. Depois de um mês com dor no peito e braço e sendo hipertenso, descambou pro Beneficência Portuguesa. E é lá que tenho memórias familiares surreais: de passar uma virada de ano de jejum por uma apendicite mal diagnosticada, estourada e pedir às enfermeiras: "soro sabor champanhe por favor". De visitar meu tio que na troca de remédio anti Parkinson tem efeitos colaterais e num desses efeitos colaterais me chamou. Ele sempre dizia que queria ter Alzeimer e não Parkinson: "melhor esquecer que tinha tomado cerveja do que derrubá-la"... Ver outra tia tratando doença auto imune. Como ela é bióloga, já viu que tratamos os sintomas e não as causas. Soube de uma mulher foi tratar a causa na Índia, começou mal, mas se curou. Até tinha como a tia atravessar o planeta e se tratar lá, mas ela preferia ficar oito horas seguidas recebendo medicação na veia... Deus dá asa pra quem não voa. Minha família é meio Legião "festa estranha com gente esquisita". Ok, de novo como dizia uma parceira corporativa "de volta à vaca fria": há uma semana e meia minha mãe ligou que estava levando meu pai ao hospital: às três da madruga... Voltei à cama e dormi. Acho que até expliquei pro namorado. Meu pai soube da morte do meu avô em circunstância semelhante e também voltou a roncar, duas ou quatro da manhã. Está bem, não faço mais avaliação familiar. Fui visitá-lo uns dias depois pois fui incumbida de cuidar do nosso cachorrinho Bidu nesse meio termo. Já tinham me dito que ele se alimentava bem, mas como a bandeja tinha acabado de ser retirada numa de minhas chegadas, puxei papo aqueles papos besta de internação:
- O que você jantou?
- Uma comida terrível (não bastasse ser sem sal, não usam uma especiaria sequer).
- Pai vim te ajudar a organizar um motim contra a falta de pururuca nas refeições hospitalares. - e ria. Alto. Ele tentou me conter várias vezes sem sucesso. Como diz um amigo, "derrubo as pessoas da janela com minha risada". Brinquei uns poucos dias até me dar licença de chorar. Não somos italianos, mas podíamos dar workshop de como ser "sanguíneo". Se bem que... Quem ia querer aprender ser assim? Ele foi sindicalista, aprendi militância quase como os músicos auto didatas "de ouvido". O ariano é mesmo um bebê chorão, já dizia meu namorido. Lembrei do Mário Prata em seu livro no SPA, onde traficavam leite condensado dentro de tubo de pasta de dente. Quando meu pai reclamou da falta de sol na hora associei à prisão e disse:
- A moeda aqui pode ser o sal, como na cadeia é o cigarro.
Cateterismo, angioplastia, plasticazinha no braço cheio de bolha de reação do exame depois, volto ainda nessa missão de fazer o emburradinho por convicção dar uma risadinha:
- E aí pai pela ampliação do sal vamos fazer um piquete, operação tartaruga ou... - ele foi do metrô. Sugeriu:
- Fechar a Paulista.
Imaginei no meio do avenidao mais famoso da cidade um mar de internados de aventais e camisolões, improvisando bandeiras em fronhas com carimbos hospitalares e ateando fogo aos colchões do Beneficência, montando barricadas:
- 2 gramas de sal é roubo!
- Ou aumentam o sal ou a UTI arrebenta!
Foi quando o médico passou:
- O senhor pode voltar... marca passo... batimento devagar...
Estranhei. Pensei que estavam editando o que me contavam como não disseram ao pai que a avó da prima tinha morrido. O cara saiu pra assinar papelada e questionei:
- Você fez marca passo?
- Não ele nem falou isso (já desconfiava que meus pais estava senhorzinho, agora tenho certeza. Ou ele ouviu só a parte da alta e não escutou mais nada).
Tentamos ver com o médico no balcão nossas dúvidas, mas "eles preferem terminar com a enfermaria, depois falar conosco no quarto". É que estão no panteão dos deuses mesmo.
Ah, o panteão médico dos deuses...
Depois o atrapalhado admitiu que fez confusão... E pouco antes de virmos embora, vi uma leva de médico novo no corredor, brincava com meu pai:
- Como diria minha diretora cênica "olha a cara de quem comeu muita proteína na infância". Somos invisíveis, veja um ou outro nos cumprimenta.
Sim, seu Benedonca voltou. Conversei com amigos que como eu estão com pais mais velhos que "só fazem ou falam o que querem" e todos achamos que devíamos por em castigo ou dar uns petelecos como fizeram conosco. Chegou a famigerada temporada "sou só eu e Deus". Só por Buda. Evoe!

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