terça-feira, 28 de junho de 2016

O fim como convidado

Definitivamente não reparamos quando o fim se sentou entre nós. Foi para jantar, almoçar ou tomar café da manhã? Não saberíamos dizer, já que se revelou um convidado discreto, mas mesmo assim marcante: nossos planos em direções diagonais se tornaram expressivos, ainda que de algum modo já estivessem ensaiando aumentar esse espaço entre a gente. Claro que ele era importante, toda relação precisa de um respiro - afinal, quem aguenta viver com quem dorme na diagonal em cama de casal? Mas você saberia dizer quando os espaços saudáveis se tornaram abismos e não buscamos nenhuma aproximação? Penso que os amores são construídos de dilatações e reencontros, ainda que parte deles doloridos e inevitáveis...
Talvez em meio a tantas avaliações, o final se aconchegou entre nós. Ele fumava? Preferia café a suco? Experimentava comida natural? Preferia balada ou meditação? Não estranhamos a presença dele, assim como não o tratamos de modo personalizado para dizer mais sobre este hóspede quieto, que nos observava em algum canto de mesa ou ponta de poltrona. Você conseguiu perceber se ele se incomodou com a rotina? Abria a porta da geladeira? Jogava a roupa pela casa, no cesto ou já na máquina de lavar? Em que parte da dança mais solitária de nós dois não pudemos conferir a chegada dele, perguntar se vinha para ficar ou seria breve?
Enigmáticos estes visitantes misteriosos, que não se fazem perceber e ainda deixam no ar se vem para ficar ou serão fugazes. Você colocou um prato a mais na mesa? Nunca peguei outro copo para ele... A louça aumentou? A conta de energia se manteve? Ele disputava o programa a ser conectado e exibido na TV ou via o mesmo que assistíamos? Ficava à janela? Se sentava à cozinha? Como pode passar quase batido, se a casa nem é tão grande para visitas quase que se esconderem?
Não vislumbramos sua chegada, mas ele se aninhou entre nós quando a pipoca acabava entre um filme e outro. Num ou outro programa a sós, saídas com despedidas sorrateiras, relógios biológicos trocados, planos e preferências truncados. Quando os abraços e beijos para os amigos em comum tiveram as entregas terceirizadas, a delícia do reencontro mais rara e a saudade diluída entre um e outro chá compartilhado.
Onde estivemos com a cabeça que não pusemos o fim para fora? Pedimos que voltasse mais tarde, era ainda muito cedo, havia tanto a trocar, dividir, multiplicar ou somar, que ainda negociaríamos operação por operação?
Ah sim, não éramos tão lógicos assim. Não neste campo minado. Nem saberia dizer se quando um de nós partiu, o fim continuou rondando as refeições, a hora de dormir, o momento do banho e o trabalho meio pesado desde então. A casa está vazia, mas é como se parte de nós ou do convidado meio penetra se mantivesse: há tanto por apagar ou jogar para o limbo das recordações.
Pode voltar para levar o fim embora? Já esteve tempo demais desapercebido por aqui, talvez seja hora dele caminhar um pouco contigo e mudar um pouco a percepção do término. Quero por menos copos à mesa e ter a sensação que o baú de roupas diminuiu. O fim esteve entre nós durante algum tempo... Que estranheza termos desconsiderado este convidado.

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