segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Quando a periferia saúda a quebrada

Então São Paulo tem uma ilha. Soube pelas redes sociais, através de colegas. Ainda por cima tinha amiga do Teatro do Oprimido (TO) lá. Como uma sagitariana aventureira e fã de viagem feito eu ainda não tinha descoberto e conhecido essa paisagem fluvial urbana? Há meses tentava matar essa curiosidade. Mas pra não perder o costume urbano temos dificuldade em reduzir a carga das agendas malucas na metrópole e para conciliar agendas de visitantes e moradores da Ilha do Bororé. Neste feriado finalmente consegui entrar no tempo dilatado interiorano da periferia. Aqui na boca do Heliópolis também temos essa pegada caipira com o tempo. Mas como levamos três horas e pouco para chegar, tivemos que entrar não só no tempo da viagem improvisada, tudo na contramão do esperado, mas especialmente embarcar no humor de viagem, com o qual perdemos a primeira balsa para Ilha e seguimos animados porque afinal, já estávamos à beira da represa e a quebra no visual urbano cinza, super populoso e concretado já dá um alívio na gente. Como toda travessia de periferia à periferia essa também não foi isenta de percalços: um trecho do trem da Marginal estava parado, discutiam no vagão que era para construção do metrô, um senhor duvidada que levariam para a periferia, já que o projeto previa chegar ao Paraisópolis. Meu companheiro lembrou do Crioulo cantando Grajauex no trecho final do trem da Marginal. Usei como trilha de parte deste post. Deu uma cansada? Mas o tempo das travessias em São Paulo é este: dá pra resgatar memórias, prosear com estranhos, comer marmita ou bobajitos de camelô, arriscar um cochilo e botar reparo nas mudanças de paisagem. Sempre cismei que o mundo acabava depois do Hotel Transamérica, onde cobri muito evento, mas ufa! Nunca fui terraplanista.
Perto do ABC também sempre prometem metrô e nunca vem, talvez nossos netos se beneficiem dessa pseudo expansão, quem sabe? Por uma intervenção dos orixás ou Budas. Tivemos que pegar o ônibus da Paese pra finalizar o trecho com circulação interrompida. Passamos por todos bairro da zona sul metida à besta em que passei muitos assédio moral, constrangimento emocional e vários passaralhos da comunicação. Bem menos pesado só visitar do que trabalhar no Morumbi, Vila Olímpia, Brooklin e Itaim Bibi. Cruzei a frente do jornal em que fiz minha primeira
greve: a "Casseta Mercantil". Mais um pedacinho de trem e último ônibus pra Ilha. As ruas foram se estreitando: devíamos estar chegando!
Quando finalizamos a estrada na extrema zona sul e pegamos a balsa, bem que tentei lembrar onde viajei numa igual, mas não consegui. Acho que já estava relaxando. Nisso já estava no modo "criança feliz caipira do asfalto", adorando tudo que é mato, água, barco e ave! Seguimos a pé e foi bem fácil achar a Casa Ecoativa. O companheiro da minha amiga nos recebeu super solícito. Imaginei que devíamos estar com caras de perdidos, ele era simpático ou todas alternativas anteriores (no fim do finde vimos que o casal é gente boa, mas lembre-se ainda era começo da tarde do início do finde). Ele recebia um grupo de geógrafos (quis chamar todos que conheço no ABC... Realmente não recebemos pra ter ideias de trabalho o tempo todo e preciso dar cabo dessa neura de trabalho e estudo). Visitamos e soubemos a história dos grafites da rua, para os quais sempre promovem visitas de crianças e professores.
Aquela máxima de sempre da Internet: foi tão interessante que não fiz fotos. E olha que sou fã do grafite! Mas fiquei bem impactada quando vimos um desenho dos portugueses invadindo o país num dos murais e lembraram que o genocídio continua em andamento. Durma com esse barulho! Depois demos uma pausa na capelinha histórica: há uma imagem de santo bugre nela, mas não deu pra clicar, talvez porque preparassem o casório da noite. E na frente um boteco de 1800 e guaraná com rolha, tinha a construção meio amadeirada que encontrei a infância toda no norte do Paraná. E depois de horas em trânsito, bebemos as mesmas bebidas com Cambuci com as quais já nos embebedamos em Paranapiacaba. Se bobear deve ser a mesma vegetação ou clima pé de serra de lá.
Voltamos pra comer na Ecoativa e adivinhe? Um rango natureba de comer ajoelhado e gemendo. Quem fez foi o pessoal da Amara Empreendimento Econômico e Solidário: daí que conversando já percebemos que conhecemos a equipe do Ibeac, que faz iniciativas literárias incríveis em Parelheiros e nossa amiga bambambã das marmitas. Esse mundo é mesmo muito redondo!
Meus amigos quiseram voltar e apresentar a casinha deles. Gozado que fui nessa ansiedade paulistana querendo visitar tudo que é água e cachoeira, mas roupa de banho que é bom deixei pra trás, justo no finde em que o sol resolveu reaparecer, só que lá... Entrei nesse tempo dilatado e ficamos conversando sem pressa. Minha amiga nos levou no mirante. Achei comédia que quando o calor volte o paulistano transfira som alto e trânsito pra região rural da capital.
Mas parece que o sonzão está sempre pelo Bororé, assim como é trilha sonora pra dormir aqui no Helipa. Achei que o verde das águas lembrava o dos lagos do Ibirapuera e da Aclimação. Serão todos por alga conforme me explicaram lá no centro?
Resolvemos dar uma volta à noite. Como uma das saídas estava com um filão, demos a volta e descobri que é uma penísula, não uma ilha, porque fomos à zona sul atravessando plantações e chácaras de eventos, sem balsa. Depois o marido dela teve que desenhar porque península,
ilha vomitei tudo nas velhas provas de geografia e o tico e teco não recordavam mais a diferença. Quem sabe se fizéssemos um estudo de meio como promovem lá hoje em dia?
Com ou sem estudo de meio, perguntei à exaustão dos projetos, do histórico, da região para os amigos (saio do jornalismo, mas ele não sai de mim): tem iniciativas locais de permacultura que dialogam com os produtores simples regionais, articulações com organizações e projetos vizinhos que geraram tecnologias sociais reconhecidas e visitadas, turismo ecológico e de base comunitária, exposições super engajadas pela Ecoativa, além do Grajaú ter até cerveja artesanal! Tive vontade de fazer as pontes que vi nascer entre as quebradas com as quais trabalhei na formação que dei no Galpão de Cultura e Cidadania, mas desta vez entre o Heliópolis e extrema zona sul, porque quando as "perifas" se articularem, ninguém mais nos segura!

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